O empresariado já adota medidas para enfrentar a maior estiagem do país em 91 anos e teme o risco de racionamento de energia. As operadoras de saneamento, que têm na água o principal insumo, buscam opções, como produzir a própria energia, eólica ou solar, ou comprá-la no mercado livre. Além disso, procuram outras fontes de água, como fazendas com pequenos açudes.
"Se o rio secar, não temos plano B. Identificamos açudes de fazendeiros, e como fazer a captação dessa água. Mantemos contato com as prefeituras para fazer campanhas de comunicação para uso racional da água. Se a situação já está ruim agora, ela será crítica em 2022", prevê Péricles Weber, diretor de Operações da Iguá Saneamento.
A empresa investe na autoprodução de energia, de fontes renováveis, o que ajuda a mitigar o risco de elevar a tarifa. A meta é ter 100% de energia renovável até 2030, mas avalia que o objetivo será alcançado antes do prazo. A Iguá também trabalha com geradores.
Na GS Inima Brasil, as empresas do grupo investem em energia limpa. A concessionária responsável pelo esgotamento sanitário de Mogi Mirim, em São Paulo, produz energia solar para complementar o consumo da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). Em Ribeirão Preto, a GS Inima Ambient usa o lodo gerado no tratamento do esgoto para gerar biogás, que supre 60% da energia usada na operação da ETE Ribeirão Preto, desde 2011. A falta d’água é administrada com eventuais racionamentos e campanhas de conscientização, que pedem a economia de água e o combate ao desperdício.
Mobilização da sociedade
Claudio Monken, diretor de Engenharia da BRK Ambiental, explica que a empresa chegará ao fim do ano com 50% de geração de energia renovável em suas operações. Já foi instalada uma planta solar no Maranhão e outras três estão em instalação, em Tocantins, Pernambuco e Goiás. O desperdício de água é combatido por meio da busca de vazamentos nas redes subterrâneas. Com isso, já foi possível preservar 9,5 bilhões de litros de água, nos últimos anos, o equivalente ao abastecimento de uma cidade de 200 mil habitantes por um ano.
"A mobilização da sociedade é fundamental. No interior de São Paulo, temos uma campanha, com site próprio, informando a população sobre as condições dos mananciais de abastecimento, das chuvas", diz Monken.
A consultoria ambiental Ramboll Brasil defende o conceito de Smart Water, especialmente em momentos de crise hídrica. Ele leva em conta o uso eficiente da água, incentivando a prática do reúso, gestão integrada de dados e adoção de processos sustentáveis. Essas ações podem gerar economia de até 70% no consumo para as empresas, observa a consultoria.
"A economia vem junto com o uso racional e sustentável. A tecnologia torna-se aliada", diz Paula Vilela, líder do setor de Água e Saneamento da Ramboll Brasil.
A Aegea Saneamento afirma que vem praticando ações de contingência, como a criação de reservatórios adicionais até a identificação de novos mananciais. Vale até a “importação” de água de cidades onde há mais oferta, como Manaus, levando o insumo a municípios com problemas, com navios-tanque. Segundo o presidente da Aegea, Radamés Andrade Casseb, a empresa estuda a dessalinização da água como opção, embora o custo seja alto. Na questão da energia, a Aegea tem contratos no mercado livre.
"Temos 80% da energia contratada no mercado livre e geramos 20% de energia distribuída de fontes solar e eólica. Na prática, temos um hedge (proteção) do preço de energia, que está sendo impactado pela bandeira vermelha", diz.
Na Águas do Brasil, há geradores a diesel nas grandes unidades, capazes de suportar interrupções do fornecimento. Mas a empresa já tem parte da energia consumida produzida em unidades geradoras próprias, como o biogás de aterro sanitário, além de energia solar e hidrelétrica.
No caso da água, com a estiagem no interior de São Paulo, especialmente em Araçoiaba da Serra, a companhia constrói nova estação de tratamento de água, adutora e estações de bombeamento em um segundo manancial. O objetivo é reforçar a capacidade de produção. Em Minas Gerais, em Pará de Minas, foi iniciada a operação de uma adutora de 45 quilômetros, que capta água do Rio Pará e garante o abastecimento no caso de redução dos mananciais urbanos.
Prefeituras adotam iniciativas para poupar água
Diante da maior seca no país nos últimos 91 anos, ao menos 40 cidades em seis estados já adotaram racionamento de água. Para estimular o consumidor a economizar, a Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado aprovou, em agosto, projeto que prevê desconto nas contas para incentivar o consumo racional de água.
A Lei 11.445, de 2007, que determina diretrizes para o saneamento básico, já traz a possibilidade de reajustar a tarifa para cobrir custos adicionais decorrentes de racionamento. Segundo o relator do projeto, o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), um dispositivo que torne obrigatório o desconto para quem economiza água pode ser mais efetivo. O texto foi encaminhado à Comissão de Infraestrutura.
Durante a crise hídrica de 2014, o estado de São Paulo ofereceu abatimento de 10% a 30% na conta de clientes que reduziram o consumo. Para quem aumentou os gastos, houve sobretarifa de 40% a 100%. O Distrito Federal tem política tarifária permanente de incentivo ao uso racional, com a concessão de bônus de 20% sobre o volume economizado.
Já há algum racionamento em municípios de São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Em São Paulo, sete cidades aderiram. Em Itu, moradores de diversos bairros já recebem água em dias alternados. Neste mês, a Companhia Ituana de Saneamento ampliou o rodízio por causa de um aumento de 50% no consumo. Na região central, os imóveis passaram a ser abastecidos dia sim e dois dias não.
A capital do Paraná, Curitiba, e a região metropolitana já vivem corte no fornecimento de água de 36 horas a cada 60 horas de abastecimento. Ao menos 3,6 milhões de moradores estão sendo afetados. Em Bagé, no Rio Grande do Sul, a população tem fornecimento interrompido de 23h às 5h.