Ampliação do Auxílio Brasil não acaba com a fome, dizem especialistas

Governo decidiu que vai incluir até 2 milhões de famílias para receber o benefício

Foto: Shutterstock.com
Governo quer ampliar Auxílio Brasil para mais 2 milhões de pessoas

Pressionado pela proximidade das eleições e pelas longas filas de quem tenta se inscrever para ter direito ao benefício, o governo Jair Bolsonaro decidiu que vai incluir até 2 milhões de famílias no Auxílio Brasil  (programa que substitui o Bolsa Família). A previsão anterior era que mais 1,6 milhão fossem atendidas. 

Com a nova projeção, o programa passará a atender 20 milhões. O plano do governo é zerar a fila do programa até o mês que vem. Quem se inscrever depois de agosto, porém, não terá garantia de ser contemplado.

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Técnicos aguardam a conclusão da votação da proposta de emenda constitucional (PEC) Eleitoral, que amplia benefícios sociais. A PEC prevê gasto total de R$ 41,2 bilhões pagos fora das regras fiscais. Desse valor, R$ 26 bilhões serão usados para elevar o benefício de R$ 400 para R$ 600, além de zerar a fila de famílias à espera do benefício.

Segundo o Ministério da Cidadania, em maio havia 700 mil famílias na fila, universo que já chegou a 1,5 milhão em junho e deve fechar este mês com 2 milhões. A PEC, porém, só reserva orçamento para incluir quem está na fila até a data da sua promulgação. 

‘O copo segue vazio’

Para Fernando de Holanda Barbosa, pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV, o esforço do governo em aumentar o número de beneficiários se aproxima mais de uma estratégia de campanha do que de combate à pobreza de forma estrutural. Ele lembra que a aprovação do presidente subiu com a concessão do Auxílio Emergencial, de mesmo valor, em 2020. 

"Já na implantação do Auxílio Brasil, 10,4% da população estariam elegíveis a recebê-lo. Esses 400 mil que entrarão a mais agora (em relação à projeção anterior do governo) ajudam a encher o copo, mas esse copo segue bem vazio", afirmou o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social.

Neri ressaltou o impacto do calendário eleitoral na decisão do governo.

"Um estudo da FGV mostrou que há um ciclo político e eleitoral presente no Brasil desde 1982. É possível perceber que o nível de pobreza cai em todos os anos eleitorais e sobe em anos pós-eleitorais. Esse ciclo eleitoral está especialmente turbinado em 2022, por quebrar algumas regras, como a decretação do estado de emergência", afirmou, em referência ao mecanismo usado pelo governo para driblar a Lei Eleitoral, que veda a criação ou ampliação de benefícios em ano de pleito. 

O primeiro passo para receber o benefício é a inscrição no Cadastro Único (CadÚnico), que pode ser feita pela internet. A inscrição, porém, não garante o pagamento. É preciso comparecer aos postos dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) para entrevista presencial, além de passar por cruzamento de dados do governo para checar a elegibilidade.

A fila do Auxílio Brasil se forma quando uma família tem direito ao benefício, mas não é inserida no programa por falta de orçamento.

O novo valor do benefício de R$ 600 começará a ser pago no dia 18 de agosto, de acordo com técnicos do governo, junto com o vale-gás dobrado (pago a cada dois meses).

Para o criador do Fome Zero, José Graziano da Silva, o aumento do Auxílio Brasil é o remédio certo, mas não na dose certa e não no momento oportuno.

"É um programa relativamente complicado, feito no improviso da última hora. Os especialistas têm usado a palavra Frankenstein, porque junta coisas muito diferentes", afirmou, acrescentando que o valor de R$ 600 tem potencial de angariar votos na campanha eleitoral. "É feito com empenho do presidente Bolsonaro, em plena campanha eleitoral. Isso deverá resultar, sim, em maior apoio entre as pessoas que recebem."

Desrespeita regras do jogo

Graziano lembra que o impacto será menor que o do Auxílio Emergencial, que atendeu 65 milhões de pessoas. Agora, serão 20 milhões de beneficiários. Além disso, desde 2020 os R$ 600 seriam hoje R$ 720 em valores corrigidos. A inflação corroeu o poder de compra. 

A PEC só prevê o pagamento até dezembro, mas integrantes do governo já admitem que dificilmente este valor será reduzido, independentemente de quem ganhar as eleições de outubro.

Para João Saboia, professor emérito do Instituto de Economia da UFRJ, 400 mil beneficiários a mais do que a projeção anterior podem significar 400 mil votos a mais.

"O auxílio pode inclusive atrapalhar a governabilidade do próximo presidente, seja ele quem for. Como você tira benefícios como esse e arrisca aumentar a vulnerabilidade de milhões de beneficiários? O programa desrespeita as regras do jogo e não é sustentável a longo prazo."

Na configuração atual, o programa custa em torno de R$ 90 bilhões. Com o ingresso de cerca de 2 milhões de famílias e o novo piso, a estimativa é de um gasto entre R$ 140 bilhões e R$ 150 bilhões em 2023. Essa conta terá de ser paga pelo novo governo.

Contudo, técnicos avaliam que se a inflação ceder e a atividade econômica reagir, a fila do Auxílio tende a cair com a redução do universo de famílias aptas ao benefício. Podem fazer parte do programa famílias com renda mensal de até R$ 210 por pessoa.

Para Juliana Damasceno, economista sênior da Tendências Consultoria, embora o quadro social seja crítico, as medidas dificultam o trabalho do Banco Central de conter a inflação:

"Existe um uso político do Orçamento a favor da campanha eleitoral. Estamos acumulando risco em cima de risco, e a consequência é uma taxa de juros de equilíbrio naturalmente mais alta e inflação mais alta. Estamos falando de uma economia que está ganhando incerteza e isso contamina o cenário."