Escalada da crise argentina acende sinal amarelo na indústria brasileira
Luciano Rocha
Escalada da crise argentina acende sinal amarelo na indústria brasileira

A escalada recente da  crise argentina já causa inquietação no Brasil. Entre os fabricantes de calçados e veículos, os dois segmentos da indústria brasileira que ainda têm no país vizinho uma de suas freguesias mais importantes para além das fronteiras, essa angústia é mais aguda. Para alguns desses empresários, porém, chega a soar tão trágica quanto um tango. 

Mas, bem diferente do que acontecia em outros tempos, desta vez os efeitos dos abalos que por lá levaram à substituição do titular do Ministério da Economia no último fim de semana devem ficar circunscritos a esses setores, na visão de especialistas que acompanham de perto a relação bilateral.

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O divisor de águas, segundo eles, são as reservas internacionais robustas amealhadas pelo Brasil, sobretudo na primeira década do segundo milênio.

"A Argentina tem uma dívida equivalente a 80% de seu PIB e 90% dela é com o exterior", ressalta um economista que, de tão incerto sobre a saída para essa situação, prefere não ser citado. Segundo ele, nessa condição o país perde o controle sobre a sua própria moeda e, consequentemente, de sua economia. 

Numa das medidas para contribuir para a recomposição de suas reservas, no início da semana passada o governo argentino estipulou o prazo de seis meses para o pagamento por importações. Para os fabricantes brasileiros de calçados, que têm na Argentina seu segundo maior mercado de exportação, esse foi o clímax da crise na relação. Eles se dividem hoje em três grupos.

O maior deles, segundo a coordenadora de Inteligência de Mercado da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Priscila Linck, é formado por aqueles que estão cancelando os pedidos feitos. Eles não têm condições de "financiar compulsoriamente" as compras de seus clientes por tanto tempo. 

Outros tantos avaliam neste momento a viabilidade de continuar vendendo para a Argentina. Mas não sem muito pesar, já que esse canal comercial experimentava seu melhor desempenho desde 97.

Mas há aqueles que já tinham embarcado a carga e foram apanhados pela medida. Esses sentem na pele os efeitos de um “corralito”, o confisco à moda argentina, com o pagamento pelos produtos retido até o fim deste ano.

Um empresário do ramo, que prefere não se identificar, conta que estava quase voltando a vender para a Argentina, após quatro anos fora daquele mercado. Com a medida recente, suspendeu os planos e avalia se, enviando cabedal e solado separados, o que ajudaria a manter mão de obra no destino para a montagem dos calçados, consegue escapar ao prazo de seis meses. 

As montadoras brasileiras ainda têm na Argentina seu principal mercado de exportação. As sucessivas crises sofridas pelo parceiro comercial, no entanto, já corroeram muito da relevância que o destino tinha até outro dia.

Conforme a Anfavea, entidade que representa as fabricantes de veículos, as vendas para o país vizinho chegaram a representar 80% do total exportado, em 2013. Nos primeiros cinco meses deste ano, essa fatia havia encolhido a cerca de 30%, após uma queda de 26% nas vendas em comparação com o mesmo período do ano passado. E isso antes dos últimos lances da crise.

Enquanto assiste aos desdobramentos dramáticos do tango argentino, o setor acelera no incremento de suas vendas para outros mercados próximos, como Colômbia, Chile e Equador. E redobra as apostas no mercado doméstico.


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