Pouco mais de vinte dias para a véspera do Natal e a maratona para a compra dos tradicionais presentes já começou. Se por um lado, a clientela busca preço baixo , variedade dos produtos e as menores filas, por outro, as empresas precisam de mais mão de obra para dar conta da organização e da alta demanda . O fim do ano é considerado a melhor época para aquecer o comércio no Brasil.
É justamente nesses últimos meses do ano que também cresce a oferta de trabalhos temporários para reforçar o quadro de funcionários dessas empresas. Nessa temporada de contratações, entre setembro e dezembro, a previsão é de que sejam ocupadas até 570 mil vagas na modalidade temporária em todo o país. O número representa uma expansão de 13,8% em relação ao mesmo período do ano passado em todo o país . Os dados são da Associação Brasileira do Trabalho Temporário .
Para o presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), José César da Costa , o número de contratações pouco mais elevado do que nos anos anteriores é o reflexo da regulamentação da Lei nº 6.019 , de 3 de janeiro de 1974, editada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) em outubro de 2019. O decreto foi publicado no Diário Oficial e traz mais especificações sobre as regras do trabalho temporário, sua aplicação, período pelo qual pode ser contratado e direitos dos trabalhadores.
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O impacto da regulamentação ocasionou a desoneração da folha de pagamento do empresário e facilitou a contratação de novos trabalhadores temporários. É o que aponta o presidente da CNDL . “Isso tira um peso muito grande do empregador, ter menos custos. Também vemos como impulsionador, a contratação de jovens para o primeiro emprego, através do programa Verde e Amarelo , além dos saques do FGTS e 13º salário . Tudo isso turbinou a economia e com a credibilidade do governo atual, a confiança do empresário aumentou”, diz José César da Costa ao analisar pontos para o aumento dos cargos de trabalho temporário no Brasil.
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Voltar ao mercado de trabalho é o que importa
O recifense José Albuquerque, 26, já tinha trabalhado na Broomer, rede de franquias do segmento de vestuário, por três anos. Ele conseguiu um outro emprego e após a nova temporada de trabalho ficou desempregado por oito meses.
Esse ano, ele explica que foi chamado para prestar o serviço temporário e ocupar um cargo na antiga empresa, por três meses, entre novembro e janeiro de 2020. “Acredito que isso aconteceu pelo bom trabalho que apresentei na minha primeira passagem pela loja”, diz.
O vendedor não sabia sobre as novas regras da regulamentação do trabalho temporário. Para ele, a importância maior é voltar ao mercado de trabalho. O fim do ano empolga José porque é nesse momento que as vendas e o mercado fica aquecido e para quem trabalha em shopping é o melhor cenário. “Fico por três meses, mas nessa época a gente que trabalha por comissão e consegue tirar uma boa grana, de até três mil reais por mês”, pontua.
Já o carioca Leonardo Ribeiro, 23, conseguiu sua primeira vaga temporária também em novembro deste ano. Ele foi chamado para atuar como vendedor em uma loja de departamento no Rio de Janeiro.
Leonardo encara a nova modalidade como mais competitiva porque no fim do contrato todos querem ser efetivados, mas também não sabia do decreto do trabalho temporário que pode até aumentar o tempo de permanência no emprego. "Não tenho muito conhecimento dessa área e e acho que isso não é muito distribuído no noticiário", diz.
Desempregada há três anos, uma vendedora que preferiu não se identificar, conta que foi pelo Instagram que descobriu sobre a vaga temporária em um loja de itens carnavalescos na capital pernambucana. Ela conta ainda que o contrato temporário é de quatro meses e foi firmado "apenas de boca". Ela não assinou nenhum papel. "As coisas estão muito difíceis e mesmo tendo uma lei que garanta direitos, a gente aceita o que tiver porque precisa do dinheiro", diz. A vendedora não sentiu o impacto da regulamentação no trabalho temporário.
Cenário em São Paulo
Em São Paulo, cerca de 366 mil vagas foram abertas . É o estado brasileiro com maior participação na geração de vagas de trabalho temporário. Os números foram divulgados pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
“A perspectiva de recuperação da economia brasileira no próximo ano somada ao aumento da demanda dos consumidores deve impactar positivamente as decisões contratuais das empresas, e caso se concretize, pode levar uma parcela de empresários a absorver parte dos novos admitidos. Pode ser um novo fôlego para o varejo”, diz o economista da ACSP.
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É também o que pensa o gerente da tradicional rede paulista Armarinhos Fernando. Ondamar Ferreira está à frente da gerência da loja matriz, na Rua 25 de março , há 17 anos. Em entrevista ao iG, ele associa o número de contratações de temporários ao cenário econômico do Brasil, que segundo ele, melhorou neste ano.
Na loja matriz foram 26 trabalhadores temporários contratados já no início de setembro, frente aos 18 no mesmo período do ano passado. Ele avalia que precisou aumentar os funcionários para melhorar a qualidade do serviço da loja, no sentido de ter uma reposição mais rápida já que o número de clientes aumentou.
Na rede, o gerente explica que os contratos são firmados por três meses e as pessoas podem ser efetivadas após o término do período, caso desempenhem bem a função. "Mesmo que o decreto aumente o prazo de tempo que os temporários podem ficar, para a gente não é vantagem. Preferimos optar pelos 90 dias, é tempo suficiente para saber se o funcionário merece uma chance CLT ou não", completa.
Ondamar avalia ainda que a expectativa para as vendas em 2019 eram altas. Ele não divulga faturamento, mas garante que em relação ao ano de 2018, o crescimento está entre 8% e 10%. "Isso é um percentual muito acima da média do mercado no Brasil", conclui.
Qual o impacto no mercado de trabalho?
Para Anderson Nagado, gerente do Grupo Soulan , que presta serviços a diversas empresas na contratação de temporários, o impacto da regulamentação da lei foi positivo, já que o decreto era muito antigo, de 1974, feito antes da Constituição de 1988 e da reforma trabalhista de 2017.
Tal regulamentação especifica direitos e condições de trabalho para os temporários, como prazo de contrato de trabalho , pagamento de horas extras e garantia de segurança e atendimento médico. “É uma melhora na comunicação dos trabalhadores e das empresas. A mão de obra temporária é uma reação natural da economia. Se o mercado está melhorando, é natural que as vagas aumentem, também”, afirma Anderson.
Ele explica ainda que a modalidade temporária é prestada por uma pessoa física, mas a contratação é via uma empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços.
As empresas precisam justificar os motivos da oferta de vagas temporárias, seja para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços.
Decreto é complemento da reforma trabalhista
Na regra atual, o contrato temporário pode ser de até 180 dias, podendo ser renovado por mais 90 dias, desde que haja uma justificativa. A carteira de trabalho do trabalhador temporário não é assinada como CLT , mas a empresa faz anotações no documento. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) estima que a oferta de vagas temporárias para o Natal de 2019 será a maior em seis anos.
“Eu entendo como uma excelente oportunidade para ingressar novamente no mercado de trabalho e mostrar que essas pessoas têm condições de ocuparem cargos efetivos, dependendo do desempenho delas. Se o profissional atende ao desejo da empresa, a chance dele ser contratado posteriormente na modalidade CLT é muito alta”, alerta o gerente do Grupo Soulan.
Na estimativa do presidente da CNDL, quase 40% das pessoas que foram contratadas como temporárias em 2019 devem ser efetivadas ao longo do ano de 2020.
Guilherme Rezende, advogado que atua com o Direito do Trabalho, alega que o decreto não acrescenta novidades, só regulamenta o que já era praticado pelas empresas. “É um complemento da reforma trabalhista de 2017”, diz. Ele destaca ainda que um ponto negativo é que em relação a outros contratos, o trabalhador temporário não tem direito a multa de 40% do FGTS, no caso de ser demitido antes do prazo.
Para Anderson, gerente da Soulan, um ponto que precisa ser mais fiscalizado pelo governo é a forma como essa contratação é feita e as justificativas utilizadas pelas empresas. “Eu acredito que antigamente e até pouco tempo atrás, as empresas tinham mais facilidade de contratar uma mão de obra temporária com menos observações. Por isso existe o temor de funcionário mais antigos de serem substituídos. Isso acontecia com manobras feitas por contratantes para diminuir os encargos com a CLT, mas acho que diminuiu bastante. As alterações foram para melhor”, conclui.