O novo pagamento do auxílio emergencial será um alívio para muitas famílias que ficaram completamente desamparadas e sem renda depois do corte do benefício , em dezembro do ano passado. O problema é que o valor médio de R$ 250 a ser repassado, no momento mais agudo da pandemia de Covid-19 , pode ser insuficiente para atender às necessidades mais básicas dos beneficiários. Um dos fatores que agravaram a situação foi a disparada da inflação , especialmente dos alimentos e de combustíveis , o que tem penalizado ainda mais quem depende do auxílio. Em 12 meses, o preço do óleo de soja subiu mais 90%, do arroz e do feijão quase 70%.
— A inflação corrói a renda das famílias. Se em 2020 você tinha R$ 250 para fazer o mercado, um ano depois o mesmo valor não compra mais os mesmos produtos. Ele conseguiria adquirir somente o equivalente a R$ 212. Em 12 meses, só os gêneros alimentícios subiram 17,7% em média— afirma André Braz, economista da FGV.
Maiores aumentos do preço em 12 meses (%):
- Óleo de soja: 92
- Feijão preto:69,20
- Arroz: 66,70
- Cebola: 60,10
- Maçã: 31
- Batata inglesa: 27,50
- Carne bovina: 26,90
- Carne suína: 25,40
- Banana prata: 22,20
- Açúcar cristal: 22
- Feijão carioca: 21,40
- Leite longa vida: 20,40
- Farinha de trigo: 20
- Mamão: 19,20
- Açúcar refinado: 15
- Laranja pêra: 12
- Frango inteiro: 11,50
- Pescados: 11,40
- Pão francês: 6,40
Desempregada e cuidando do filho de quase um ano de idade, Camila dos Santos diz que quer voltar a trabalhar, mas não consegue:
— As coisas estão tudo em um valor absurdo, principalmente referente a alimentação. O desemprego está muito grande. Hoje sou uma mãe solteira e desempregada, morando com a minha mãe. Para ser honesta não tem muito o que fazer com R$ 250. Você vai mercado com esse dinheiro e não compra absolutamente nada. Isso não é um auxílio. As pessoas estão passando necessidade. Eu quero poder trabalhar. Não receber esmola do governo. Eu não quero um auxílio. Quero uma vida normal — afirma a desempregada Camila Santos, de 19 anos.
Os preços de outros gêneros, como combustíveis, também subiram e estão pressionando o bolso das famílias com renda mais baixa. Atualmente, o preço do botijão de 13 kg custa entre R$ 59,99 e R$ 105, com preço médio de R$ 75,04, segundo o levantamento semanal da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). No início da pandemia de covid-19, o preço médio estava em R$ 69.
Cesta básica escassa
Já o Dieese calculou a quantidade dos produtos presentes na cesta básica, para alimentar uma família de quatro pessoas, recebendo R$ 250. A conclusão é que a oferta é insuficiente para atender às necessidades básicas:
— Esse dinheiro não consegue dar conta de uma família. Diariamente, o que dá pra comprar com o valor de R$ 250 é menos de um bife por dia, meio copo de leite, uma concha e meia de feijão, três colheres de arroz. Estamos falando aqui do básico. Como você alimenta as pessoas da família com isso? — questiona Fausto Augusto Júnior, diretor técnico do Dieese.
O que da para comprar com R$ 250 por mês ou R$ 8,33 por dia?
- Feijão - uma concha e meia: R$ 0,40
- Arroz - 3 colheres: R$ 0,18
- Tomate - 1 unidade: R$ 0,90
- Açúcar - 4 colheres: R$ 0,11
- Pão - 1 e meio: R$ 1,06
- Carne - menos de 1 bife (80g): R$ 3,05
- Leite - menos de meio copo: R$ 0,48
- Farinha - menos de um quarto de xícara: R$ 0,09
- Batata - meia unidade: R$ 0,50
- Café - menos de meia xícara: R$ 0,17
- Banana - 1 unidade: R$ 0,85
- Óleo - 2 colheres: R$ 0,10
- Manteiga - menos de uma colher: R$ 0,40
Desempregada, a agente de viagens Simone Paes, de 58 anos, reclama da falta de apoio do governo no pior momento da pandemia. Ela tinha entrevistas de emprego já agendadas, mas a seleção foi suspensa após o agravamento da questão sanitária e aumento de mortes no pais:
— O valor não paga nem a conta de luz, compra somente um botijão de gás. Estou desempregada e morando de favor com minha filha.Falta consciência pública. Estava com entrevistas marcadas, mas foram suspensas — lamenta.
Voluntária em uma ONG que distribui e recebe cestas básicas na Baixada Fluminense, Clévia Ribeiro, voluntária, de 43 anos, afirma que os recursos vão complementar as doações que recebe.
— Acredito que toda ajuda que vem é sempre bem vinda. A gente não pode achar que é pouco. Eu recebo por mês R$ 180 do Bolsa Família, para mim e para minha filha de 5 anos. Se o valor aumentar para R$ 250, vai ajudar a comprar remédio, gás, carne moída. Tudo encareceu muito no mercado, principalmente óleo, sabão em pó, café, açúcar. Sem trabalho, hoje sou voluntária na ONG Instituto Mundo Novo — conta ela.
Desestímulo a medidas mais restritivas
O auxílio emergencial foi criado para garantir renda a trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados prejudicados com a paralisação de serviços durante a pandemia. Para Vivian Almeida, economista e professora do Ibmec, com este valor de auxílio o benefício não vai cumprir a função primordial que é a garantia de renda mínima para evitar que a população se arrisque nas ruas:
Você viu?
— Soa como uma complementação de renda, e não com um auxílio para deixar as pessoas em casa e evitar a disseminação do vírus, como foi no ano passado. As pessoas vão se arriscar, vão pra rua e de alguma sobreviver. É o valor é menor num contexto pior. As pessoas estão sem emprego. O desemprego é recorde em 20 estados, é dramático — ressalta Vivian.
Já o Professor Paulo Dutra, coordenador do curso de Economia da FAAP, lembra que no momento em que o governo ainda se organiza para começar a efetuar o pagamento, estados e municípios anunciam medidas restritivas mais duras para conter o avanço do vírus. Para ele, com o auxílio deixa de ser um estímulo para aderir às medidas de distanciamento:
— As pessoas só ficarão em casa se tiverem condição de sobreviver. Não adianta restrições. Se tem uma família de quatro pessoas, R$ 250 vai embora em uma semana e meia. É quaseuma esmola.
Período limitado
O EXTRA também comparou quanto o trabalhador gastava, em 2020, e quanto empenha em 2021, para comprar a quantidade mínima disponível de uma lista de dez produtos e mantimentos essenciais (Veja o quadro acima). No ano passado, de acordo com levantamento em encartes de supermercados, o consumidor desembolsaria R$ 67,01 . Hoje para comprar a mesma cesta, gasta R$ 107,30 , alta de 60%.
— Só que quanto menos a pessoa ganha, menos pode cortar porque comida é essencial. Então quer dizer que ele vai passar necessidade, não vai ter acesso a tudo que ele deveria ter para sustentar a família — explica André Braz.
Outra preocupação é com o período de pagamento do novo auxílio emergencial. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que libera o benefício em 2021 estabelece o depósito de quatro parcelas, mas o ritmo lento de vacinação no país indica que a crise econômica deve se prolongar por mais tempo:
— No apostaria que quatro meses sejam suficientes em função da lentidão da vacinação. Precisaria de no mínimo R$ 600, ainda que mais focado para a uma parcela menor da população. Teria que ter uma fiscalização para conceder estes recursos para quem realmente precisa — enfatiza Paulo Dutra, coordenador do curso de Economia da FAAP.
A expectativa na nova rodada do auxílio é contemplar 46 milhões de pessoas