A radicalização do discurso do presidente Jair Bolsonaro nos atos de 7 de setembro praticamente enterrou uma solução que vinha sendo costurada entre os Poderes para a dívida da União com precatórios, decisões judiciais sem possibilidade de recursos, que subirão 62% em 2022, atingindo R$ 89,1 bilhões. Segundo fontes a par das discussões, os ataques do presidente ao Judiciário minaram ainda mais a disposição dos membros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de aprovar uma alternativa para segurar a trajetória de alta desse tipo de despesa, ampliando o risco agora de um impasse fiscal para o próximo ano.
Com dificuldades de aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no Congresso para parcelar o pagamento de precatórios em até 10 anos, o governo contava com o apoio do Supremos Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) para equacionar as contas com uma simples resolução do CNJ, fixando um teto anual para esse tipo de despesa.
Essa seria a solução considerada de trâmite mais fácil para resolver o "meteoro", como Paulo Guedes, titular da Economia, chamou a alta dos precatórios, e abriria espaço para o governo ampliar o gasto social com o Auxílio Brasil, projeto de substituto para o Bolsa Família. Sem essa solução e com dificuldades com a PEC, há menos margem para o programa, considerado a vitrine eleitoral de Jair Bolsonaro para 2022.
A proposta negociada com a Justiça visava congelar a despesa com precatório a valor equivalente ao gasto de 2016, apenas corrigindo este limite pela inflação, quando foi instituído o teto do gasto público, que limita o crescimento da despesa à inflação. Dessa forma, o desembolso com decisões judiciais em 2022 seria limitado a R$ 39,9 bilhões. O restante seria empurrado para os anos seguintes, corrigidos pelo índice de preços.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux já tinha apresentado a ideia ao CNJ, há alguns dias, e a receptividade não foi boa, segundo relatos. Ministros que integram o colegiado avaliaram que a proposta poderia enfraquecer decisões judiciais, além do receio de que medida possa ser caracterizada como calote. A avaliação é que o clima ficou ainda mais desfavorável.
Diante da reação do CNJ, Fux alegou que primeiro, será preciso o Congresso aprovar a PEC para permitir que o CNJ arbitre algum tipo de escalonamento dos pagamentos. Contudo, o Executivo já foi avisado que o texto não passa conforme foi enviado. Por outro lado, integrantes da ala política defendem retirar esse tipo de gasto do teto do gasto público da União, o que o Ministério da Economia não concorda porque esse tipo de gasto é permanente.
O relator da PEC dos Precatórios na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, o deputado Darci de Matos (PSD-SC), afirma que o texto precisaria avançar no Congresso independentemente da solução a ser adotada pelo CNJ para esse impasse.
"Mesmo que o acordo prosperasse, é a PEC que dá a segurança jurídica para esse acordo e é a solução. Ela também promove o encontro de contas com os municípios e estados, a criação do fundo (de Liquidação de Passivos). A PEC andaria de qualquer forma", afirmou ao GLOBO.
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A avaliação de Matos é de que o acordo que vinha sendo costurado com o CNJ está abalado, mas o problema dos precatórios precisa ser resolvido e não há um plano B.
"Agora eu acho mais difícil o acordo com o CNJ, em vista das divergências da semana. A PEC é constitucional, o parcelamento já existe, só vai ampliar e nós temos de resolver isso, houve um problema, um aumento de quase R$ 40 bilhões de um ano para o outro. E com que dinheiro (vai pagar), qual é a outra solução? Qual é o plano B? Não tem plano B, então tem que resolver isso", disse o deputado, lembrando que a PEC é crucial para a reformulação do Bolsa Família.
Matos já apresentou seu parecer, favorável, à PEC na CCJ. Para a quinta-feira está prevista uma audiência pública, para promover ampla discussão acerca do tema. O deputado deve ler seu parecer na próxima semana. A expectativa é de que haja um pedido de vista coletivo, e o texto será votado na terceira semana de setembro no colegiado.
O líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR) disse que ainda não há solução para o problema. A despesa prevista para 2022 impede a ampliação de gastos com investimentos e o novo programa social do governo, o Auxílio Brasil.
"Não temos solução para a PEC dos Precatórios e eu não vou ficar especulando. O Congresso precisa encontrar uma saída na discussão do Orçamento", disse Barros ao GLOBO.
Sem a PEC e nem o acordo via CNJ, aumenta a chance de um impasse fiscal. Fontes do governo e do Congresso afirmam, em sigilo, que uma opção seria retirar os precatórios do teto dos gastos públicos, mecanismo que tenta conter o crescimento do gasto da União. A solução, entretanto, seria muito mal recebida pelo mercado financeiro, minando a confiança nas contas públicas e podendo levar a aumento de juros.