Diretor da Casa Flora Importadora, uma das líderes nacionais no segmento de alimentos e bebidas, Adilson Carvalhal Júnior dividiu os últimos dez anos de sua agenda de empresário com a de presidente da Associação Brasileira de importadores e Exportadores de Bebidas e Alimentos. Desde que assumiu o cargo institucional, vem sendo reeleito pelos associados a cada pleito — em grande parte por ter comprovado sua capacidade de unir o setor na busca de soluções para questões como a Substituição Tributária (ST) de bebidas e a proposta de salvaguarda para vinhos nacionais, algo que encareceria ainda mais os importados.
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Nesta entrevista à DINHEIRO, Júnior, como é mais conhecido, falou sobre sua convicção no aumento do consumo apesar da flutuação cambial e alertou para o risco de uma reforma tributária seletiva, que onere itens de luxo como cosméticos e bebidas importadas, cujos impostos já chegam a 72% do preço final. “Seria um estímulo ao descaminho e à informalidade”, afirma.
DINHEIRO —A ABBA tem 17 anos, 10 dos quais com você na presidência. O que o leva a permanecer no cargo?
Adilson Carvalhal Júnior – Eu entendi que dentro do meu tempo como empresário eu deveria me dedicar também a questões que afetam a nossa atividade. Tento contribuir com o meu melhor. Estar lá tem dois lados. O bom é ter conseguido criar uma estrutura capaz de unir o setor e levar adiante as demandas que se apresentam. O ruim é perceber que outros empresários não se interessam em exercer essa função, que toma tempo, gera um desgaste maior e tira o foco que a pessoa precisa ter no próprio negócio. Por isso até agora não houve a sucessão que eu acredito que deveria ter acontecido e que seria saudável para o nosso segmento.
A tentativa de imputar uma salvaguarda para o vinho nacional foi uma das questões que você precisou enfrentar. Qual a sua visão sobre aquela demanda dos produtores brasileiros?
O ponto mais nocivo da salvaguarda, além de fixar um preço mínimo, é que ela implicaria em cotas de importação. Mais que uma barreira tarifária, seria uma limitação da oferta de produtos dentro do mercado de vinhos finos, que está crescendo no Brasil. Isso seria punitivo para o consumidor, pois o preço do importado subiria.
Como eu sempre tentei enxergar o setor como um todo, acredito que o produtor brasileiro, que também tem suas dores e dificuldades, precisa ser ouvido. Produzir no Brasil é caro. E superar essa adversidade exige mais que limitar a competição. Então fizemos um movimento proativo para criar alianças com produtores nacionais de forma que o vinho brasileiro fizesse parte dos catálogos das importadoras. Várias parcerias nasceram disso, e os supermercados também aderiram a essa . Não faria sentido tentar resolver o problema do produtor penalizando quem deseja consumir importado.
Até porque a produção nacional não oferece tudo o que o consumidor deseja…
E é bom lembrar o quanto o produto importado ajudou a melhorar o vinho nacional. O desenvolvimento da indústria brasileira no setor é muito positivo, mas ela não está pronta para atender toda a demanda. O mundo do vinho é o da experimentação. Diferente do que ocorre com o uísque ou outras categorias onde há uma fidelização muito forte, com gente que bebe uma mesma marca a vida inteira. O bacana do vinho é provar algo novo, falar sobre isso com os amigos. E uma medida protecionista iria penalizar o consumidor e prejudicar o mercado como um todo.
Os produtores nacionais ainda reclamam do que consideram vantagens tarifárias para os vinhos do Mercosul. A queixa procede?
Mais do que não haver tributação no Brasil sobre produtos importados do Mercosul, o que existe, especialmente no Chile, é uma desoneração que torna o que se produz lá muito mais competitivo. Na minha visão, se o Chile tem um regime fiscal que permite fazer vinho mais barato, não deveríamos tributar mais o vinho chileno para ele chegar aqui mais caro e sim olhar para o custo Brasil e desonerar o produtor nacional. É preciso entender a cadeia de impostos que incide sobre o produtor chileno e ver se ela se aplica aqui no Brasil.
A Substituição Tributária de bebidas é um dos fatores que encarece o produto nacional. Os três estados da região Sul já a revogaram. Outros os seguirão?
Você viu?
A ST foi criada com um propósito de facilitar a arrecadação em setores muito concentrados, como petróleo, cerveja. É uma antecipação do imposto que incide sobre a cadeia de consumo dentro de cada estado. Nós trabalhamos muito em conjunto com os produtores do Sul, inclusive na contratação de pesquisas que comprovaram que dessa forma o estado perdia arrecadação. Embora a queda da ST tenha sido comemorada pelos produtores, ela impacta só sobre o que é consumido naqueles estados. Não alivia a carga sobre o que eles vendem para São Paulo, por exemplo, que é o maior mercado consumidor.
Por isso estamos desde o início do ano trabalhando com a Secretaria da Fazenda de São Paulo, com o Henrique Meirelles, para mostrar que tributar na entrada prejudica o setor de vinhos, que trabalha com um portfólio de 40 mil rótulos. Não existe concentração. Eu tenho certeza que o estado arrecada menos cobrando a ST. Sem essa cobrança fica mais justo para todo mundo.
A alta tributação favorece o contrabando de bebidas?
Sobre bebidas alcoólicas em geral, incidem impostos totais de 65% a 72%. Ao mesmo tempo, há uma facilitação para as pessoas ingressaram com mais garrafas quando viajam para fora do País. No governo Dilma, o limite foi ampliado para 12 litros, que no caso do vinho são 16 garrafas. O governo Bolsonaro aumentou o teto para compra em free shops para US$ 1 mil por passageiro e US$ 500 para os free shops de fronteira. O governo abre mão de uma receita para agradar quem viaja e força a mão sobre outra, que recai sobre quem opera com importação e trabalha direito. É uma contradição tributar o setor formal e renunciar a uma receita que já existia.
Existe algum risco de que o imposto aumente ainda mais?
Na reforma tributária que está sendo proposta pelo governo há um imposto de seletividade, que incidiria sobre tabaco, bebidas alcoólicas e produtos de luxo, como cosméticos. Se não houver uma forma racional de cobrar impostos, as pessoas irão para o descaminho [pela legislação brasileira: “Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”] e para o contrabando. Não há como controlar isso. O Brasil é enorme, com fronteiras impossíveis de serem vigiadas, e com uma criatividade tributária única no mundo.
Se o governo vier com uma mão muito pesada nesse sentido, alegando serem itens supérfluos, de novo irá penalizar quem trabalha direito e favorecer as pessoas que vão para caminhos alternativos. Eu não acho que bebida alcoólica deva pagar o mesmo tributo que farinha de trigo, mas aumentar ainda mais um imposto que já é altíssimo pode inviabilizar o setor.
O informal vai continuar oferecendo uma parte dos produtos importados.
O brasileiro dá menos valor ao recurso arrecadado com impostos por não ver o fruto dessa cobrança revertido em serviços públicos de qualidade. Isso ocorre menos em outros países. A importadora não é um vilão para a indústria nem para o País. Ela gera empregos diretos, indiretos e paga muito imposto. A carga não pode ser mais alta do que é hoje.
No Brasil, o consumo de vinhos está estagnado entre 1,8 e 2 litros per capita ao ano. Por outro lado, muito se fala na qualificação do consumidor. Ela vem ocorrendo?
O que nós percebemos é a substituição do vinho de mesa pelo vinho fino, feito com uvas viníferas. A uva de mesa está indo mais para a produção de suco. Há também um aumento constante no consumo de espumantes. Mas, com a crise econômica dos últimos anos, o mercado tem crescido nos rótulos de entrada de gama, que custam menos. No setor de vinhos finos a presença é maior dos importados. Para que esse mercado cresça é preciso melhorar o poder aquisitivo da população. O Brasil é um país cervejeiro e o vinho é um produto mais caro. Nós temos uma parte pequena da população que sempre toma vinho, uma parte grande que bebe de vez em quando e uma grande população que não compra vinho nunca. As razões para isso são tanto econômicas quanto culturais.
O consumo de destilados teve um salto recentemente, sobretudo o gim. A que você atribui esse crescimento?
Sinceramente eu não sei dizer. Acredito que houve uma redescoberta da coquetelaria, que andava meio esquecida no Brasil e voltou com força há alguns anos. Foi o caso dos spritz, com o Aperol. O gim cresceu muito, mas a base ainda é pequena. Não é uma bebida tão consumida assim. Os produtores não fazem campanhas maravilhosas na TV, não patrocinam a Champions League como a Heineken. Mas são grupos fortes, que têm poder de investir em ativações, tanto em bares e restaurantes quanto no varejo. Com isso as pessoas estão também levando o hábito da coquetelaria para casa, algo que até pouco tempo era quase restrito à caipirinha.
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Qual a previsão para o setor de bebidas neste final de ano?
Desde setembro o mercado está reagindo muito bem e este Natal deve ser muito melhor do que os passados. Eu vejo o momento da economia como positivo, com os juros mais baixos, que favorece investimentos, e uma gradual recuperação do poder de compra da população. No caso dos importados, o câmbio tem um peso importante. A gente não esperava que o Paulo Guedes fosse dizer alguma bobagem sobre o dólar, mas ele disse – e o efeito foi o dólar subir ainda mais. Eu espero que a gente tenha um câmbio com menos oscilação, mas não mais baixo. Se o dólar estiver a R$ 4 ou R$ 4,20, o mercado se adapta. O problema para quem trabalha com moeda estrangeira é o grau de flutuação. Com um pouco de segurança jurídica, o Brasil terá um enorme potencial de crescimento de consumo.