Microempresários investem em ovos artesanais para escapar da crise provocada pela pandemia
Mayara Rozario
Microempresários investem em ovos artesanais para escapar da crise provocada pela pandemia

Depois do susto do ano passado, quando a pandemia derrubou as vendas de Páscoa , os fabricantes de chocolate fizeram de tudo para tornar a data do comércio mais doce este ano.

Para encantar o consumidor não bastam mais apenas embalagens caprichadas ou ovos de Páscoa intactos nas gôndolas. O caminho foi multiplicar os canais de venda, com forte aposta nos sites, aplicativos de entrega e WhatsApp, e inovar em formatos.

Vale até comprar apenas meio ovo de Páscoa, desde que ele venha recheado com sabores cremosos dos mais variados.

O ovo-sobremesa ganhou espaço na lista de desejos, assim como os brindes digitaism acionados por QR Code. Vale também investir em kits pequenos para presente, uma alternativa para caber em orçamentos mais enxutos diante da crise econômica.

"Tivemos que nos reinventar. No ano passado, fomos todos pegos de surpresa. Os ovos já estavam distribuídos quando a pandemia começou, tivemos que nos adaptar para fazer as entregas. Para este ano, o setor se preparou melhor, investiu no e-commerce e colocou os ovos nos pontos de vendas ainda em janeiro. Geralmente, é após ao carnaval", explica o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (Abicab), Ubiracy Fonsêca.

A expectativa de crescimento de vendas da Páscoa deste ano é entre 5% e 15%. A compra de ovos em lojas físicas — com direito a apalpada para conferir se não está quebrado — ainda é a principal e corresponde a 80% do total de vendas, sendo o supermercado o local mais procurado.

Como eles continuarão abertos, mesmo onde há lockdown, a preferência deve ser mantida. Esse percentual, no entanto, começa a diminuir e a dar espaço para as vendas digitais ou mistas.

A Mondelēz Brasil, dona das marcas Lacta, Oreo, Bis e Sonho de Valsa, por exemplo, espera que as vendas on-line dobrem em relação ao ano passado e cheguem a 20% do total desta Páscoa.

Segundo o diretor de marketing Mondelēz Brasil, Alvaro Garcia, o motivo é a flexibilização que os canais digitais oferecem.

"As pessoas navegam em vários sites e aplicativos, e vão às lojas físicas antes de comprar. Esta compra híbrida é a tendência", afirma. 

Parceria com aplicativos de entrega

Uma pesquisa do Instituto Fecomércio de Pesquisas e Análises (IFec RJ) sobre intenção de compra de Páscoa no Rio corrobora este movimento: a maior parte dos entrevistados respondeu que se dividiriam entre lojas físicas e on-line (60,4%), seguidos de somente física (26,4%) e só on-line (13,2%).

O comportamento misto das compras requer mais atenção ainda neste momento em que foram instituídos feriados em grandes praças como Rio e São Paulo.

Segundo Garcia, a empresa tem feito reuniões diárias de estratégia para remanejar a distribuição dos produtos nas lojas e com os parceiros de entrega.

Ele conta que no último ano a empresa aperfeiçoou as parcerias com apps de entrega que foram feitos de última hora em 2020 e fez uma pesquisa para entender melhor seu público de Páscoa.

Sem poder vender presencialmente, empresas buscam na internet uma forma de manter o faturamento na Páscoa
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Sem poder vender presencialmente, empresas buscam na internet uma forma de manter o faturamento na Páscoa

Como resultado, reforçaram a linha de clássicos e aumentaram as opções de itens de chocolates presenteáveis, como caixinhas de trufas especiais.

"No ano passado, fizemos parcerias rapidamente e criamos um site de vendas em menos de uma semana. Para este, já conseguimos nos estruturar melhor e fazer vendas melhor direcionadas para cada plataforma parceira", diz Garcia. 

Na Nestlé, que também detém a marca Garoto, a expectativa é que a venda física neste ano seja em torno de 70% e a digital, 30%. No ano passado, essa proporção foi de 80% e 20%. De lá para cá, a companhia dobrou seus investimentos no digital e ampliou a rede de parceiros.

Pandemia provocou aceleração digital

O diretor de marketing de Chocolates Nestlé no Brasil, Leandro Cervi, explica que a Páscoa é programada 18 meses antes, porém, com a pandemia, para 2021 eles tiveram que se reorganizar.

Entre as ações no e-commerce, também estão a expansão do site próprio da marca (Empório), para fazer entregas no país todo e o lançamento do site da KitKat Chocolatory, um conceito de loja que vende apenas variedades desta marca (mais de 60 tipos), cujas unidades físicas estão temporariamente fechadas.

Até o fim do ano, a Nestlé ainda vai abrir dois depósitos que atendem as vendas on-line próprias e de parceiros - chamados de dark stores. Para a Páscoa, além da estrutura de e-commerce, Cervi ressalta algumas adaptações nos produtos.

Um exemplo é a expansão dos brindes digitais, em que dentro do ovo vem um QR Code para acesso a um joguinho de videogame.

"Esta é uma Páscoa muito digital. Este ano, adaptamos os produtos e o engajamento digital é uma tendência. Também percebemos que a procura por barras e caixas aumentou. No e-commerce, crescemos 1000% no último ano. Tudo bem que as bases são menores, mas este ano prevemos um crescimento de três dígitos", afirma o executivo da Nestlé.

Já a Cacau Show sentiu o impacto do e-commerce ainda no ano passado, quando as vendas digitais que representavam 0,2% da venda total saltaram para 6%. A expectativa agora é que passe para 10%.

O diretor de canais e expansão da Cacau Show, Daniel Roque, pondera que a primeira base de comparação era baixa, já que a venda on-line era pífia. Isso não impediu que a empresa abrisse os olhos ao mercado on-line.

Do ano passado para cá, investiram mais de R$ 1 milhão nas parecerias e mais de R$ 2 milhões na plataforma oficial e em equipamentos para facilitar o processo de separação e envio das mercadorias.

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"Havia um receio grande das marcas na entrega de chocolates via compras digitais, que foi superado pela necessidade e pela demanda do consumidor. Para 2021, fizemos investimento na nossa estrutura de e-commerce, temos diversos parceiros para aumentar nossa capilaridade de venda e nossas lojas estão integradas nessas plataformas e conseguem absorver o volume de venda on-line", diz ele espera vender 15% a mais do que no ano passado.

Na Lindt Brasil foi um pouco diferente. Como os produtos são importados, a diretora de marketing Natália José explica que os pedidos sazonais são sempre feitos com bastante antecedência, portanto, não houve interferência por causa da pandemia.

Já em relação à estratégia de vendas, eles adiantaram para 2020 o lançamento do e-commerce que estava previsto para 2022.

"Começamos a nossa aceleração digital no ano passado, pois a pandemia iniciou às vésperas da Páscoa. Antes, nosso foco de vendas era exclusivamente para as lojas próprias. Para esta Páscoa, nos preparamos para atender os consumidores totalmente através das vendas digitais, se precisar. Ampliamos nossa área de cobertura e capacidade de entrega, e utilizamos aplicativos, WhatsApp e parcerias com outros sites de vendas", reforça Natália.

Como todo aprendizado é em etapas, para a Páscoa de 2022 fica o desafio de melhorar a logística e a qualidade das embalagens. Rodrigo Bandeira, vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) , acrescenta que neste ano ainda tem o problema da escassez de algumas embalagens e o preço da gasolina.

"As grandes varejistas e os que estão em marketplace pulverizaram os centros de distribuição em cidades menores para reduzir custo e prazo de entrega em um momento de alta demanda de compras on-line. Por outro lado, os ovos são sensíveis à temperatura e quebra e, para isso, é preciso embalagens e entrega especializada. A Páscoa tem suas peculiaridades", afirma.

Digital, sim. Mas artesanal também

A Páscoa de 2021, além de ser mais digital, será também mais artesanal. Um levantamento realizado pela varejista Bip mostra que a produção caseira deve crescer neste ano, impulsionada pelo aumento do desemprego e da informalidade.

Com o fim do  auxílio emergencial  e inflação dos alimentos em alta, comprar de confeiteiros locais também é uma saída para o cliente, pois costumam ter preços mais em conta.

A estudante Tatiane Santoro, de 22 anos, já vendia doces antes de 2020 para ajudar a pagar a faculdade e, no período de Páscoa, ovos artesanais com a mãe Marcia e a irmã Thaís. 

Com a pandemia, a moradora do Grajaú tirou a “Trevo Chocolate” do papel. E deu certo: a página da empresa no instagram já tem 4 mil seguidores.

"Teve uma procura muito alta no ano passado. Em comparação ao tamanho que a gente é hoje, de reconhecimento, de seguidores no Instagram, a gente vendeu até mais em número de ovos", contou a estudante.

Apesar da boa clientela, ela pondera que a situação para esse ano está um pouco diferente: a procura está menor, e os preços dos ingredientes e das embalagens mais caros.

"Foi mais difícil para manter o padrão de qualidade que a gente queria. A gente teve que comprar muito antes nossas embalagens, por exemplo, por medo dos materiais acabarem, além de pensar em lembrancinhas mais baratas para trazer mais o público", afirma.

A estudante Tatiane Santoro optou por vender ovos artesanais para escapar melhorar o faturamento da família
Flávia Gonçalves
A estudante Tatiane Santoro optou por vender ovos artesanais para escapar melhorar o faturamento da família

Quem também percebeu essa dificuldade ao comprar os ingredientes necessários para a produção dos ovos artesanais foi Samya da Silva, ou “Amadinha”, como gosta de ser chamada.

"Aumentou muito o preço dos produtos e também ficaram muito escassos. A Nutella, o Kinder Bueno, por exemplo, eu penei para achar", disse a responsável pela “Trufas da AMAdinha”.

Com 35 anos, Samya veio do interior do Pará para cursar faculdade de direito no Rio de Janeiro. Para complementar a renda, começou a vender trufas e, ao ver que deu certo, decidiu investir nos doces como fonte de renda para sobreviver.

Por não ter espaço na casa onde mora de aluguel, os produtos são feitos em uma cozinha cedida pela congregação que Amadinha frequenta. Os ovos que mais fazem sucesso são os recheados com bolo de cenoura, morango com Nutella e Laka com Oreo.

Apesar disso, a estudante conta que, assim como Tatiane, sente uma procura menor em 2021.

"Diminuiu um pouco a procura neste ano, com certeza. Acho que a questão dos preços foi um diferencial, mas a gente está na expectativa de que vai aumentar", contou a estudante.

Ovo personalizado

Pela primeira vez em 2021, a advogada Débora Salomão optou pela compra de ovos artesanais tanto para sua família, como para dar de presente, e garantiu os doces com as “Trufas da AMAdinha”. Segundo ela, foi uma forma de ajudar pessoas que encontram na venda de doces uma maneira de não ficar sem renda.

"Com a compra do ovo artesanal você não compra só o ovo, você compra toda a história da pessoa. Para mim, isso foi muito importante", explica a advogada.

O desafio dos ovos artesanais para ela que tem filho é encontrar algo atrativo para a criançada.

"Aqui em casa, para contornar a situação, eu busquei ovos artesanais que tivessem um kit confeiteiro, que é super bacana, porque vem a casquinha do ovo, a bisnaguinha para colocar o recheio, então você envolve a criança em algo legal para construir em família", contou a mãe do Gustavo, de dois anos.

Já Matheus Xavier, de 23 anos, preferiu o ovo artesanal por causa da personalização. Para o engenheiro, os modelos feitos por pequenos empreendedores oferecem maior variedade, recheios e formatos do que os vendidos pelas grandes redes.

Em suas compras de Páscoa, ele comprou da Tatiane Santoro um ovo de doce de leite com casca de brownie. E, para o sobrinho, o famoso ovo que mistura brigadeiro branco com creme de avelã, Ferrero Rocher, Kinder Bueno e Oreo para arrematar.

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