O aumento da fila do Auxílio Brasil, que chegou a 1,5 milhão de famílias em julho, dobrando em apenas dois meses — com mais de 130,5 mil famílias na fila nas principais capitais do país, Rio e São Paulo — chama a atenção e tem duas explicações, diz Marcelo Neri, diretor da FGV Social.
Primeiro, há um empobrecimento geral das pessoas no Brasil, inclusive nas grandes capitais. O outro fator é que o valor do benefício subiu de R$ 400 para R$ 600, o que acaba atraindo mais gente, incluindo famílias que ficaram sem nenhuma ajuda financeira após o fim do Auxílio Emergencial.
— Essa fila, no país e nas capitais, é resultado desse empobrecimento da população nos últimos dois anos. E também da oferta de um auxílio mais generoso, que chega a R$ 600 — diz Neri, lembrando que embora o desemprego esteja caindo, a renda das famílias continua sendo afetada pela alta do custo de vida e o efeito da inflação acaba sendo mais forte do que a recuperação do mercado de trabalho.
Dados do Mapa da Nova Pobreza, elaborados pela FGV, mostram o crescimento da pobreza no país, desde 2019 até o ano passado. O total de pessoas com renda domiciliar per capita até R$ 497 mensais atingiu 62,9 milhões de brasileiros em 2021, cerca de 29,6% da população total do país.
Este número, em 2021, corresponde a 9,6 milhões de pessoas a mais que em 2019, quase um Portugal de novos pobres surgidos ao longo da pandemia.
No caso de São Paulo, o crescimento da pobreza na capital foi maior do que do estado, entre 2019 e 2021. O aumento foi de 5,2 pontos percentuais no município, enquanto no estado o crescimento foi de 4,54 pontos percentuais. No estado, o índice de pobreza chega a 17,9%.
Rio de Janeiro
No Rio, diz Neri, o crescimento da pobreza foi mais acentuado entre 2019 e 2020, primeiro ano da pandemia, e não entre 2020 e 2021. Hoje, o índice de pobreza no estado é de 16,7%.
Ele observa que com o fim do Auxílio Emergencial (benefício dado durante a pandemia) e a transição para o Auxílio Brasil pelo menos 20 milhões de famílias ficaram sem nenhuma ajuda financeira. A demanda dessa população por ajuda financeira ajuda a aumentar a fila.
— Como o Estado brasileiro não consegue aumentar a oferta de proteção social, a fila cresce — diz Neri.
Ele observa que se de fato o Auxílio Brasil for encerrado em 2023, conforme previsto, a pobreza deve subir muito no ano que vem. Mesmo assim, avalia Neri, se quiser manter o benefício, o novo governo terá que fazer um “freio de arrumação”.
— Esse benefício não foi bem formulado. Não está focando os mais pobres. Por exemplo, não dá mais recursos para famílias maiores e isso poderia ser feito usando a informação do Cadastro Único. As famílias menores têm renda per capital mais alta — observa Neri.
Outro estudioso do problema da desigualdade, o professor da PUC/RJ e economia-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, observa que não é surpresa que a pobreza tenha aumentado em todos os lugares do país, inclusive nas capitais.
Ele lembra que as capitais, com a pandemia, tiveram um aumento muito expressivo do desemprego, com fechamento de bares, restaurantes, e o comércio de rua sendo paralisado.
— Não é surpreendente que tenha havido maior aumento de pobreza nas capitais do que no interior. Mas este (aumento da pobreza) é um fenômeno mundial. Em Nova York, por exemplo, cresceu muito o total de pobres. No Brasil, o PIB caiu quase 5% e a força de trabalho encolheu 15% na pandemia — explica Camargo.
Para 2023, se o novo governo decidir manter em definitivo o Auxílio Brasil em R$ 600, terá que ter uma fonte de receita.