Sem quórum, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), adiou a votação da PEC Eleitoral na Casa. O texto será votado na próxima semana, segundo ele. O adiamento atrapalha os planos do governo de aprovar a proposta rapidamente para que benefícios cheguem à população antes das eleições.
Os governistas tentam aprovar o texto que foi avalizado pelo Senado na semana passada sem alterações para evitar que tenha que voltar à análise dos senadores.
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A PEC dribla leis fiscais e eleitorais para abrir caminho para R$ 41 bilhões em despesas públicas com a instituição de um estado de emergência no Brasil até dezembro. Os gastos vão financiar benefícios como a ampliação do Auxílio Brasil (para R$ 600) e a criação do "Pix Caminhoneiro", no valor de R$ 1 mil, para subsidiar gastos com combustível de caminhoneiros autônomos.
Foi justamente o temor de alteração do texto, com a retirada do estado de emergência, que adiou a votação da PEC, segundo líderes governistas.
A sessão foi encerrada por volta de 19h45, quando havia um registro de 427 deputados na Casa, embora isso não significasse que todos estivessem em plenário. O número era suficiente para a votação, mas na votação de um requerimento antes da apreciação da PEC, Lira percebeu que poderia não alcançar os 308 deputados votos favoráveis necessários para aprovar o texto.
O presidente da Câmara, então, decidiu encerrar a sessão para evitar uma derrota. Lira afirmou que não arriscaria a votação de duas PECs — os deputados também analisariam o texto que cria um piso nacional de enfermagem.
"Não vou arriscar nem essa PEC, nem a outra, com esse quórum", declarou Lira, ao anunciar que encerraria a sessão e que as propostas seriam analisadas novamente na próxima terça-feira (12).
Votação de requerimento serviu de prévia
A decisão foi tomada após um requerimento de encerramento de discussão ser aprovado por 303 votos a 91, indicando baixa presença em plenário para alcançar 308 a favor da PEC. Esse requerimento serviu como parâmetro para Lira e para o governo contabilizar os votos.
Logo após deixar a mesa da Presidência, Lira se queixou a aliados que os líderes estavam "sem prestígio" e não conseguiam reunir os deputados na sessão.
Segundo líderes favoráveis à PEC, a votação foi adiada devido à preocupação com um destaque proposto pelo PT que remove o "estado de emergência" do texto.
Estratégia da oposição
A expectativa é de que a oposição vote a favor do mérito da proposta, mas também seja a favor da supressão desse termo, o que criaria um impedimento legal para o aumento dos benefícios sociais tão próximo das eleições.
O governo diz, nos bastidores, que só poderá liberar os benefícios com o estado de emergência. O governo precisaria de ao menos 308 votos para derrubar esse destaque do PT. Se o texto for modificado, tem que voltar ao Senado para uma nova votação.
O relator, Danilo Forte (UB-CE), disse apenas que deputados viajaram para suas bases e não seria possível atingir o quórum desejado pela base governista:
"Diante de uma segurança maior, acho que o presidente Arthur Lira agiu corretamente."
A PEC faz parte dos planos de Jair Bolsonaro para alavancar a campanha eleitoral. A medida amplia benefícios como o Auxílio Brasil (de R$ 400 para R$ 600), dobra o vale-gás, e cria outras bondades como o “Pix Caminhoneiro”, liberando gasto total de R$ 41,2 bilhões à revelia do teto de gastos às vésperas da eleição.
O líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), diz que não há resistência à PEC e o adiamento se deu apenas por conta do baixo quórum.
"Eu já havia alertado que na quinta-feira (7) é muito difícil votar PEC. Os deputados estão nas suas bases. Eu mesmo não estou aí, estou na Bahia. Mas vai passar com muito voto", afirmou.
Governo minimiza
Nos bastidores, o governo minimiza o adiamento e negam que isso votação atrapalhe os planos da campanha. Afirmam ainda que três dias úteis não vão ter nenhum impacto e dizem que o texto da PEC prevê o pagamento de agosto a dezembro, portanto, ainda há tempo para aprovar a proposta.
O governo queria que o projeto seja aprovado nesta semana para antecipar os pagamentos dos benefícios. Apesar do adiamento da votação, o presidente Bolsonaro já tem usado o pacote de bondades da PEC em seus discursos para atrair o eleitorado.
O núcleo duro da campanha aposta todas as fichas no pacote para fazer Bolsonaro começar a recuperar a diferença nas pesquisas para o ex-presidente Lula ainda em julho. A medidas atingem diretamente a população de baixa renda, que Bolsonaro tem mais dificuldade.
Segundo técnicos do Ministério da Cidadania, há tempo hábil para viabilizar o pagamento porque os depósitos aos benefícios só começa a partir de agosto. No caso do Auxílio Brasil, a partir de 18 de agosto. O governo, porém, ainda tentava fazer os pagamentos começarem em julho.
O "pacote de bondades" vai durar até dezembro. Para driblar problemas com as legislações fiscal e eleitoral, o texto institui um estado de emergência. Esse drible foi necessário porque a legislação diz que só podem ser criados benefícios no ano do pleito em caso de emergência.
A aprovação dessa PEC, segundo juristas, abre um precedente perigoso e irreversível, pois pode permitir que qualquer pretexto seja utilizado tanto para driblar a lei eleitoral como para afrontar a Constituição, criando um "vale-tudo eleitoral. O drible na lei eleitoral pode comprometer a isonomia da disputa neste e em outros pleitos, alertam os especialistas.
Oposição comemora
Para deputados da oposição, o adiamento da votação mostra que o engajamento ao governo está baixo, e que mesmo com manobras para acelerar a tramitação do texto, faltou mobilização da base.
O líder da minoria, deputado Alencar Santana (PT-SP), diz que a oposição continuará fazendo seu trabalho de questionar o projeto, mas que hoje faltou articulação do próprio governo.
"Eles transgrediram o regimento na comissão, atropelaram a sessão hoje cedo e mesmo assim não conseguiram garantir seus deputados. O governo não tem adesão para uma coisa que ele considera central. O governo tem obrigação de colocar seu quórum se quer aprovar. Ele tem a maioria com folga. É ele que não conseguiu hoje. Diria que tem muita gente comprando o voo desesperadamente para estar aqui na semana que vem", afirmou.
Uma das estratégias do partido é tentar ampliar a mobilização em torno dos destaques. O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), líder do partido, explica que a sigla aposta em três frentes para modificar a parte do texto que menciona o estado de emergência. A primeira é suprimir o artigo inteiro, a segunda envolve a supressão do termo “estado de emergência” e a terceira é um ajuste de redação para retirar a caracterização “imprevisível”, em referência a alta do preço dos combustíveis.
"Entendemos que esse governo não tem mais creibilidade para receber um cheque em branco, do ponto de vista da preservação da democracia brasileira. Uma coisa é socorrer os mais pobres, de maneira tardia e eleitoreira, mas nosso partido não vai faltar ao povo brasileiro. A segunda questão é permitir que ele utilize o estado de emergência para dizer que não vai ter segundo turno, que o país está confuso, para dar um golpe", afirmou.
O relator da PEC no plenário, deputado Christino Áureo (PP-RJ), atribuiu o esvaziamento da sessão a uma situação natural, após um dia exaustivo na Câmara:
"Acho que é natural depois de um dia de discussão bem exaustivo, 6h30 de discussão na comissão. Já tem um esgotamento natural, porque durante todo o tempo você fica com expectativa de realizar a sessão. Isso causa uma desmobilização."
Ele acredita que a quinta-feira (7) já seria um dia mais desafiador, porque tradicionalmente há menos deputados em Brasília, mas a possibilidade de votação remota aumentaria a possibilidade de participação de deputados viajando para suas bases.
"Acho que tem condição de reagrupar e votar isso na terça-feira. É mais seguro para dar legitimidade de uma votação de PEC ter um quórum mais robusto", afirmou.
Obstrução, mas voto favorável
Ao longo das quase três horas de sessão plenária, alguns deputados que se opõe à PEC chegaram a declaram que eles ou seus partidos poderiam votar favoravelmente ao projeto, por entender que é necessário prestar algum tipo de ajuda aos mais vulneráveis, embora sobrassem críticas ao caráter eleitoreiro da proposta e ao rombo fiscal que pode causar.
O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) criticou o oportunismo de uma PEC que contraria a legislação eleitoral em ano de eleição, e disse acreditar que o Supremo Tribunal Federal ou o TSE se ocupariam disso:
"Responsabilidade fiscal não é incompatível com política social, política de transferência de renda. Muito pelo contrário: política social sem recursos, sem orçamento equilibrado, é demagogia, é criar uma bomba para as futuras gerações."
A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) disse que o posicionamento da oposição era responsável, porque não tiraria "o pão da boca do pobre", mas denunciaria a intenção do governo:
"Nós não iremos dizer não ao aumento de um auxílio que nós já queríamos que fosse maior, mas nós temos que denunciar que é eleitoreira a decisão, que é uma decisão eleitoreira e extemporânea."
O deputado Bira do Pindaré (PSB-MA) disse que a PEC atropela a Constituição e leis eleitorais, e que isso precisava ser denunciado. Ainda assim, a posição do partido era pela ampliação de benefícios.
"O PSB defende os R$ 600, mas defende em caráter permanente. Gostaríamos de discutir essa proposta com profundidade, mas isso é impossível, porque atropelaram todo o processo legislativo. Nós ficamos impedidos até de apresentar emendas devido às manobras que aqui aconteceram", afirmou durante a sessão.