Mercado da China puxa Bolsas globais para baixo
Ivonete Dainese
Mercado da China puxa Bolsas globais para baixo

A desaceleração da China, resultado da política de tolerância zero contra a Covid-19, deve afetar também a economia brasileira este ano e no próximo, segundo especialistas. Os dados divulgados na segunda-feira por Pequim indicam retração na segunda maior economia do mundo em abril, e seus principais parceiros comerciais, como o Brasil, não ficarão incólumes.

A produção industrial recuou 2,9% em abril, em comparação ao mesmo mês de 2021. Já as vendas no varejo desabaram 11,1% no período, quase o dobro da queda prevista pelo mercado, que era de 6,6%. Ambos estão no pior patamar desde o início da pandemia. Enquanto isso, a taxa de desemprego atingiu 6,1%.

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José Augusto de Castro, presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), lembra que a China é o maior comprador mundial de commodities, e, à medida que a demanda chinesa diminui, a tendência é que os preços desses insumos — em patamares elevados devido à guerra na Ucrânia — possam apresentar certo arrefecimento.

Parte desse efeito pode começar a aparecer nas estatísticas de julho, segundo Castro. O preço menos pressionado tende a afetar as exportações brasileiras, o que deve gerar uma balança comercial com superávit menor que o previsto para este ano.

Importações mais caras

Outro impacto sobre a economia brasileira se dará pelas importações. Castro destaca que os preços das importações, em dólares, tiveram aumento de 34,4% em abril e de 29,5% em março. Com os lockdowns na China, importar daquele país fica mais difícil.

A consequência é uma piora dos gargalos logísticos surgidos com a pandemia, num momento em que o custo do frete já está nas alturas e deve subir ainda mais:

"Um produto comprado da China que demoraria 45 dias para chegar poderá demorar 90 dias. Se não tiver contêiner, a mercadoria não sai. E não tem alternativa. Nós podemos comprar insumos da Argentina que podem vir por transporte rodoviário, mas o país é um pequeno fornecedor para o Brasil", explica Castro.

Roberto Padovani, economista-chefe do BV, lembra que, além da política de tolerância zero contra a Covid-19 na China, que impacta a economia global, há a guerra na Ucrânia e a alta dos juros pelo Banco Central americano. O resultado disso, diz Padovani, é desaceleração econômica na Ásia, Europa e Estados Unidos, o que diminui a demanda por matérias-primas, afetando o Brasil pelo canal de exportação:

"Quando o mundo desacelera, o risco em relação aos mercados emergentes piora, o que acaba inibindo os fluxos financeiros. Isso torna o câmbio aqui mais pressionado e evita uma redução da inflação no Brasil."

Efeito prolongado

Padovani afirma que essa situação vai deixar a inflação elevada por mais tempo, o que reduz o poder de compra da população e deve levar a um novo aumento dos juros pelo Banco Central. O BV revisou o IPCA de 2022 para 9% e, agora, vê a Selic subindo 0,75 ponto na reunião de junho, terminando em 13,5%, com a taxa em patamar alto por mais tempo:

"Como resultado, o crescimento menor deverá ser em 2023. Vemos uma desaceleração no segundo semestre e reduzimos as projeções de 1,5% para 0,5% para o PIB brasileiro do ano que vem", diz o economista-chefe do BV. 

Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, diz que um crescimento próximo de 4,5% para o PIB chinês em 2022 — como o que se espera agora, ante expectativas de até 6% — coloca a economia global em desaceleração:

"É um país onde não existe muita burocracia para pisar no acelerador em termos fiscais. Mas trata-se de um país que é a fábrica do mundo e que deverá custar a chegar a 4,5% de crescimento este ano. A política de tolerância zero contra a Covid-19 restringe a oferta de produtos. Isso se reflete em um mundo com menos dinheiro e um processo inflacionário que se pereniza."

Lívio Ribeiro, pesquisador associado do FGV/Ibre, também vislumbra um processo inflacionário global mais duradouro:

"A inflação fica mais elevada por muito mais tempo, e em tipos de produtos que são mais demandados pelas famílias de baixa renda, como combustíveis, botijão de gás, alimentação e, em algum nível, transporte público. Toda essa conjuntura faz com que os preços subam."

Ribeiro ressalta que essa inflação tira capacidade de consumo, empobrece os mais pobres e tende a deprimir o crescimento da economia. Sua perspectiva para o segundo semestre é de desaceleração mais pronunciada, tornando o debate para 2023 mais difícil.


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