Ideia de Bolsonaro para regime de previdência é "retrocesso", diz realtor da PEC

Relator da reforma administrativa, criticou a proposta do Poder Executivo que pode limitar os regimes próprios de previdência

Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados - 7.2.18
Deputado Arthur Maia (PPS-BA), relator da proposta de reforma administrativa

Em audiência pública da comissão especial da reforma administrativa (PEC 32/20), debatedores avaliaram que a proposta do Poder Executivo pode limitar os regimes próprios de previdência ao criar novos vínculos no serviço público. Em particular, o cargo com vínculo por prazo indeterminado poderia ser vinculado ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) por lei complementar após dois anos da promulgação da emenda constitucional. Representantes de servidores pediram que este dispositivo fosse excluído da reforma administrativa.

O relator, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), considera a mudança um retrocesso. "Na última reforma da previdência, o regime próprio passa a ser uma previdência complementar. Precisamos de fato preservar esta conquista. Seria inapropriado termos novos vínculos no âmbito do direito previdenciário, o que sem dúvida seria um retrocesso em relação à última reforma da previdência", analisou.

Arthur Oliveira Maia também considera necessário corrigir o vínculo de experiência, que segundo ele foi mal recebido por deputados e servidores. "A questão do vínculo de experiência se confunde com o estágio probatório. É mais razoável avançarmos com o estágio probatório do que criarmos mais um vínculo temporário", defendeu.

O relator também disse estar preocupado com as contratações temporárias, que segundo ele deveriam ser limitadas para que não substituam servidores concursados. Arthur Oliveira Maia também anunciou que seu relatório deve propor uma definição das carreiras típicas de Estado, que manteriam a estabilidade e outras funções exclusivas em comparação com outras carreiras. "Falta coragem para colocar o dedo na ferida, mas é preciso que a gente saia deste dilema", ressaltou.

Financiamento

O deputado Alencar Santana Braga (PT-SP) afirmou que a reforma administrativa vai afetar a previdência pública. "Não levar os novos servidores para o regime único vai gerar problema seríssimo de financiamento. Quem vai pagar lá na frente não será a iniciativa privada, nem os donos do mercado. Quem vai pagar é o Estado, que lá na frente vai ter que custear isso, ou exigir dos servidores que arquem com esses problemas", alertou.

O deputado Tiago Mitraud (Novo-MG) ponderou que a conta da previdência dos servidores não fecha há bastante tempo. "Seria ótimo se esta PEC da reforma administrativa, ao propor uma nova solução de vínculos entre administração pública e servidores, ajudasse o País a resolver a questão previdenciária. A gente ainda precisa de uma nova reforma da previdência, porque as anteriores não foram suficientes."

Unificação

Vários debatedores da audiência pública pediram a manutenção dos direitos adquiridos dos atuais servidores e regras de transição que garantam o custeio para as despesas. O advogado e coordenador da Pós-Graduação em Direito Previdenciário da Escola Brasileira de Direito, Theodoro Vicente Agostinho, afirmou que os regimes de previdência caminham para a unificação. "As regras deveriam ser similares para todos os trabalhadores, mas o sistema previdenciário tem de trazer fonte de custeio e segurança", disse.

O presidente da Associação da Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Decio Bruno Lopes, também teme o enfraquecimento e esvaziamento dos regimes próprios de previdência. "Isso poderá gerar déficits e justificar o aumento da contribuição normal e a instituição de contribuições extraordinárias", teme.

Estados e municípios

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), Daniel Duque observou que estados e municípios têm dificuldade de equilibrar as contas dos regimes próprios de previdência. Por isso, estariam contratando professores pela CLT. "A expansão dos servidores gera contribuição maior, mas também aumento de benefícios que serão pagos no futuro", alertou. "A PEC vai no sentido de buscar a unificação, de modo que torne regimes atuarialmente equilibrados."

Já o advogado da Federação Nacional dos Auditores e Fiscais de Tributos Municipais (Fenafim), Marcelo Barroso, afirmou que a unificação de regimes fere o pacto federativo e fragiliza a autonomia de estados e municípios. "Preocupa a centralização e concentração do poder no Executivo Federal, em detrimento a estados e municípios", comentou.

Impacto

Professor em Direito Previdenciário e Direito do Trabalho na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Marco Aurélio Serau Junior considera necessário manter regimes de previdência diferenciados para servidores, já que a carreira pública tem aspectos diferentes da iniciativa privada, como a ausência de FGTS.

O diretor administrativo da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), Celso Malhani, alertou que a PEC 32/20 vai exterminar os regimes próprios, já que a vinculação de servidores ao RGPS se tornará obrigatória em um quadro de finanças públicas fragilizadas após a pandemia de coronavírus. Celso Malhani ainda cobrou dados sobre o impacto da mudança. "A PEC não explica quanto vai custar o financiamento do período de transição."

Atualmente o Brasil possui 2.160 regimes próprios de previdência social, com 9,2 milhões de participantes, entre segurados, pensionistas, aposentados e trabalhadores que estão na fase de contribuição.