Falta de chuvas encarece alimentação básica, que já subiu 15% em 12 meses
Representantes do agronegócio no Sul do Brasil também estimam perdas de até 50% na produção da dupla mais famosa do prato do brasileiro: o arroz e o feijão
Ao mesmo tempo em que o país se vê sob ameaça de novo racionamento de energia com a crise hídrica, o agronegócio começa a sentir os efeitos da falta de chuvas no país. No setor que mais cresce no país, a agricultura irrigada, aquela em que é aplicada água diretamente na raiz das plantas e mais presente na produção de alimentos para o mercado interno, já convive com aumento de custos e quebra de safra.
A falta de chuvas pode frear novos negócios e é mais uma pressão sobre os preços dos alimentos que acumulavam alta de 15,27% nos últimos 12 meses até julho.
De acordo com a Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), já foram observadas altas em torno de 30% no custo da irrigação em vários estados. Representantes do agronegócio no Sul do Brasil também estimam perdas de até 50% na produção da dupla mais famosa do prato do brasileiro: o arroz e o feijão.
A falta de chuvas e os baixos níveis dos reservatórios começam a afetar a produção de produtos cultivados tanto na chamada agricultura de sequeiro (na qual a irrigação pode ocorrer somente nos períodos secos) como na agricultura irrigada, onde o uso do direcionamento da água para as plantas é constante.
No Paraná, o maior estado produtor, houve queda de 20% em relação ao que foi projetado para a segunda safra de feijão, informou o Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe). Ao sul do Rio Grande do Sul, as perspectivas para o início do plantio de arroz irrigado são preocupantes.
Desde 2018, chove menos do que deveria na região, e a principal fonte, a barragem do Arroio Duro, que acumula água no inverno e na primavera para irrigar no verão, está bem aquém da capacidade, com 38%, quando deveria ficar, nesta época, estar em 70%.
Everton Fonseca, engenheiro agrônomo e gerente de operação e manutenção da Associação dos Usuários do Arroio Duro, relata que o volume de chuvas está 30% do normal para esta época do ano. Ele é um dos responsáveis pela distribuição de água para três municípios com capacidade para irrigar 20 mil hectares.
No ano passado, a área irrigada diminuiu 26% e, este ano, a redução chegaria a 30%, em uma projeção conservadora.
"Se as previsões se confirmarem, a queda pode chegar a 50%", prevê Fonseca.
Segundo ele, a população de Camaquã, Arambaré e Cristal está se abastecendo com caminhões pipas. Grande parte dos moradores que está no campo usa poços artesianos, ou cacimbas superficiais.
Impacto no IDH
De acordo com o último censo agropecuário do IBGE, a área plantada da agricultura familiar no Brasil é de 81 milhões de hectares. Segundo o Atlas Irrigação da Agência Nacional de Águas (ANA), 8,2 milhões de hectares são irrigados:
"Os números são expressivos, dependendo do tipo de cultura", ressalta Jordana Girardello, assessora técnica da Comissão Nacional de Irrigação da CNA.
Segundo ela, 90% do arroz produzido no Brasil são irrigados, e o café cultivado por esse sistema corresponde a 30%, ou um terço do que é colhido no país. Atualmente, há três safras por ano de feijão. A terceira safra se dá 100% por irrigação e equivale a 20% do total colhido no país.
O tomate industrial, cultivado por gotejamento e usado na fabricação de polpa, molho e ketchup, é outro forte exemplo de produto a ser seriamente afetado, assim como as hortaliças em geral.
Professor de Finanças do Ibmec, Haroldo Monteiro diz que a falta de chuvas influencia principalmente o preço de alimentos como frutas, verduras e legumes:
"O consumidor vai sentir os efeitos na feira."
Segundo o economista-chefe da Órama, Alexandre Espírito Santo, uma redução na produção dos alimentos em razão da seca pode contribuir para elevar ainda mais a inflação dos próximos meses.
"Os grupos Alimentação e Bebidas e Transportes são os que mais pesam no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), acima de 20% cada."
Sob o ponto de vista ambiental, destaca Girardello, a irrigação exerce um importante papel, pois é a única forma de aumentar a produção sem expandir o plantio em novas áreas. E tem atuação direta na melhora do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) nas populações de regiões mais carentes.
Um exemplo é o que acontece no Vale do São Francisco. Os municípios limítrofes de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE) aumentaram em 70% o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em uma década, graças à agricultura irrigada.
"As chuvas são sempre incertas e não há um planejamento adequado, para evitar problemas no uso da água. Você pode até ficar sem energia, mas sem alimentos e água não dá", afirma Lineu Neiva Rodrigues, chefe-adjunto de pesquisas da Embrapa.
Rodrigues lembra que o país ainda é muito dependente de hidrelétricas e precisa investir mais em outras fontes de energia, como a eólica e a solar, principalmente no eixo mais urbanizado do Brasil, que é o grande afetado pelo problema.
Ele explica que a falta de chuvas e a queda dos reservatórios atingem, principalmente, a Bacia do Paraná, que abastece a região Centro-Sul do país:
"A agricultura já começa a ser atingida, e hidrovias importantes para o escoamento da safra podem ser seriamente prejudicadas."
Miguel Oliveira, diretor do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), diz que ainda há um período longo de seca para enfrentar.
"Não dá para saber agora como ficará a agricultura irrigada, mas a produção agrícola pode ser afetada. Nosso problema é saber quando começará a chover e qual a quantidade de chuva."
Melhoria de barragens
Produtora rural de soja, milho, sorgo, feijão irrigado e gado para corte em Paracatu (MG), Rowena Petroll aprendeu com a crise de 2017. A falta de água impediu o plantio de culturas de inverno e seu faturamento caiu a um quarto do que recebia.
"De lá para cá, melhoramos a estrutura para a reserva de água disponível e fizemos melhorias na estrutura de barragens, mas muitos produtores estão preocupados, pois não fizeram esse investimento."