A combinação de guerra na Ucrânia e reabertura da economia levou a uma escalada no preço das passagens. De fevereiro para março, de acordo com levantamento da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), houve aumento de 29,5% na tarifa média real.
Na comparação com março do ano anterior, o salto foi de 68,6%. É um retrato, principalmente, do impacto do conflito no Leste Europeu sobre os preços dos combustíveis e da volta às ruas do brasileiro no início do ano com a retomada de atividades presenciais.
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A alta de preços pode frear a retomada do setor aéreo, um dos mais afetados pela pandemia. Para o consumidor, ficou mais difícil fazer caber o valor da passagem no orçamento.
Outro indicador reforça a tendência. O valor médio pago por quilômetro voado, chamado no jargão do mercado de yield, subiu 31,2% de fevereiro a março. Em relação a março de 2021, a disparada foi de 81%.
O cenário adiante é de mais turbulência em voo. O querosene de aviação (QAV) subiu na refinaria esta semana, um movimento que deve retroalimentar a alta de preços. Somente no ano passado, o combustível subiu 91%. Até 29 de maio, a alta acumulado chega a 36,42%, sem considerar o ICMS, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP).
O combustível tem preço atrelado ao dólar e representa cerca de 40% da matriz de custos de uma companhia aérea brasileira. A oscilação na esteira da guerra, margens reduzidas e o peso do item dificultam a tarefa de segurar o repasse.
Para o consumidor, muitas vezes a saída é rever planos. O criador de conteúdo Levi Kaique Ferreira, de 28 anos, desistiu da viagem com amigos para Florianópolis em novembro por causa do preço do bilhete e das diárias do hotel.
— Vimos um valor de passagem e pensamos em ir, mas logo depois subiu. Até parcelaria se a diferença fosse pouca, mas não é. Está muito instável. Não sei quanto o combustível subiu. Uma passagem que paguei R$ 250 em janeiro pela ida e volta de Campinas para o Rio encontro no site por R$ 1.117 — diz ele, que a cada dois meses faz este trecho e da última vez optou por ir de ônibus.
Demanda sensível a preço
Os passageiros de voos comerciais regulares que partiram dos aeroportos de Santos Dumont e Galeão, no Rio, com destino a aeroportos de São Paulo (Guarulhos, Congonhas, Viracopos e Ribeirão Preto), pagaram em março R$ 614,18 por um bilhete de ida e volta, 30% a mais que os R$ 470,80 de média desembolsados por quem voou em fevereiro e 172% a mais que em março de 2019 (R$ 347,47).
A partir do Santos Dumont, a rota para Fernando de Noronha tinha a média de preços mais alta em março: R$ 1.404,22, uma tarifa 56% maior que a praticada no mesmo mês de 2019.
Segundo André Castellini, sócio da consultoria Bain & Company, a demanda por voos domésticos no fim do primeiro trimestre foi marcada pelo rescaldo da demanda reprimida durante a pandemia. Para ele, a recuperação ainda pode ter fôlego nos meses de alta temporada, mas a elevação dos preços dos bilhetes pode minar a demanda nos meses de menor procura.
"Uma parte dessa demanda por passagens vem de pessoas que adiaram férias ou compromissos durante a pandemia e agora retomam as viagens, mas isso tem fôlego limitado. A demanda regular no Brasil tem elasticidade, ou seja, é sensível a preço, e a renda média do brasileiro não subiu na proporção do preço das passagens", afirma.
Para quem faz planos de viagem, a saída é pesquisar. A fisioterapeuta Hanna Gomes acompanha há um mês os valores da passagem de Rio Branco, no Acre, para o Rio, onde ela e o marido vão visitar a família e pretendem assistir ao show da banda Coldplay, em outubro. A passagem, que oscilava entre R$ 1 mil e R$ 1.200 por pessoa, está na faixa de R$ 1.800 a R$ 1.900, segundo ela. Sem visitar o Rio desde 2019, por causa da pandemia, ela espera uma trégua para comprar o bilhete:
"Estou tentando ver se consigo encontrar um preço mais em conta."
Segundo Castellini, as viagens corporativas, que têm tíquete médio maior e são mais rentáveis para as empresas, têm voltado com mais vigor neste ano, mas ainda são minoria. Para ele, as empresas têm operado com margens reduzidas e não há espaço para reabsorver altas de custos.
"Há uma competição da aviação com outros modais, especialmente com o rodoviário nas viagens a lazer, que voltam a ser a resposta para o consumidor que não pode pagar o novo patamar de tarifa aérea. É uma escolha por preço, similar ao que alguns precisaram fazer ao escolher que carne comprar no supermercado", compara.
Para Márcio Peppe, sócio-líder de aviação da KPMG, a alta nos preços das passagens é global e deve perdurar enquanto o petróleo estiver em alta, mas o Brasil pode ser afetado pela desaceleração da atividade econômica adiante:
"A demanda doméstica da aviação está próxima do patamar possível para uma economia que não está fortalecida, como a do Brasil."