Na Justiça, perícia médica do INSS já é paga, alerta IBDP
São milhares de processos que tratam de requerimentos de benefícios por incapacidade à espera de perícia para serem concedidos
As perícias médicas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) requisitadas pela Justiça estão paradas por falta de dinheiro. Isso porque, com o fim da vigência da Lei 13.876 de 2019, o pagamento das perícias judiciais de segurados que solicitam benefícios em casos de incapacidade ou deficiência passou a ser pago pelo Poder Executivo federal pelo prazo de dois anos. Este prazo expirou em 23 de setembro passado e não houve a aprovação do Projeto de Lei (PL) 3.914/2020, que regulamentava a questão, conforme o EXTRA noticiou em 23 de outubro passado.
São milhares de processos que tratam de requerimentos de benefícios por incapacidade à espera de perícia para serem concedidos. No meio desse jogo de empurra entre o governo, que é o dono do cofre, o Judiciário e o INSS, estão os beneficiários, que já estão sendo notificados pela Justiça para que paguem as perícias médicas, denuncia o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
— Quando as perícias médicas do INSS, responsáveis por mais de 50% da judicialização contra o órgão, são indeferidas na via administrativa, na maioria dos casos vão parar na esfera judicial para que possa ser reavaliada a existência ou não da incapacidade para o trabalho. Para isso, o juiz determina que nova perícia realizada por perito de confiança do juízo — explica Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
Segundo ela, a cobrança dos segurados vai limitar ainda mais o acesso à Justiça e ao reconhecimento do direito.
"Não pode ser imputado ao autor da ação o pagamento de perícia médica pela desídia (desleixo) do Poder Legislativo de não ter cumprido seu dever de resolver o PL 3.914/2020 dentro do prazo. Foram incluídos ao projeto inúmeros "jabutis" estranhos à questão em pauta e que estão travando a aprovação do texto original proposto", alerta Adriane.
O senador Paulo Paim (PT-RS) critica a proposta.
"O governo vem adotando todas as táticas para dificultar a vida do segurado da Previdência. Reforma da Previdência, pente-fino e agora quer cobrar dos trabalhadores as perícias médicas. O PL 3.914, de 2020, é um absurdo. O relator devolveu a relatoria porque não tem condições de aprovar o texto que veio da Câmara, e o governo não quer negociar."
O parlamentar lembra que, recentemente, o STF vetou a cobrança de honorários e custas processuais dos trabalhadores.
"O Supremo decidiu que é possível deferir o benefício por incapacidade temporária mediante apresentação de atestado médico e de documentos complementares que comprovem a doença como causa da incapacidade. A continuar esse quadro proposital de falta de peritos e de recursos para a realização das perícias, a decisão do Supremo deve ser estendida para todos os casos. O trabalhador não pode ser prejudicado e ficar sem o benefício", avalia o senador.
Recursos para perícias
De acordo com o Ministério do Trabalho e Previdência "a dotação atual na ação orçamentária de pagamento das perícias judiciais é de R$ 336,4 milhões, tendo sido destinados R$ 191,3 milhões para estes pagamentos e, efetivamente pagos, R$ 184,2 milhões".
Procurados, o INSS, os ministérios do Trabalho e Previdência e da Economia e o Conselho da Justiça Federal (CJF) não informaram quantos processos estão parados por conta desse imbróglio.
Limbo jurídico
Segundo o IBDP, entre as consequências da demora na realização das perícias estão os casos de limbo jurídico previdenciário/trabalhista, que é o período em que o segurado fica sem receber do INSS, pois entende que não há incapacidade para o trabalho; e do empregador, que, diante de um relatório médico que atesta pela continuidade da incapacidade, não permite que o empregado retorne ao trabalho, sob pena de responder judicialmente em caso de acidente ou danos ao trabalhador dentro da empresa.
A ação judicial, segundo o IBDP, tem como objetivo discutir se há ou não condições do retorno deste segurado ao trabalho. Quanto mais demorar a perícia, mas aflito fica o segurado, pois neste momento ele está sem qualquer renda ou benefício.
De acordo com dados do INSS, recebidos pelo IBDP, há 597 mil pessoas que aguardam perícia médica no Brasil. Desse total, boa parte ingressará com ações na Justiça, avalia a entidade.
Adriane comenta ainda que hoje as perícias médicas federais judiciais têm sido a única saída, quando os segurados não conseguem o atendimento ou o deferimento dos benefícios pela via administrativa.
"O ideal seria uma ação conjunta para que pudéssemos chegar a alguma solução que seja adequada e equilibrada nesse momento já tão fragilizado", explica.
O que prevê o PL 3.914/2020
O Projeto de Lei 3.914/2020, de autoria do deputado Hiran Gonçalves, que inicialmente apenas retirava o prazo de 2 anos da Lei 13.876/2019 como obrigação de o Poder Executivo arcar com a despesa de perícia médica judicial, já foi aprovado na Câmara.
O texto, porém, acabou recebendo uma emenda do deputado Darci de Matos, a pedido do Ministério da Economia, para que fosse imputado à parte autora do processo judicial o pagamento da perícia, nos casos em que a renda familiar estiver acima de três salários mínimos (R$ 3.300) ou a renda per capita (por pessoa) fosse de até meio piso nacional (R$ 550). Seria uma forma de reduzir a judicialização contra o INSS.
Essa mesma proposta foi apresentada pela Câmara no Projeto de Lei de Conversão da Medida Provisória 1.045/2021, rejeitada dia 1º de setembro do ano passado pelo Senado, na íntegra.
Naquela Casa, o relator da MP, senador Confúcio Moura, atendendo a vários requerimentos de senadores, já havia excluído a obrigação de a parte no processo judicial pagar as custas, mesmo quando protegida pela Justiça gratuita.
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Votação no Senado
O texto do PL 3.914/2020 está para ser votado no Senado, mas ainda sem data definida. O relator, senador Carlos Heinze, abriu mão da relatoria no dia 20. Enquanto isso, não há orçamento para o pagamento das perícias federais.
Em nota, o IBDP afirmou entender que "a judicialização deve ser reduzida com medidas inteligentes, justas e equilibradas, não por meio de medidas que evitem que o cidadão ingresse com uma ação judicial".
Segundo o instituto, uma melhor formação do processo administrativo e da via recursal de benefícios por incapacidade, aliado à proteção jurídica dos peritos médicos federais, são critérios que podem colaborar para a redução dos indeferimentos equivocados e, em especial, da judicialização desnecessária.
De acordo com Adriane, "para uma pessoa que não recebe nada mensalmente, e ainda considerando o cenário de grave crise econômica atual, com elevadas taxas de desemprego e crescente aumento do preço da cesta básica, esses valores praticamente impedirão a pessoa de ingressar com ação".
"Não é cobrando do autor a perícia que se reduzirá a judicialização, mas com políticas que valorizem a cidadania, a educação previdenciária, e, em especial, que garantam efetividade e segurança jurídica ao processo administrativo", finaliza Adriane.