Visto como um dos principais grupos da base de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, o agronegócio deu provas na segunda-feira de que contém crescentes divisões internas quando se trata do governo dele.
O tom incisivo do manifesto assinado por sete entidades da agroindústria em defesa da democracia e do respeito às instituições foi bem mais duro que o de outras entidades empresariais, num sinal de descontentamento de ao menos uma parte do setor econômico que mais cresce e exporta atualmente.
O texto chega a cobrar que lideranças estejam “à altura do Brasil”, em uma mensagem entendida por muitos como direcionada ao presidente, mesmo sem mencionar seu nome.
O manifesto defende as instituições democráticas como essenciais ao desenvolvimento de negócios, evidenciando a contradição entre ameças à democracia e liberalismo econômico.
“É o Estado Democrático de Direito que nos assegura essa liberdade empreendedora essencial numa economia capitalista, o que é o inverso de aventuras radicais, greves e paralisações ilegais, de qualquer politização ou partidarização nociva que, longe de resolver nossos problemas, certamente os agravará”, diz o manifesto, que ressalta o papel do setor na criação de “milhares de empregos e a forte participação na economia”.
O texto ainda foi na direção oposta das suspeitas levantadas pelo presidente sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas ao registrar que o país vive há três décadas a “a alternância de poder em eleições legítimas e frequentes”.
Assinaturas evidenciam divisão
A lista de entidades que assinam o manifesto já evidencia uma divisão no chamado agronegócio.
As signatárias são Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Associação Brasileira dos Produtores de Óleo de Palma (Abrapalma), Associação Brasileira dos Industriais de Óleos Vegetais (Abiove), Associação Brasileira das Indústrias de Tecnologia em Nutrição Vegetal (Abisolo), CropLife Brasil, Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), Sindicato Nacional da Indústria de Produtos apra a Defesa Vegetal (Sindiveg).
Essas entidades têm em comum o fato de congregarem principalmente empresas da agroindústria, que produzem itens de maior valor agregado a partir de matéria-prima animal ou vegetal, com grande impacto exportador.
Este tipo de empresa tende a sofrer mais com danos à imagem do país provocados pelo governo Bolsonaro em comparação com o grupo dos produtores rurais, que atuam mais diretamente no campo e são mais próximos dos grupos chamados de “ruralistas”. Atuam no mercado interno ou vendem sua produção para a agroindústria.
Contraponto à escolta de tratores
A manifestação conjunta das entidades de agroindustriais ocorre uma semana depois de o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Antônio Galvan, ir depor na Polícia Federal no inquérito que investiga atos contra a democracia, determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), escoltado por uma comitiva de tratores que ocuparam toda a rua diante do local do depoimento.
Parte do último agravamento da crise institucional ocorreu também na semana passada quando o cantor Sérgio Reis, em áudio revelado, conclama produtores rurais a “fecharem Brasília” com tratores e caminhões.
De forma simplificada, produtores, agroindustriais, associações e políticos de regiões onde o agronegócio é forte ouvidos pelo GLOBO dividem assim o que pensam os diferentes grupos no mundo do campo:
“Da porteira para dentro”, fazendeiros e grandes produtores rurais mantém apoio quase irrestrito ao presidente. Mas, “da porteira para a fora”, ou seja, nas atividades de maior valor agregado do agronegócio, há um crescente descontentamento com a radicalização de Bolsonaro. Não há rupturas ou distinções gritantes, mas nuances importantes.
Expostos à repercussão internacional
Este tipo de divisão não é nova no setor. Há cerca de um ano a Aprosoja rompeu publicamente com a Abag devido a divergências em relação às questões ambientais.
Mais recentemente, Blairo Maggi, ex-governador, ex-ministro da Agricultura e um dos maiores exportadores de grãos do mundo, criticou publicamente a Aprosoja pelo suposto apoio às manifestações radicais de Bolsonaro.
Para os exportadores do agro, o radicalismo do presidente está gerando prejuízo para os negócios e levando o país a riscos institucionais, que além de tudo se refletem na imagem do país no exterior.
Em relação a 2022, o grupo mais descontente do agronegócio sonha majoritariamente com uma terceira via competitiva, embora integrantes desse grupo afirmem que, se a polarização ficar entre Bolsonaro e Lula, “serão obrigados” a tapar o nariz e votar pela reeleição do presidente.
No outro lado, os produtores se mostram, além de conservadores em termos sociais, seguidores fiéis de Bolsonaro, cuja política ambiental lhes agrada. E não só na questão do desmatamento e legalização de terras.
O governo atrai também por ser mais flexível na liberação do uso mais intenso de defensivos agrícolas, que amplia acesso a armas e reduz a máquina de fiscalização no campo.
Descontentamento na base
Entretanto, a equação do apoio ao governo no campo não é simples. Políticos de regiões produtoras sentem um descontentamento crescente entre os trabalhadores destas fazendas, que têm sofrido com a alta da inflação e a piora da economia sem aumento da renda.
“Antes falar mal de Bolsonaro era um risco em certas regiões. Hoje, falar bem pode ser complicado entre os peões. A situação está ficando mais complexa”, disse um experimentado político, que pede para não se identificar.
Pessoas que acompanham a movimentação do campo lembram que divisões sempre foram comuns no setor, mas eram mais econômicas que políticas. No entanto, o governo Bolsonaro, a degradação ambiental e o acirramento da polarização política a ponto de surgirem ameaças à estabilidade institucional — que na prática envolve segurança jurídica aos negócios — fizeram com que, aos poucos, “quem suja as botas” fique cada vez mais distante do “agro moderno”.