Desconto de R$ 0,46 no diesel só será cumprido se estados perderem arrecadação
Para cumprir promessa do governo federal, estados também terão que abrir mão de arrecadação do ICMS sobre o diesel que foi isento pelo governo
Por Brasil Econômico |
A principal cláusula do acordo que deu fim à greve dos caminhoneiros poderá ser descumprida por conta da falta de transparência do governo federal . Isso porque ao anunciar que daria desconto de R$ 0,46 no litro do diesel vendido pelas refinarias e prometer que o valor atualizado chegaria às bombas de combustível para o consumidor final, o governo omitiu que, na verdade, estava contando também com a queda na arrecadação dos estados.
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A confusão se dá porque a isenção do CIDE e a redução do PIS/Cofins que resulta num desconto de R$ 0,46 no litro do diesel mineral vendido pelas refinarias não é integralmente repassado ao consumidor já que, obrigatoriamente, o diesel vendido aos motoristas deve ser misturado com 10% de biodiesel que, por sua vez, não teve redução na incidência de impostos.
Por conta dessa mistura, o valor do combustível terá um desconto de apenas R$ 0,41 de modo que, para chegar aos R$ 0,46 prometidos pelo governo federal aos grevistas, a equipe econômica incluiu na conta a incidência de 15% de ICMS (um imposto estadual) sobre o preço reduzido pelo governo federal.
Essa alíquota, porém, é revista a cada 15 dias pelos estados e pode, inclusive, subir já que a maioria dos estados tem dificuldade para manter as contas públicas em dia e não está em condições de perder arrecadação. Até por isso, na sexta-feira, a Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis) havia alertado que a redução de R$ 0,46 por litro nas refinarias poderia não chegar às bombas dos postos de todos os estados e que o desconto dependeria da alíquota de ICMS cobrada em cada lugar.
Após admitir que o governo não foi tão transparente quanto podia, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, explicou que considerando 15% de ICMS sobre o desconto de R$ 0,46 proporcionado pelo governo federal no preço do litro do diesel mineral, os governos estaduais perderão R$ 0,06 de arrecadação por litro.
Com esse R$ 0,06 perdidos pelas unidades da federação mais os R$ 0,41 proporcionado pelo governo federal, o desconto no preço do litro pode chegar a até R$ 0,47, mas o ministro afirmou que daria esse 1 centavo de diferença para os R$ 0,46 prometido "como folga, para que não haja dúvidas, não haja discussão com ninguém".
Falta de transparência do governo
Dessa forma, o custo da negociação feita pelo governo que já beirava os R$ 10 bilhões de rombo nas contas federais passa a recair também sobre os combalidos cofres dos estados brasileiros, em sua grande maioria, com grande problemas para equilibrar as contas públicas já que a maior parte da arrecadação tributária do país vai para o governo federal.
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Além disso, a alíquota de 15% do ICMS considerada pelo governo federal não é igual em todos os lugares do país de modo que poderá haver aumentos ou reduções até maiores em determinadas unidades da federação. É o caso, por exemplo, do Rio de Janeiro que mesmo com dificuldade para pagar os salários dos funcionários em dia, deverá reduzir o ICMS sobre o diesel de 16% para 12%, fazendo com que o desconto chegue a até R$ 0,50 por litro de combustível.
Da mesma maneira, em estados como São Paulo e Espírito Santo, os únicos que se anteciparam às medidas do governo e reduziram o ICMS sobre o diesel antes mesmo do término da greve, o desconto já está sendo repassado aos consumidores enquanto nas outras unidades do país, não.
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"No Espírito Santo, inclusive, [o desconto] chega a R$ 0,47. Mas, nos outros 25 estados da federação o desconto ainda não atingiu esse valor. Em alguns chegam a menos que os R$ 0,41”, disse Leonardo Gadotti, presidente da Plural, entidade que representa as maiores distribuidoras de combustíveis.
Gadotti também acredita que "faltou coerência e transparência" por parte do governo ao comunicar o desconto à sociedade. Segundo ele, quando o consumidor não encontra nos postos de combustível o desconto anunciado "o governo tem colocado a população contra um segmento grande de negócios".
A situação piora quando o governo, mesmo sem explicar o cálculo detalhadamente, afirma que vai usar a força policial para obrigar que os frentistas repassem o tal desconto de R$ 0,46 aos consumidores. Sobre isso, o líder da Plural afirmou que desconhece as bases legais para obrigar os postos a aplicar o desconto anunciado pela União, ele chegou a dizer "a Venezuela começou assim".
A confusão se dá por conta do "mercado brasileiro de combustível é um mercado livre. Ou seja, preços na ponta são livres." Diante desse raciocínio, quem deveria controlar o preço dos combustíveis, independente de subsídios do governo, seria a lei da oferta e da procura de modo que a os postos que não repassarem integralmente o valor do desconto seriam preteridos em troca de outros.
Na prática, porém, incentivos dados pelo governo federal em outras épocas já foram incorporados pelos empresários e o preço repassado aos consumidores quando o governo decidiu cortar a insenção. É por isso que durante a própria gestão do presidente Michel Temer, a equipe econômica estava cortando incentivos herdados do governo da presidente Dilma Rousseff.
Dessa vez, porém, o governo Temer se viu obrigado a ceder à demanda dos caminhoneiros para abaixar o preço do diesel e retomar os incentivos fiscais que marcaram o mandato de sua antecessora.
Além disso, o governo segue pressionado a rever a política de preço dos combustíveis de repasse diário implementada por Pedro Parente no comando da Petrobras. Ele, porém, pediu demissão do cargo na última sexta-feira e deixou o caminho aberto para uma revisão dessa prática ao afirmar que sua permanência no cargo "deixou de ser positiva e de contribuir com as alternativas que o governo tem pela frente."
A notícia assustou o mercado e fez a Petrobras perder cerca de R$ 40 bilhões de valor na Bovespa em apenas um dia. Com o anúncio do diretor executivo da Área Financeira e de Relacionamento com Investidores da Petrobras, Ivan Monteiro, como presidente interino e pouco depois confirmado como definitivo, o mercado se acalmou um pouco.
Na ocasião da confirmação, Temer fez rápida declaração onde disse : “reafirmo que meu governo mantém o compromisso com a recuperação e a saúde financeira da companhia. Continuaremos com a política econômica que nesses dois anos tirou a empresa do prejuízo e a trouxe para o rol das mais respeitadas do Brasil e do exterior. Declaro também que não haverá qualquer interferência na política de preços na companhia”.
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A declaração de Temer, porém, vai de encontro a uma nota emitida pelo Ministério das Minas e Energia que confirmou que o governo discute possível uma possível política de amortecimento de preços dos combustíveis
, a exemplo do que também foi feito com o diesel
, para depois vir a público novamente para negá-la.