Banco Central
Fernanda Capelli
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Depois de dois adiamentos, entra em vigor nesta segunda-feira a medida do Banco Central (BC) que, segundo especialistas, deverá aumentar a oferta de crédito , com juros mais baixos , para pequenas empresas e micro empreendedores individuas (os MEIs).

Esses segmentos foram bastante afetados com a queda de receita decorrente das medidas de isolamento adotadas durante a pandemia e têm dificuldades para tomar empréstimos.

A medida permitirá que um pequeno empreendedor registre, em empresas credenciadas pelo BC, os recursos que tem a receber com as vendas realizadas com cartão de crédito (os chamados recebíveis) e ofereça esses valores aos bancos como garantia de empréstimos.

"O volume de crédito ofertado com os recebíveis como garantia chega a R$ 1 trilhão por ano. Com essa mudança, em que vários bancos poderão ter acesso ao volume de recursos que cada comerciante tem a receber, a oferta de empréstimos pode dobrar e chegar a R$ 2 trilhões", estima Hugo Garbe, professor de economia da Universidade Mackenzie e sócio da consultora G11 Finance.

Compras com cartões: R$ 2 trilhões

Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartões (Abecs), as compras com cartões somaram R$ 2 trilhões em 2020. O cartão de crédito ainda é responsável pela maior parte desse volume, respondendo por R$ 1,18 trilhão em movimentações. Mas o professor Hugo Garbe lembra que nem todas as empresas utilizam o mecanismo de crédito com garantia de recebíveis.

Entre as pequenas, apenas entre 40% e 50% fazem essa antecipação e de forma automática na instituição onde têm relacionamento, sem pesquisar se há taxa de juros menores ou melhores prazos de pagamento.

"Muitos empreendedores preferem não utilizar essa linha porque as taxas de juros acabam sendo maiores que a margem de lucro com as vendas. As que utilizam esse empréstimo fazem a operação de forma automática com o banco que trabalham", diz Garbe, lembrando que algumas fintechs têm oferecido essa antecipação dos recursos a comerciantes com taxas mais vantajosas que a dos bancos.

Os juros variam de acordo com o relacionamento do empreendedor com a instituição financeira, mas as taxas podem começar em 0,5% e chegar a até 2% ao mês, tornando a operação cara e inviável em muitos casos.

Uma das principais mudanças trazidas pela nova medida do BC será o fim da chamada 'trava bancária". Atualmente, se um comerciante tem R$ 100 mil a receber em compras feitas com o cartão de crédito e toma um empréstimo de R$ 20 mil, por exemplo, todo o valor dos recebíveis (ou seja, os R$ 100 mil) ficam imobilizados até que o financiamento seja quitado.

Com a nova medida, se o lojista tiver R$ 100 mil em recebíveis e tomar R$ 20 mil emprestados, ficará com R$ 80 mil de saldo para buscar crédito em outras instituições. Com isso, o BC quer estimular a concorrência entre os bancos nesse segmento.  

"Com a nova regra, os registros dos recebíveis ficam centralizados, e o lojista terá liberdade para negociá-los como garantia de crédito em outras instituições financeiras que ofereçam condições melhores de juros e de prazos, e não só com o banco com o qual ele tem relacionamento. Será um processo menos burocrático", diz o economista Fabio Pina, assessor econômico da Federação do Comércio do Estados de São Paulo (FecomercioSP).

Antecipação em outra empresa

Sonia Di Paula, moradora de Serra Negra, em São Paulo, trabalhou como MEI até o final do ano passado, vendendo roupas na casa de clientes já conhecidos. A maior parte das vendas – cerca de 80% – era paga em parcelas com cartão de crédito. Sonia chegou a utilizar os recebíveis que tinha e pegou um empréstimo de R$ 5 mil num banco para ter capital de giro e comprar mercadorias. Mas sua margem de lucro ficou muito reduzida.

"Desisti de fazer essa antecipação. E com a pandemia, minhas vendas chegaram quase a zero no ano passado. Deixei de ser MEI e voltei a trabalhar como vendedora em uma loja este ano", diz a ex-empreendedora.

As empresas de adquirência (maquinhas de cartão) também fazem antecipação de recebíveis. Com a medida do BC, o empreendedor que utiliza maquinhas de determinada bandeira poderá fazer a antecipação em outra empresa.

O presidente da Getnet, Pedro Coutinho, empresa de adquirência do Santander, afirma que o acesso às informações do lojista na credenciadora é um primeiro passo para a chegada do Open Banking ao país. Esse sistema vai permitir, desde que autorizado, o compartilhamento de dados financeiros dos clientes, também aumentando a competição entre as instituições financeiras.

"É uma oportunidade para gerar novos negócios, principalmente neste momento da companhia, que se prepara para listar ações na bolsa de valores", disse Coutinho.

De acordo com o último balanço do Santander do primeiro trimestre de 2021, a Getnet realizou R$ 25 bilhões em antecipação de recebíveis aos seus clientes, o que corresponde a 64% a mais de crédito concedido em 12 meses. Neste período, foram registradas 873 milhões de transações, entre cartões de crédito e de débito, 28% a mais sobre o mesmo período de 2020.

Interface entre lojista e financiadores

O Banco Central explica que as registradoras de recebíveis vão atuar como uma espécie de interface entre o lojista que deseja obter crédito e potenciais financiadores. As informações das registradoras só serão disponibilizadas aos bancos e fintechs com autorização do lojista.

Os bancos também terão mais segurança, já que as credenciadoras vão organizar os contratos, controlando as datas de vencimento e garantindo que o mesmo recebível não seja negociado duas vezes.

"Espera-se que as registradoras ampliem a concorrência na negociação de recebíveis de cartão de lojistas, propiciando a redução do spread e o aumento do volume das operações, principalmente no segmento de MPE", informou o BC.

A instituição não faz estimativa de quanto a concorrência pelos recebíveis pode aumentar a oferta de crédito. Mas o BC informou que, em diversas conversas com o mercado, há indicação de “aumento de apetite” por esses recebíveis de cartão, inclusive por parte de outros tipos de financiadores que não instituições financeiras, tais como Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), que têm esses papéis em suas carteiras.

Procurada, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) informou que não tem estimativa de quanto os bancos podem aumentar a oferta de empréstimos com a nova medida.

O BC avalia que, com a mudança, será criado um ecossistema de negociação de recebíveis de cartão, "democratizando o acesso a esses títulos e permitindo o surgimento de novas fintechs atuando tanto na oferta de crédito e em outros serviços".





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