A quatro meses da eleição presidencial, o governo anunciou um pacote para subsidiar o preço do combustível que deve consumir todos os recursos que ingressarão no caixa do Tesouro com a privatização da Eletrobras. E ainda assim, isso não será suficiente para pagar a conta.
Ao anunciar a proposta, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que poderiam ser usados recursos da capitalização. Do total que será levantado com a venda da maior empresa de energia da América Latina, R$ 25,3 bilhões iriam para o Tesouro.
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O objetivo era pagar dívida. Agora, o dinheiro será usado para evitar novas altas do diesel na bomba, fator que se converteu na principal fonte de pressão na campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
O problema é que a conta não fecha. O governo estima que precisará gastar R$ 40 bilhões para custear a operação. Resta definir de onde viriam os outros R$ 15 bilhões. A princípio, devem ter origem em dividendos da Petrobras ou outras receitas do setor de petróleo.
Defasagem anula efeito
Além de criar uma fonte de despesa até então imprevista, especialistas afirmam que não há garantia de que a operação será bem-sucedida. Considerando dados de terça-feira (7), a defasagem no preço do diesel em relação às cotações internacionais chegou a 13%, o equivalente a R$ 0,77, segundo a Abicom, associação dos importadores.
Isso indica que, se a Petrobras reajustasse o combustível para manter a paridade de preços, a proposta do governo de zerar o ICMS do produto deixaria de ter impacto ao consumidor final em 10 estados, como São Paulo, Rio e Minas Gerais, e no Distrito Federal.
Zerar o ICMS para o diesel, como previsto na proposta de emenda constitucional (PEC) que o governo buscará aprovar, teria impacto de, no máximo, R$ 1,006 no preço final do diesel, segundo levantamento. O valor muda de estado para estado, conforme a alíquota de ICMS praticada. Em São Paulo, o alívio seria de R$ 0,6618. Daí a conta de que,se a Petrobras fizer reajuste, a isenção tributária teria efeito nulo.
Até agora, o governo tem procurado segurar preços na estatal, mas o que se espera no segundo semestre é um aumento da demanda por diesel, motivada pelo mercado internacional, fator que passa ao largo da redução de impostos. Na semana passada, o preço do petróleo superou US$ 120 por barril por causa da nova rodada de sanções ocidentais ao óleo russo após a invasão da Ucrânia.
O dólar é outro fator de pressão já que a formação do preço considera cotação internacional. Na terça-feira, a percepção de que o país pode estar diante de uma piora de sua situação fiscal com o pacote apresentado pelo governo levou a moeda americana a encerrar em alta de 1,64%, a R$ 4,87.
Para o economista-chefe da Meta Asset Management, Alexandre Póvoa, a proposta não faz sentido.
"Não faz sentido torrar os recursos da privatização. E se a Petrobras elevar os preços em 10%? Anula o subsídio", disse, lembrando que a compensação aos estados não tem fonte definida. "Nada garante que o excesso de arrecadação vai continuar."
Fontes na Petrobras — cujo comando segue em situação indefinida 15 dias após a demissão de José Mauro Coelho da presidência— dizem que o aumento no preço da gasolina no exterior começa a preocupar a empresa, já que o último reajuste foi no dia 11 de março. O diesel, por sua vez, foi elevado no dia 10 de maio.
Fábio Nieves Barreira, sócio da área tributária do Viseu Advogados, ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT) e ex-diretor jurídico da Fiesp, destaca o caráter eleitoreiro da medida e afirma que o pacote traz insegurança jurídica, já que tem prazo de validade até o fim do ano.
Grandes empresas precisam ajustar sistemas à regra, o que as leva a ficarem suscetíveis a autuações por possíveis erros.
"A confusão tributária acaba sendo maior que o benefício. E se o Supremo Tribunal Federal (STF) suspender a PEC? As empresas ficam sem saber o que fazer."
Ainda assim, integrantes do governo tratam o pacote como uma “bala de canhão” para as eleições. Assessores têm reforçado a visão, nos bastidores, de que a alta de preços de diesel, gasolina e gás de cozinha poderia custar a reeleição. Guedes vinha sendo cobrado a entregar solução para o assunto ainda nesta semana.
E foi assim, de última hora, que nasceu a proposta de reduzir o ICMS do diesel e do gás de cozinha e dos impostos federais sobre a gasolina.
Lira: ‘Panela de pressão’
Na terça (7), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que o pacote é importante para que o Brasil não vire “uma panela de pressão” e exploda. Lira reconheceu que as medidas foram definidas a quatro meses da eleição, mas afirmou que o assunto não devia ser politizado:
"É num momento que está próximo das eleições? É. Nós vamos deixar o Brasil virar uma panela de pressão, e essa panela de pressão explodir para que a gente possa cuidar dos nossos vulneráveis? Não. Nós temos que cuidar deles desafogando a pressão, trabalhando em prol de saídas que tenham lastro na responsabilidade fiscal, mas olhe para o social."
O governo calculou em R$ 67 bilhões os valores relacionados à privatização da Eletrobras, mas nem tudo iria para os cofres públicos. Do total, R$ 25,3 bilhões iriam para o Tesouro para pagar as outorgas das hidrelétricas que terão contratos alterados. A ideia original era usar o recurso para abater a dívida pública.
Outros R$ 32 bilhões serão empregados para aliviar a conta de luz a partir deste ano por meio de fundo setorial, a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Há ainda R$ 8 bilhões que vão bancar, ao longo de uma década, a revitalização de bacias hidrográficas do Rio São Francisco, de rios de Minas e de Goiás e na geração de energia limpa da Amazônia.