A decisão do ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), de pedir destaque ao julgamento da revisão da vida toda no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e com isso fazer com que o resultado favorável aos aposentados e pensionistas, que teriam o direito de incluir no cálculo da aposentadoria as contribuições previdenciárias anteriores a 1994, voltasse à estaca zero, continua provocando reações de entidades previdenciárias e de defesa dos aposentados do INSS.
Nesta terça-feira o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), que atua como amicus curiae (amigo da corte, que fundamenta as decisões com pareceres técnicos), enviou uma petição ao Supremo se manifestando sobre a decisão e pede que "fundado no completo desconhecimento de impacto (financeiro nos cofres públicos), que não se consegue comprovar ou mensurar, bem como na evidenciação da Justiça estar em detrimento do engessamento por ameaças econômicas, a tese que restou vencedora no Plenário Virtual merece ser mantida", escreve o vice-presidente do instituto, Diego Cherulli.
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Em outro trecho do ofício, Cherulli pontua que "o IBDP não se manifestará nem opinará sobre as situações jurídicas que envolveram o pedido de destaque pelo ministro Nunes Marques, embora compreenda que tal situação mereça ser interpretada por Vossas Excelências, Ministros e Ministras do Supremo Tribunal Federal, a fim de solucionar a controvérsia atualmente objeto de discussão".
No texto, o IBDP pontua que "a doutrina conceitua a 'prova surpresa' ou 'guarda de trunfo' a prova existente e conhecida da parte, mas que deixa, ardilosa e maliciosamente, de juntá-la no processo, no momento que lhe cabia, objetivando com isso tumultuar e obter vantagem com essa omissão voluntária".
No ofício enviado ao Supremo, Cherulli continua: "Quando já iniciado o julgamento em plenário virtual e proferidos todos os votos, que militaram a favor do reconhecimento do direito por 6 X 5 votos, o recorrente (INSS) apresentou estudo acerca do possível impacto econômico do direito em discussão. A prova, que poderia ter sido apresentada a qualquer momento nas instâncias ordinárias, foi apresentada em evento surpresa nos autos, após proferidos todos os votos e formada maioria pela aprovação da tese em favor dos segurados, como se fosse um trunfo, um recurso de impacto".
Números diferentes dentro e fora do processo
Cabe destacar que, durante o curso do processo, o INSS apresentou uma nota técnica informando um valor suposto de impacto nos cofres públicos: R$ 46 bilhões em dez anos, o que chegou a ser questionado por outra entidade, o Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev). No entanto, após perder a ação, e fora dos autos do processo, o INSS divulgou um estudo de imapcrto de R$ 360 bilhões em 15 anos. O montante chegou a ser citado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) como uma tentativa de "quebrarem o INSS".
Segundo especialistas em Direito Previdenciário, o novo valor divulgado pela Advocacia-Geral da União (AGU) pode ter motivado o pedido de destaque do ministro Nunes Marques, que visa remeter o processo, ainda sem data definida, à análise de todos os ministros da Corte, que farão uma sessão presencial. Caberá ao ministro-presidente da Corte, Luiz Fux, acatar a solicitação.
Conforme Cherulli, "o impacto econômico do direito - atrelado aos princípios da reserva do possível e do equilíbrio financeiro atuarial - pode ser objeto de defesa do INSS em ações previdenciárias. Contudo, o fundamento não está acima das normas processuais, devendo atender às exigências do art. 396 do CPC. Dito de outra maneira, não basta apenas que a Autarquia alegue o impacto, esta alegação precisa ser devidamente comprovada e submetida ao rigoroso processo de contraditório".
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Cherulli pontua ainda que nem todos os benefícios seriam atingidos pela revisão da vida toda, caso o STF mantivesse a constitucionalidade da norma. O advogado pede ainda que, caso o julgamento recomece, que "seja facultado o exercício do contraditório sobre os dados surpresa apresentados, os quais não estão dotados de técnica capaz de formar convicção, inclusive convocando audiências públicas e exigindo informações para analisar tecnicamente o mérito e eventuais impactos positivos ou negativos, em ampla cognição".
Grupos distintos
Segundo especialistas em Direito Previdenciário, os segurados que podem se beneficiar da revisão estão distribuídos em três grupos: aqueles que realizaram poucos recolhimentos após 1994; quem recebia uma alta remuneração bem antes de 1994; e aqueles com baixos salários após 1994.
Aposentadorias concedidas com base nas novas regras estabelecidas pela reforma da Previdência não entram nessa revisão. Isso porque a Emenda Constitucional 103/2019 criou suas próprias regras de cálculo de aposentadoria.
Os aposentados que tiveram uma redução no valor de seus benefícios nos últimos tempos, devido ao sistema de transição, poderão pedir um novo cálculo mediante a inclusão de suas contribuições feitas, o que por sua vez, poderá aumentar o valor da aposentadoria.
Para fazer os cálculos, é preciso ter em mãos carteiras de trabalho, carnês de contribuição, processo administrativo de aposentadoria (requerido no site ou no aplicativo do INSS) e carta de concessão do benefício a ser revisado.
Julgamento
Votaram a favor dos aposentados o ex-ministro Marco Aurélio Mello e os ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski. Votaram contra os ministros Nunes Marques, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Gilmar Mendes.
Caso o presidente do STF aceite o pedido de destaque, o julgamento vai começar do zero, e o voto do relator do caso, o ex-ministro Marco Aurélio Mello, em favor dos aposentados, será descartado. Com isso, o ministro André Mendonça, ex-advogado-geral da União, que defendia o INSS nas ações judiciais, poderia votar a favor do governo.
No entanto, uma ala descontente com o pedido de Nunes Marques deve colocar em votação uma questão de ordem, encaminhada pelo Ieprev, para barrar a manobra e manter o voto de Marco Aurélio Mello em favor dos aposentados.