Depois de muita negociação no Congresso e uma coleção de revezes, o governo conseguiu concluir na quinta-feira (9) a operação de capitalização da Eletrobras, o modelo escolhido para a sua privatização. Novas ações emitidas pela empresa com alta demanda dos investidores, e cada papel foi precificado em R$ 42. Parte do dinheiro será usado para aliviar as contas de luz.
Com a liquidação dos investimentos (ou seja, o pagamento dos investidores pelos papéis reservados), as ações passarão a ser negociadas na Bolsa de São Paulo, a B3, a partir desta segunda-feira (13). Como o governo não comprou novas ações, estima-se que sua participação na companhia será reduzida a cerca de 35%, encerrando assim o controle estatal da companhia, que passa a ter a maior parte do capital privado.
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A operação da Eletrobras movimentou cerca de R$ 33,7 bilhões. Com o dólar em torno de R$ 4,91 na semana passada, a operação movimentou quase US$ 6,9 bilhões, tornando-se a segunda maior operação em Bolsa no mundo neste ano.
Considerando que não se trata de um IPO (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês), ou seja, abertura de capital, mas sim um follow on (oferta de ações subsequente de empresa já listada em Bolsa), a capitalização é a maior operação deste tipo desde janeiro.
Segundo o ranking da consultoria inglesa Refinitiv, que pertence à Bolsa de Londres, apenas a capitalização da coreana LG Energy Solution Ltda, maior fabricante de baterias do mundo, atraiu mais dinheiro que a Eletrobras no mercado de ações este ano: US$ 10,7 bilhões.
O governo calculou em R$ 67 bilhões os valores relacionados à privatização ao longo de dez anos, mas nem tudo vai para os cofres públicos. Desse total, R$ 25,3 bilhões serão pagos pela Eletrobras privada ao Tesouro pelas outorgas das usinas hidrelétricas cujos contratos serão alterados.
Esse novo regime prevê um pagamento fixo pela energia, a preço de custo. Essas usinas passarão a operar pelos valores de mercado.
Serão ainda destinados R$ 32 bilhões parra aliviar as contas de luz por meio da Conta de Desenvolvimento Energética (CDE). Para amenizar os efeitos da mudança nos contratos das hidrelétricas nas contas de luz, a Eletrobras terá que injetar, por uma década, recursos em um fundo do setor elétrico.
Esse fundo, chamado de Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), é abastecido hoje com recursos das contas de luz. Por isso, essa nova fonte de receita reduz a pressão sobre as tarifas.
No total, a CDE receberá R$ 32 bilhões. Apenas neste ano, serão R$ 5 bilhões. O governo conta com esse dinheiro para segurar os aumentos nas contas de luz. A Agência Nacional de Energia Elétrica, por exemplo, já adiou por duas vezes o aumento nas contas da Cemig (de Minas Gerais) à espera da privatização da Eletrobras.
Além disso, os consumidores pagam hoje pelo risco hidrológico (o risco de faltar água para geração) das usinas que estão cotizadas. Esse risco passará para a empresa com a mudança dos contratos.
O Ministério de Minas e Energia afirma que haverá um impacto positivo de 2,43% nas contas de luz deste ano, por conta dos repasses à CDE.
Essa obrigação foi inserida no mesmo parágrafo da autorização para a venda da estatal, impedindo um veto e dificultando mudanças na lei. De tão extenso, o artigo parece ter sido inspirado na obra do escritor José Saramago, conhecido por parágrafos sem hora para acabar.
Durante a tramitação da privatização da Eletrobras no Congresso, os parlamentares ainda inseriram uma obrigação para o governo contratar 8 mil megawatts de usinas termelétricas a gás. A contratação precisa ser feita em leilão, não necessariamente construídas pela própria Eletrobras, e vai depender da demanda de investidores.
Para levar gás a essas térmicas será preciso criar uma infraestrutura de dutos. Especialistas temem que o valor dos gasodutos seja transferido para as tarifas de energia, encarecendo ainda mais as contas de luz. Além disso, a construção de termelétricas a gás pode reduzir a demanda por outras fontes, como a energia eólica.
A obrigação de construir termelétricas foi classificada como um "jabuti", quando os parlamentares inserem num projeto algo sem relação com o conteúdo original da proposta. Por outro lado, foi fundamental para garantir o apoio especialmente no Senado, onde havia muita resistência à privatização.
O governo defende a construção das usinas argumentando que elas têm preço-teto — portanto sem impactos significativos sobre as contas de luz — e também diz que essas estruturas vão substituir termelétricas a óleo (mais caras e mais poluentes).