BNDES quer pressa em privatização dos Correios e AGU estuda respaldo jurídico
Presidente do BNDES vê 'janela de oportunidade' de negócio, enquanto ministro da AGU avalia que projeto de concessão é correto, mas isso terá de ser confirmado em juízo
O presidente do BNDES, Gustavo Montezano, afirmou em debate virtual promovido pelo banco na manhã desta quarta-feira, que o país precisa aproveitar a ‘janela de oportunidade’ que existe para a privatização dos Correios. Ele diz não ser possível saber se o processo continuaria possível mais à frente, considerando o aumento da competitividade nesse mercado.
"Nossa responsabilidade é potencializar a empresa ao voo mais alto que ela pode dar, com a preparação necessária; arcabouço, societário, balanço, tudo o que for necessário para que ela possa desbravar mares turbulentos e desconhecidos num futuro de transformações constantes", frisou o executivo.
Ele ponderou, contudo, que é preciso agilidade para fazer a concessão dos Correios à iniciativa privada.
"Caso a gente perca essa janela, não sabemos o que será mais possível mais à frente. Nosso apelo a todos os envolvidos no projeto é que o Brasil aproveite sua chance. Tem de pegar os momentos em que as oportunidades aparecem".
"É um momento histórico para que a empresa seja turbinada, alçada a voar voos ainda maiores. Quem vai ganhar com isso são os seus clientes, os microempresários brasileiros, o estado brasileiros, os empregados dos Correios", completou Montezano.
Aprovado na Câmara, o projeto de privatização dos Correios está parado no Senado. O governo, porém, planeja vender a empresa no primeiro trimestre de 2022.
Montezano voltou a dizer que todas as cidades brasileiras seguirão sendo atendidas pelos Correios, frisando não haver qualquer risco de desassistência. Ao contrário, ele diz que preços e serviços serão mantidos, com a perspectiva de melhorarem.
O debate contou com a participação de autoridades e representantes de entidades de segmentos diretamente impactados pelos serviços dos Correios, como transporte e varejo.
Debate jurídico
Bruno Bianco, ministro da Advocacia Geral da União (AGU), afirmou que a desestatização dos Correios é um processo “pertinente, correto e necessário”, mas que isso terá de ser comprovado em juízo:
"Tenho convicção que esse processo de desestatização dos Correios está absolutamente maduro, é oportuno, pertinente, correto e necessário, bom para o país. Mas, obviamente, precisamos demonstrar isso em juízo", disse.
Há ações alegando inconstitucionalidade da concessão dos Correios à iniciativa privada no Supremo Tribunal Federal (STF). A principal delas seria a ADI 6635, sob relatoria da ministra Cármen Lúcia. O argumento é que o serviço postal e o correio aéreo competem à União e, por isso, a empresa teria de se manter como estatal.
Bianco não vê impeditivos à concessão, desde que mantidos os serviços como previstos legalmente. Ele destacou ainda que a desestatização só poderá ocorrer após a aprovação pelo Congresso Nacional do marco legal dos serviços postais. E que a modelagem atual está em harmonia com os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência.
"Estamos em meio a um processo legislativo de aprimoramento. Já temos uma aprovação na Câmara dos Deputados, segue para o Senado. É importante que tenhamos esse processo legislativo esgotado. E não vejo como oportuna a antecipação do debate jurídico", reconhecendo tratar-se de um processo complexo e que a AGU acompanha os debates junto ao BNDES, o PPI e o Ministério da Economia.
Entre os pontos sensíveis do debate está a capacidade de investimento dos Correios, que vêm perdendo espaço de mercado para empresas privadas e estrangeiras como DHL, Magalu e Mercado Livre, diante do impulso no segmento de entregas, impulsionado pela digitalização dos serviços e a expansão do comércio eletrônico.
Competitividade
O ministro da AGU apontou alguns temas centrais na discussão. O primeiro é que os Correios investiram R$ 300 milhões, em média, ao ano nos últimos cinco anos. Estimamos que, com a desestatização, seria possível elevar esse investimento a R$ 2 bilhões por ano, para tornar a empresa cada vez mais competitiva, como já é o mercado.
O mercado de correspondência entrou em declínio. Então, defende ele, é preciso fazer uma desestatização por completo, para que esse braço não perca valor e competitividade. Em paralelo, ao deixar de ser uma estatal, os Correios perderiam a imunidade tributária, sustenta o ministro, levantando recursos para que estados e municípios possam utilizar em outras áreas, como educação e saúde.
Entre 2016 e 2020, o equivalente a R$ 3 bilhões deixou de ser arrecadado diante da isenção de impostos da estatal, diz Bianco.
O presidente do Instituto de Desenvolvimento do Varejo (IDV), Marcelo Silva, frisou que investimento é fundamental para garantir a competitividade em um mercado em expansão:
"Logística passou a ser o investimento prioritário das grandes companhias. Enquanto as menores buscam as grandes plataformas. Há plataformas internacionais chegando, implantando centros de distribuição nas principais cidades para entregar na maior velocidade possível. Os Correios não têm como investir nesse momento".
Para ele, é preciso contar com uma parceria público-privada para garantir a evolução da logística no país, atualizando a capitalizando os Correios para atender milhões de negócios brasileiros.
Hoje, 2,5 milhões de micro, pequenas e médias empresas do país utilizam o e-commerce em seus negócios, contando com os Correios para sua logística, diz Fábio Abrahão, diretor de Concessões do BNDES, que conduziu o debate.
Ele salientou que o serviço tem impacto direto na saúde financeira desses negócios, permitindo que possam concorrer não apenas no país, mas internacionalmente.
Abrahão disse ainda que haverá manutenção de empregos e geração de novos, com a privatização dos Correios. A modelagem prevê estabilidade de um ano e meio aos empregados atuais e o anúncio de um plano de demissão voluntária.
Maximiliano Martinhão, secretário de Radiodifusão do Ministério das Comunicações, que participou do debate no lugar do ministro Fábio Faria, ressaltou que a participação de mercado dos Correios vem caindo desde 2015. E que outras empresas concorrentes investem três vezes mais que a estatal anualmente em seus serviços e operação.
E afirmou que o projeto de lei que trata dos serviços postais no país prevê a criação de uma tarifa social e garante a universalização e acesso aos serviços dos Correios. Assegura ainda que não haverá fechamento de agências essenciais à manutenção das atividades.