Seis em cada dez brasileiros que já desistiram de procurar emprego, ou seja, estão desalentados, estão na região nordeste. Essa é a principal conclusão do estudo divulgado nesta quinta-feira (20) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a partir da análise dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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Os dados do estudo do Ipea se referem ao segundo semestre de 2018 e indicaram que entre abril e junho, a quantidade de desalentados no País era de 4,8 milhões de pessoas que, além dos 60% que se encontram na região nordeste, estão distribuídos da seguinte forma: 21,4% no sudeste; 10,9% na região norte, 4,4% na região centro-oeste e 4,3% na região sul.
Segundo a definição do própria Ipea, desalentados são a parcela da população que desistiu de procurar emprego e está fora da força de trabalho por não conseguir trabalho adequado, não ter experiência ou qualificação suficiente, ser considerado muito jovem ou idoso ou porque simplesmente não há trabalho na região (e se tivesse oferta de trabalho, estaria disponível para assumir a vaga).
O índice de desalentados registrado no trimestre é recorde. Esses 4,8 milhões de pessoas que já desistiram de procurar emprego representam 4,3% da População em Idade Ativa (PIA), segundo o IBGE, e já ultrapassou o dobro do registrado de 2012 a 2015, quando a taxa de desemprego , hoje em 12,3%, era de apenas um dígito.
Concentrados na região nordeste, a situação se torna ainda mais preocupante porque "esta elevada parcela (de desalento) em relação às demais regiões do Brasil reflete as próprias características do mercado de trabalho
nordestino, marcado pela mais alta taxa de desemprego, maior parcela de informalidade, menor taxa de participação, além de salários reais mais baixos", descreve o Instituto na Carta de Conjuntura.
Mulheres, jovens e pouco escolarizados são maioria dos desalentados
Outras análises feitas pelo Ipea e divulgadas nessa quinta-feira (20) também ajudam a explicar a concentração de desalento no nordeste e confirmam a análise feita preliminarmente pelo próprio IBGE: mulheres e jovens sofrem mais com o desemprego em relação a seus pares de gênero e faixa etária.
Enquanto as mulheres representam 52,4% da População em Idade Ativa (PIA) e os homens 47,6%, entre elas o índice de pessoas desalentadas sobe para 54,7% e o deles cai para 45,3%. Da mesma forma, entre os jovens de 18 a 24 anos que representam 14,5% da PIA, o índice de desalento é de 25,3%, uma diferença desfavorável de 10,8 pontos percentuais entre a possibilidade de emprego e a realidade das ocupações.
Ambos esses recortes, no entanto, ajudam a explicar uma notícia parcialmente boa: o mercado de trabalho está tentando, dentro do possível, poupar os arrimos de família já que, enquanto eles representam 41,9% da população em idade ativa são "apenas" 30,8% dos desalentados.
Há, porém, uma explicação menos otimsita em relação a esse índice. Segundo o gerente da Pnad, Cimar Azeredo, houve um crescimento de desemprego na faixa da população que vai de 40 a 59 anos de 131% no segundo trimestre de 2018 em relação ao segundo trimestre de 2017. Portanto, se o desemprego nessa faixa etária que geralmente sustenta a família e são os que menos perdem o emprego está crescendo e o desalento entre eles não cresce pode ser um sinal de que, na verdade, eles não estão desistindo porque essa simplesmente não é uma opção e não porque estão encontrando emprego facilmente ou sendo retidos pelo mercado.
"[Esse indíce] é preocupante porque mostra que o desemprego atingiu uma faixa da população que não pode de forma nenhuma ficar desempregada", disse o coordenador antes de completar "essa taxa [de desemprego] é muito maior entre os jovens por conta das barreiras que são impostas a ele para ingressar no mercado de trabalho. Capacitar uma pessoa para o mercado custa caro. Por isso o mercado tende a buscar quem já tem experiência profissional".
Ele ainda afirmou que "o jovem, geralmente, está preso a uma estrutura familiar. Em condições normais, o jovem já é mais afetado pelo desemprego. Mas quando o desemprego afeta a população adulta é mais preocupante, porque é essa parcela que deveria efetivamente estar ocupada, já que a princípio seria a que já concluiu os estudos, se constituiu como arrimo de família e que tende a ter mais dificuldade de se realocar no mercado", avaliou.
Por último, Cimar Azeredo ainda completou, na ocasião da divulgação dos dados da Pnad: "quando o desemprego no Brasil atinge essa parcela da população, é um sinal de que nem a informalidade está dando conta de absorver as pessoas que perdem o trabalho e que a precarização do mercado é bastante forte", finalizou.
Já no recorte por nível de escolaridade, o desalento é maior entre aquels com ensino fundamental incompleto. Essa parcela da população responde por 50% dos desalentados do País apesar de só representar 36,5% da PIA. Em seguida aparecem os trabalhadores com ensino médio completo que representam 22,8% dos desalentados, mas pelo menos estão em menor proporção já que são 27,4% da população em idade ativa.
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Em contraponto, os trabalhadores que têm nível superior e que correspondem a 19,0% do total representam apenas 5,3% dos desalentados reforçando a relação entre quanto mais alto é o nível de escolaridade, maior a empregabilidade e, portanto, faz-se necessário elevar a média dos anos de estudo dos brasileiros.
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Dados apresentados pelo Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) na semana passada também corroboram essa hipótese. Segundo eles, pela segunda vez consecutiva o Brasil não apresentou melhora na média da expectativa dos anos de escolaridade de seus cidadãos: o índice permanece em 15,4 anos desde 2015. Já a média de anos de estudo do brasileiro também se manteve a mesma do levantamento anterior: 7,8.
Lembrando que a "média de anos de estudo" representa o tempo de educação que pessoas de 25 anos ou mais têm no país – isto é, um indicador que é mais impactado pelas gerações anteriores. Já os “anos esperados de escolaridade” indicam a expectativa de estudo de uma criança que ingressa hoje no sistema de ensino. Ou seja, o brasileiro que se matricula atualmente numa escola deverá estudar, em média, 15,4 anos.
Crescimento de desalentados também mascara queda do desemprego
De acordo com o estudo do Ipea, não apenas o período em que o trabalhador permanece desempregado tem provocado aumento do desalento. Tem crescido também a quantidade de trabalhadores que, por dois trimestres consecutivos, deixa a atividade, passa para a inatividade e se declara desalentado.
Entre o quarto trimestre de 2015 e o primeiro trimestre de 2016, por exemplo, 14% dos que transitavam para a inatividade estavam desempregados e faziam parte do subgrupo de inativos desalentados. No segundo trimestre deste ano, porém, essa proporção subiu para 22,4%.
Entre aqueles que deixaram o emprego para a inatividade, a proporção dos desalentados subiu de 11,2%, no início de 2016, para 16,7%, no segundo trimestre de 2018. "Portanto, o desalento aumentou não só entre os que se encontram desocupados durante muito tempo, mas também entre os que perderam sua ocupação recentemente", mostrou o Ipea.
Esse movimento, porém, pode ajudar a mascarar os índices de desemprego já que o desalentado fica fora das estatísticas de desemprego pelos critérios de análise das pesquisas oficiais.
Eles são transferidos para a massa de quase 65,5 milhões de pessoas que estão fora da força de trabalho, um montante que deveriam abarcar somente estudantes que ainda não ingressaram no mercado de trabalho e aposentados por exemplo, mas que hoje incluem comerciantes ambulantes, motoristas de aplicativos, trabalhadores domésticos, posições com rendimentos mais baixos e menos estáveis do que os empregos com carteira assinada.
Para se ter uma ideia, enquanto a população oucpada no País aumentou 0,7% milhões no mesmo período de abril a junho de 2018 e chegou a 91,2 milhões (um adicional de 657 mil pessoas em relação ao trimestre encerrado em março) e cresceu 1,1% ou mais de 1 milhão de pessoas em 12 meses, o número de brasileiros fora da força de trabalho (que não trabalham nem procuram emprego) atingiu 65,6 milhões, um aumento de 1,2% em 3 meses ou de 774 mil pessoas. Já no período de 12 meses encerrados em julho, houve alta de 1,9% ou um aumento de 1,2 milhão de pessoas.
"A taxa de desemprego até está menor, mas isso embute dois problemas: a subutilização ou a precariedade por conta da informalidade do trabalho. E na informalidade estão o comércio ambulante, o transporte por aplicativo, até mesmo na indústria, de confecção, por exemplo, e na construção civil, com pequenas obras. Isso significa que são muitas pessoas sem proteção social, sem contribuir para a Previdência", afirmou Cimar Azeredo na ocasião.
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Dessa forma, muitos especialistas estão usando os dados para questionar a efetividade da Reforma Trabalhista aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Michel Temer ainda no ano passado já que os dados mostram que ainda que as vagas de emprego estejam voltando vagorasamente a serem geradas, a qualidade desses empregos está caindo, enquanto a informalidade cresce e o número de desalentados continua muito alto em especial, como vimos, para as mulheres, os jovens, os de baixa escolaridade e, sobretudo, os nordestinos.
*Com informações do Ipea