Com gasolina a R$ 11, taxistas param no Acre: "Combustível ou carne"
Postos nas cidades de Jordão e Marechal Thaumaturgo registraram uns dos maiores preços cobrados no país em razão de dificuldades logísticas e escassez
Em dias de bom movimento, o taxista Venâncio de Lima Silva, 56 anos, costumava realizar mais de 20 corridas no município acreano de Jordão. Com o reajuste no preço dos combustíveis
, impactado pela disparada do valor do petróleo no mercado internacional em meio à guerra na Ucrânia, ele transportou apenas dois passageiros nesta sexta-feira (11) e decidiu parar. O litro da gasolina é vendido a R$ 11,56 em um dos postos da cidade, um dos mais caros do país, e pesa no orçamento da população.
"Estou pensando em parar (de vez). Não tem condições. Se começar a passar para o consumidor, ele não tem como pagar", admite Silva.
Em ambas as corridas feitas nesta sexta-feira, quando o aumento no preço da gasolina e do diesel nas refinarias anunciado pela Petrobras entrou em vigor, Silva cobrou o valor praticado antes do reajuste. Segundo ele, passageiros preferem ir a pé a pagar mais caro. No município, os taxistas são independentes e não trabalham com taxímetro.
"Quando cobrei R$ 5 a mais, a pessoa desistiu. Se for mais caro, não pegam táxi", relata.
Isolado, o município de Jordão depende do transporte aéreo e fluvial para chegada da gasolina. O vice-prefeito Fernando Siã (PDT) explica que, pelo rio Tarauacá, pode demorar de oito a dez dias, o que reflete no preço observado em postos. A cidade também enfrenta escassez de combustível, e ainda não há previsão para que o cenário se normalize.
A cerca de 113 km de Jordão, em Marechal Thaumaturgo, na fronteira do Brasil com o Peru, o litro da gasolina é vendido a R$ 10,55 no único posto terrestre da cidade.
O mototaxista Humberto Furtado, de 46 anos, afirma que nunca viu valor tão alto desde que começou a exercer a profissão, em 2011. Seu faturamento chegou a cair pela metade nos últimos dias. De acordo com ele, há vezes em que tem de escolher entre abastecer ou comprar comida.
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"Num dia põe gasolina, no outro compra carne. Está difícil trabalhar. A gente tem pena do consumidor, que não tem como pagar as corridas. Vamos aguentando mesmo sem poder", disse Furtado, que é presidente do sindicato de mototaxistas de Marechal Thaumaturgo e também trabalha como vigia.
Há cerca de um ano, a cidade virou notícia nacional após uma série de reajustes consecutivos no preço dos combustíveis, que culminou no valor de R$ 8,20 do litro da gasolina no posto local. Na ocasião, Furtado cobrava R$ 5 em corridas no centro do município e R$ 10 para comunidades mais afastadas. Agora, custam, respectivamente, R$ 6 e R$ 15, conforme estabelecido pelo sindicato.
"É o preço mais alto que já aconteceu aqui até hoje. Até pouco tempo, com 20 reais dava para comprar cinco litros. Agora não dá para comprar nem dois", afirmou o mototaxista. "A gente é obrigado a tentar trabalhar, não tem muito outro meio. Os comerciantes também não têm muito o que fazer. Não culpo o comerciante, culpo o governo".
Para chegar até Marechal Thaumaturgo, o combustível sai de Cruzeiro do Sul (AC) em uma viagem pelo rio Juruá que dura entre três e quatro dias, impactando no valor repassado ao consumidor.
O valor do combustível é pouco acessível à maioria dos mais de 19 mil habitantes da cidade, cuja renda média era de 1,8 salário mínimo em 2019, conforme dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em nota publicada nesta sexta-feira, o Sindicato dos Postos de Combustíveis do Acre (Sindepac) disse que alguns estabelecimentos tentaram comprar estoques de distribuidoras até a véspera do reajuste, mas o preço foi faturado já com o aumento.
"Por tal razão, os preços nas bombas já sofreram o reajuste. O Sindepac, por meio da assessoria jurídica, vai acionar meio legais para reaver essa situação, bem como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)", diz o texto.
O Procon-AC iniciou nesta quinta-feira (10) uma operação para fiscalizar e notificar postos de combustíveis sobre o aumento. A autarquia já recebeu denúncias e atua junto ao Ministério Público do Estado para verificar possível cobrança de preços abusivos.
"Todas as revendedoras serão notificadas para apresentação de documentos, sendo concedido prazo para apresentação de defesa. Caso seja constatada alguma abusividade, sujeitará a imposição de sanções nos termos da legislação consumerista", disse a diretora-presidente Alana Albuquerque.
Segundo ela, o aumento do valor antes da compra dos novos combustíveis sob a vigência do reajuste configura violação do art.39, V, do Código de Direito do Consumidor, que dispõe sobre práticas abusivas.
O preço médio de venda praticado pela Petrobras para a venda de gasolina para as distribuidoras passou de R$ 3,25 para R$ 3,86 por litro, um aumento de 18,8%. Para o diesel, o preço médio saltou de R$ 3,61 para R$ 4,51 por litro, uma alta de 24,9%. A estatal comunicou a variação mesmo diante de pressão do governo para não elevar o preço frente à escalada da cotação do petróleo, cujo barril superou US$ 130.