Ministros de finanças e dirigentes de bancos centrais do G-20 , reunidos na cidade italiana, caminhavam, neste sábado, para a aprovação política do acordo " revolucionário " sobre a tributação das multinacionais , já aprovado por 131 países, que promete mudar definitivamente a tributação internacional.
Introduzir um imposto corporativo global de " pelo menos 15% " para acabar com os paraísos fiscais e taxar as empresas onde elas geram suas receitas: este big bang fiscal, cujas regras devem ser ajustadas até outubro, pode ser implementado a partir de 2023. A taxa mínima de 15% já havia sido aprovada pelo G-7, em junho, e pretendiam buscar um acordo final agora em Veneza.
"Se houver um acordo hoje, não há como voltar atrás. É uma espécie de revolução tributária", comentou neste sábado à imprensa o ministro da Economia da França, Bruno Le Maire.
No dia anterior, o ministro francês havia dito que esta tributação mínima sobre as sociedades ''deve ser ambiciosa , deve pôr fim à corrida pelo imposto mais baixo, que é um impasse há anos.
Vários membros do G-20, incluindo França, Estados Unidos e Alemanha, fazem campanha por uma taxa acima de 15%, mas ela não deve mudar até a próxima reunião dos 19 países mais ricos do mundo e da União Europeia, marcada para outubro, em Roma. O objetivo é que os líderes nacionais dêem a aprovação final neste encontro da capital italiana.
Mas vários membros do grupo de trabalho da Organização para o Desenvolvimento e Cooperação Econômica (OCDE) que chegaram a um acordo de princípio em 1º de julho ainda não se posicionaram, como Irlanda e Hungria.
A Irlanda pratica desde 2003 um imposto de 12,5%, que é muito baixo em comparação com outros países europeus, o que lhe permitiu hospedar a sede europeia de várias gigantes da tecnologia, como Apple e Google.
O ministro das Finanças alemão, Olaf Scholz, confirmou a repórteres que todas as economias do G-20 aprovaram o pacto, enquanto a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, disse que um grupo de países menores ainda se opõe a ele, como a Irlanda e a Hungria, mas, com impostos reduzidos, seriam encorajados a assinar em outubro.
"Vamos tentar fazer isso, mas devo enfatizar que não é essencial que todos os países estejam a bordo", disse ela. "Este acordo contém uma espécie de mecanismo de aplicação que pode ser usado para garantir que os países que são resistentes não sejam capazes de miná-lo, de usar paraísos fiscais que prejudiquem a operação deste acordo global."
Os pilares da reforma tributária
Negociada há anos, a reforma tributária se concentra em dois pilares: fixar uma alíquota mínima global e criar um sistema orientado para distribuir os impostos das grandes corporações de maneira mais justa, de acordo com os lucros obtidos em cada país, independentemente de sua sede.
Também mudaria a forma como multinacionais altamente lucrativas, como Amazon e Google, são tributadas, tendo como base os locais onde vendem produtos e serviços, e não a localização de suas sedes.
Na mira estão as "100 empresas mais lucrativas do mundo, que sozinhas geram metade do lucro mundial", entre elas a Gafa: Google, Amazon, Facebook e Apple, explicou Pascal Saint-Amans, diretor do centro de política e administração fiscal da OCDE.
O imposto mínimo global afetaria cerca de 10 mil grandes empresas, cujo volume de negócios anual ultrapassa os € 750 milhões. Uma taxa mínima efetiva de 15% geraria uma receita adicional de US$ 150 bilhões por ano, segundo a OCDE.
Além dos redutos da União Europeia Irlanda, Estônia e Hungria, outros países que não assinaram incluem Quênia, Nigéria, Sri Lanka, Barbados e São Vicente e Granadinas.
Entre outros pontos impeditivos, uma briga no Congresso dos EUA sobre os aumentos de impostos defendido pelo presidente Joe Biden sobre corporações e grandes fortunas pode causar problemas, assim como um plano separado da UE para um imposto digital sobre empresas de tecnologia.
Funcionários do Tesouro dos EUA dizem que o plano da UE não é consistente com o acordo global mais amplo, mesmo que o imposto seja voltado principalmente para empresas europeias.
"Há mais trabalho a ser feito, mas estou realmente esperançosa de que, com o crescente consenso, estejamos no caminho para um regime tributário que será justo para todos os nossos cidadãos", disse a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen.
Yellen estava particularmente confiante de que o Congresso americano aprovaria a legislação necessária para implementar pelo menos parte do acordo proposto.
"Estou muito otimista de que a legislação incluirá o que precisamos para os EUA entrarem em conformidade com o pilar 2", disse a secretaria americana, referindo-se à parte da taxa mínima de imposto do plano.
Yelen disse ainda que está "esperançosa" de que o pacto global "nos permitirá nos livrar das taxas digitais existentes que os Estados Unidos consideram discriminatórias contra as empresas americanas."
Falando ao lado de Yellen, o ministro das Finanças alemão, Olaf Scholz, disse acreditar que os resistentes europeus Irlanda, Hungria e Estônia serão ''trazidos a bordo''.
Em reunião separada com a mídia, o ministro das Finanças da França, Bruno Le Maire, disse que “não há como voltar atrás” se, como esperado, as autoridades do G-20 derem seu selo de aprovação ao acordo ainda no sábado:
"Ele será implementado e teremos construído esse sistema tributário internacional para o século 21."
Ajuda aos mais vulneráveis
O G20 quer ainda apoiar a iniciativa do Fundo Monetário Internacional (FMI) de aumentar a ajuda aos países mais vulneráveis, com uma nova emissão dos Direitos Especiais de Saque (DES), no valor de US$ 650 bilhões.
Em abril de 2020, o G20 decidiu conceder uma moratória do pagamento de juros da dívida dos países mais pobres. Na última reunião, em abril de 2021, a medida foi prorrogada até o final do ano.
O primeiro vice-diretor-gerente do FMI, Geoffrey Okamoto, disse à Reuters que seu objetivo é apresentar uma opção viável para canalizar Direitos Especiais de Saque recém-emitidos para países necessitados quando uma nova alocação de US $ 650 bilhões for concluída no final de agosto.
Sob a presidência italiana, os ministros dos 19 países mais ricos do mundo e da União Europeia se reuniram pela primeira vez desde a propagação da pandemia do coronavírus. A última vez foi em fevereiro de 2020, em Riad, na Arábia Saudita, poucos dias antes da detecção dos primeiros focos na Europa.
Além de Yellen, o encontro conta com a participação presencial da presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, e da diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Kristalina Georgieva. China e Índia optaram pela participação virtual.
Os membros do G20 respondem por mais de 80% do Produto Iinterno Bruto (PIB) mundial, 75% do comércio global e 60% da população do planeta, incluindo Estados Unidos, Japão, Grã-Bretanha, França, Alemanha e Índia.
Preocupação com variantes do coronavírus
Além do acordo tributário, o G-20 tratará das preocupações de que o aumento da variante do coronavírus Delta, de rápida disseminação, combinado com o acesso desigual às vacinas, representa riscos para a recuperação econômica global. Citando melhorias na perspectiva global até agora, o rascunho acrescenta:
"No entanto, a recuperação é caracterizada por grandes divergências entre e dentro dos países e permanece exposta a riscos negativos, em particular a propagação de novas variantes do vírus COVID-19 e ritmos diferentes de vacinação."
"Todos nós temos que melhorar nosso desempenho de vacinação em todo o mundo", disse Bruno Le Marie.
O ministro francês acrescentou:
"Temos previsões econômicas muito boas para as economias do G-20 e o único obstáculo no caminho para uma recuperação econômica rápida e sólida é o risco de uma nova onda."
A diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, disse que o mundo está enfrentando "uma piora na recuperação de duas vias", em parte devido às diferenças na disponibilidade da vacina.
"É um momento crítico que exige uma ação urgente do G-20 e dos formuladores de políticas em todo o mundo", disse ela em um apelo feito antes da reunião.
O comunicado, embora enfatize o apoio à "partilha global equitativa" de vacinas, não propôs novas medidas concretas, apenas reconhecendo uma recomendação de US$ 50 bilhões em financiamento de novas vacinas pelo FMI, Banco Mundial, Organização Mundial da Saúde e Organização Mundial do Comércio.