A possibilidade de um colapso da gigante imobiliária chinesa Evergrande derrubou as bolsas de valores em todo o mundo nesta segunda-feira. No Brasil, onde as commodities vinham sustentando a economia fragilizada pelas tensões políticas e fiscais, a expectativa é que a crise na China atinja não apenas a Bolsa, mas prejudique o próprio crescimento econômico brasileiro.
O Ibovespa, principal índice da Bolsa de São Paulo, encerrou o dia em queda de 2,33%, aos 108.843 pontos.
Esse foi o menor patamar diário atingido pelo índice neste ano, ficando abaixo dos 110.035 pontos registrados no dia 26 de fevereiro.
O dólar comercial, por sua vez, fechou em alta de 1,04%, cotado a R$ 5,3416.
"A crise na Evergrande pode ter um impacto maior principalmente nas empresas da Bolsa exportadoras de commodities, como Vale, siderúrgicas, frigoríficos, que são mais ou menos 30% do Ibovespa. Mas tem um impacto importante na economia também, porque a gente fica sem motor de crescimento", afirma Bruce Barbosa, sócio-fundador da Nord Research.
"Com Brasília em chamas, o presidente brigando com o STF, o STF brigando com o presidente, o Legislativo brigando entre si, e a gente sem conseguir passar as reformas tão importantes para um crescimento de longo prazo, nosso motor estava no superciclo de commodities, que pode dar uma parada agora", acrescenta.
Esta semana é decisiva para a Evergrande, pois ela tem várias dívidas a vencer até quinta-feira, e o temor é de calote. A companhia é a incorporadora mais endividada do mundo, com US$ 300 bilhões em débitos.
Em meio a um feriado em vários mercados asiáticos, as ações da Evergrande caíram10,24% em Hong Kong, derrubando a Bolsa local, que fechou em queda de 3,3%. O movimento negativo contaminou as bolsas europeias e americanas, que fecharam em queda.
A Bolsa de Londres cedeu 0,86% e a de Frankfurt, 2,31%. O índice CAC 40, da Bolsa de Paris, teve queda de 1,74%.
Em Wall Street, o índice Dow Jones cedeu 1,94% e o S&P, 2,21%. Em Nasdaq, a queda foi de 2,40%.
Risco de calote
Segunda maior incorporadora da China, com mais de 1.300 projetos em 280 cidades chinesas, a Evergrande precisa pagar US$ 83,5 milhões em juros de uma dívida até quinta-feira. Outro débito menor mas de valor não divulgado, vencia nesta segunda-feira, com carência até amanhã, e o temor é de um calote.
O temor dos analistas é de contágio para o setor financeiro chinês e também para outras incorporadoras do país. Há dúvidas se o governo chinês estaria disposto a fazer um resgate da empresa. A Evergrande é um conglomerado que inclui, além da incorporadora, negócios com carros elétricos, mídia e tecnologia e até um time de futebol. Seu principal acionista e presidente, Hui Ka Yan, é membro do Partido Comunista há 35 anos e seria próximo do núcleo do poder em Pequim.
Para o Head de Renda Variável da Valor Investimentos, Romero Oliveira, os investidores estão procurando ativos mais seguros para se proteger devido ao aumento da percepção de risco, o que ajuda a explicar as perdas dos mercados acionários.
Segundo Oliveira, o caso Evergrande gera uma preocupação não só sobre a possível contaminação de outros setores da economia chinesa, como também da situação econômica do país como um todo.
"Questionamentos sobre economia chinesa começam a ser levantados nesse momento. O mercado espera que, de alguma forma, o governo chinês auxilie a empresa para que nada mais sério ocorra. Mas só da situação já ter chegado nesse patamar já acendeu a luz amarela".
A tendência é que os mercados emergentes sofram mais com esse aumento de aversão ao risco. O especialista ressalta que o Brasil não deve se aproveitar tando de um possível fluxo de recursos entre mercados emergentes, justamente pelos seus problemas internos.
"Esperava-se que o Brasil fosse se beneficiar do movimento que ocorreu nos últimos meses de redução de exposição em China, mas isso não aconteceu. O emergente por si só já tem uma percepção de risco maior e no caso do Brasil, com o ambiente que a gente vive, a cautela é dobrada", afirma.
A economista chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack, ressalta que a aversão ao risco vista no exterior reflete a falta de previsibilidade sobre o futuro da empresa.
"O mercado está ponderando esse risco (de calote) e por isso estamos vendo esse movimento de depreciação dos mercados acionários desde a semana passada. Mas tem essa expectativa que o governo chinês terá alguma tratativa para que a situação não vá para o pior cenário possível", disse a economista, destacando que os nossos problemas internos potencializam o sentimento negativo visto no exterior.
E por que isso é um problema?
As dificuldades da Evergrande podem impor um freio ao setor de construção civil na China e, assim, reduzir a demanda por aço.
E isso influencia negativamente a cotação do minério de ferro, que vem em franca desvalorização nas últimas semanas. A Evergrande é uma das grandes consumidoras de produtos do setor siderúrgico.
O minério com teor de 62% de ferro, principal referência do mercado, fechou o dia em queda de 8,8% no porto chinês de Qingdao, cotado a US$ 92,98 por tonelada.
Os contratos futuros da commodity, negoaciados em Cingapura, despencaram 11,5% nesta segunda-feira. Os preços despencaram cerca de 60% desde um recorde em maio, e estão abaixo dos US$ 100 pela primeira vez em mais de um ano, à medida que a demanda chinesa diminui.
O minério em baixa afeta a Bolsa brasileira, pois prejudica as ações da Vale, que correspondem a quase 15% do Ibovespa, e de outras siderúrgicas importantes.
"Você tem uma correção de preço de commodities. Como a Bolsa brasileira tem uma parte relevante exposta à commodities, a gente sofre bastante", disse Oliveira, referindo-se aos papéis da Vale e da Petrobras.
"Impacta a demanda por commodities metálicas. Se eles encerram as operações lá, isso acaba impactando diretamente na demanda por commodities metálicas no Brasil".
Além do caso Evergrande, a desaceleração da economia chinesa e a preocupação do governo local em cumprir metas de redução das emissões de carbono também são fatores que levam à desvalorização dos preços.