O governo Bolsonaro prometeu reiteradas vezes, desde a campanha de 2018, uma atualização da tabela do Imposto de Renda para pessoas físicas, o que ainda não aconteceu. Ao contrário: segundo a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional), a defasagem do tributo no governo é de 24,49%.
Na campanha, Bolsonaro sinalizava uma ampliação da faixa de isenção para cinco salários mínimos, o que equivalia a cerca de R$ 5 mil - e que, em valores atuais, seria R$ 6.060 . Para quem ganhasse além deste valor, seria cobrada uma alíquota única de 20%. Até o momento, contudo, Bolsonaro não conseguiu propor sequer a atualização da tabela pela inflação.
A Unafisco Sindical faz também a conta da defasagem total do Imposto de Renda desde 1996.
Entre no canal do Brasil Econômico no Telegram e fique por dentro de todas as notícias do dia. Siga também o perfil geral do Portal iG
“Com a inflação apurada de 10,06% no ano passado, a defasagem acumulada da tabela do Imposto de Renda chegou a 134,53%, de acordo com cálculos realizados pelo Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco). No levantamento da entidade, entre 1996 e 2021, a variação acumulada do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 391,88%, bem abaixo do reajuste da tabela do Imposto de Renda, que foi de 109,63%”, afirmou a entidade.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO lembram que o desenho proposto pelo então candidato Bolsonaro contraria a Constituição. Na época, a sinalização era de ampliação da faixa de isenção para cinco salários mínimos, o que equivalia a cerca de R$ 5 mil.
Para quem ganhasse além deste valor, seria cobrada uma alíquota única de 20%. Em entrevista, Bolsonaro chegou a detalhar a proposta, mas nunca incluiu o texto em seu plano de governo.
A alíquota única para todas as faixas salariais contraria a determinação de progressividade que há na Constituição.
"O imposto de renda é sempre progressivo. Para ter alíquota única teria que mudar a Constituição e ele, como presidente, não pode fazer isso por decreto", afirma a sócia de tributário do Tauil & Chequer Advogados Carolina Bottino.
Essa é a mesma avaliação do auditor fiscal Mauro Silva, presidente da Unafisco Nacional:
"A Constituição exige que o Imposto de Renda tenha progressividade, e com uma alíquota você não tem. Com duas, até pode dizer que já tem. Você tem que ter mais de uma alíquota para uma progressividade mínima, tímida. A progressividade significa que quem ganha mais, pagará mais proporcionalmente."
Ele ainda diz que há entendimento de que isso pode ser considerado um direito de garantia individual, o que tornaria uma cláusula pétrea, impossibilitando a mudança até mesmo por proposta de Emenda à Constituição.
Desde 2015 sem atualização, a defasagem na tabela do IR pesa no bolso do brasileiro, que poderia pagar até menos imposto se houvesse correção. Ainda que não cumpra a promessa de campanha, dependendo do meio escolhido para modificar a tabela, as novas regras poderiam valer até para este ano.
O governo tem dois jeitos para promover o ajuste. O mais demorado é enviando um projeto de lei. A forma mais célere é editando uma Medida Provisória (MP) reajustando a tabela, o que pode ser feito pelo presidente Jair Bolsonaro.
Vale lembrar que em 2015, o último reajuste da tabela foi feito via MP, posteriormente convertida em lei. Naquela época, o reajuste médio na tabela do IRPF foi de 5,6%, sendo que o limite de isenção foi corrigido em 6,5%, subindo para R$ 1.903,98, que está em vigor até hoje.
A vigência da nova tabela é que depende, apontam tributaristas ouvidos pelo GLOBO. Para Carolina Bottino, a alteração ficaria para o ano seguinte:
"A medida valerá somente para o ano-calendário 2022, ou seja, irá afetar o Imposto de Renda declarado pelos contribuintes em 2023."
Já Samir Nemer, do FurtadoNemer Advogados, aponta que as mudanças poderiam valer até mesmo para declarações entregues ainda esse ano.
"Mas caso haja o aumento do IR (por elevação da alíquota) para as faixas de maior renda por exemplo, como forma de diminuir a perda de receita com o reajuste das faixas de menor renda, este aumento do IR só pode valer para o exercício de 2023, por força de garantia constitucional que veda o aumento para o mesmo exercício que o houver majorado", explica.
Essa também é a interpretação de auditores fiscais, que entendem que a medida passa a valer imediatamente nos casos em que não implica aumento de imposto.
Nemer faz uma ressalva para 2022: por ser ano eleitoral, há alguns especialistas que entendem que o reajuste neste ano seria vedado por causa da legislação, que proíbe a distribuição de bens, valores e benefícios por parte da administração pública.
"Pessoalmente não vejo impedimento, porque o reajuste da tabela do IR não configura “benefícios”, mas sim atualização/redução da defasagem acumulada da tabela do Imposto de Renda diante dos altos índices inflacionários dos últimos anos."
Além da legislação eleitoral, outro ponto que gera divergências entre tributaristas é a necessidade de indicação de fonte de compensação, para não descumprir a Lei de Responsabilidade fiscal.
"Eventual correção da tabela progressiva do IRPF, por alcançar, de forma indiscriminada, a todos os contribuintes, não se enquadra no conceito de renúncia de receitas estabelecido no artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal", diz Carolina.
Ela explica que a exigência de fonte de compensação se aplicaria para casos em que há tratamento diferenciado entre os contribuintes, o que não é o caso do IR.
Já Nemer entende que a eventual perda de arrecadação do reajuste da tabela do IR não precisa de indicação de compensação e não fere a LRF, mas teve estar prevista no resultado primário do governo, que considera o resultado entre receitas e despesas.
Para ele, a atualização da tabela do IR é mera recomposição ou atualização das faixas de renda, com a diminuição da diferença entre o índice de correção e de inflação, que acabam reduzindo os proventos dos brasileiros.
"A não correção da Tabela do IRPF ou mesmo sua correção parcial em relação à inflação aumenta a carga tributária e penaliza de maneira mais acentuada o contribuinte de menor renda, notadamente a classe média assalariada", defende.