O fim da desoneração anunciado pelo governo federal para equilibrar as contas públicas foi criticado por alguns setores empresariais, mas bem-visto por outra parte dos analistas. A decisão foi anunciada para ajudar a cobrir o rombo no Orçamento e alcançar a meta fiscal de 2017. Segundo estimativas do governo, o fim da isenção em quase todos os setores trará R$ 4,8 bilhões aos cofres públicos.
Leia também: Governo anuncia corte nas contas com fim da desoneração da folha de pagamento
Em vigor desde 2011, a desoneração da folha de pagamento beneficia, atualmente, 56 setores da economia, que pagam 2,5% ou 4,5% do faturamento para a Previdência Social, dependendo do setor, em vez de recolherem 20% da folha. Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Valente Pimentel, a decisão de acabar com a desoneração da folha de pagamento é "altamente nociva" para o setor.
Leia também: Reforma não impedirá crescimento de gastos com a Previdência, diz Meirelles
"Prejudica o custo de abastecimento local, a competitividade internacional e a geração de caixa para retomada dos investimentos", disse o executivo. De acordo com Pimentel, a redução da carga tributária era a maneira encontrada para corrigir a oneração excessiva dos setores intensivos em mão de obra. "O nosso setor tem uma concorrência insana externa e interna. Nós vamos jogar mais uma carga de custos das empresas, que já vêm fragilizadas e debilitadas", criticou.
Para o representante do setor têxtil, a medida não condiz com outras ações do governo. "Em um momento em que o governo apresenta um Refis [parcelamento especial de dívidas com a União] para melhorar as condições de fluxo de caixa, ele aumenta o custo empresarial das empresas que permaneceram no vermelho", analisou.
A Federação do Comércio de São Paulo (FecomercioSP) afirmou que "não vê com bons olhos" o fim das desonerações. Segundo o assessor técnico da entidade, José Lázaro de Sá, "o impacto econômico do ajuste fiscal que o governo vem defendendo é insignificante perto da pressão que ele acaba impondo à categoria produtiva, que acaba sempre suportando a recessão econômica".
Sá disse ainda que, apesar de não ser impactado diretamente, o varejo também deve sentir os efeitos negativos de uma medida considerada "inoportuna". "Ela gera uma instabilidade, porque vai na contramão da proposta de desburocratização para destrancar a atividade econômica e impacta no comércio varejista", argumenta.
Você viu?
"Medida sensata"
O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, defendeu as medidas adotadas pelo governo. "O bom senso prevaleceu, e optou-se por contingenciar recursos do Orçamento, pela receita de concessão de ativos da União e por promover a isonomia na forma de recolhimento de algumas contribuições e impostos. Foi uma medida sensata e responsável, que evita um mal maior”, disse, em nota enviada à imprensa.
O pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV), Manoel Pires, acredita que o governo precisou corrigir uma avaliação errada feita no ano passado, quando o Orçamento foi encaminhado ao Congresso com a previsão de crescimento de 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB). A projeção oficial do PIB foi revisada para 0,5%. Além disso, segundo Pires, o governo encaminhou a Lei Orçamentária contando com receitas incertas que precisaram ser revistas, como previsões otimistas com concessões à iniciativa privada.
"Havia uma percepção de que muitos dos problemas na economia tinham a ver com a mudança do governo, e que com a mudança se poderia gerar um ciclo de confiança e voltar a crescer. O problema é que a gente tem questões estruturais, como alavancagem e a crise dos estados, que mostraram que não é só uma questão de confiança", disse o especialista em economia aplicada, que considerou adequada a suspensão das desonerações.
"Eu diria que, das opções que o governo tem, o fim da desoneração é que a parece trazer menor impacto negativo. As outras opções seriam, por exemplo, aumentar o IOF em um mercado de crédito bastante prejudicado e que não sinaliza recuperação". O economista diz ainda que governo poderia ter sido mais "arrojado" e suspendido a desoneração de todos os 56 setores.
A medida anunciada pelos ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, poupa o transporte rodoviário coletivo de passageiros, o transporte ferroviário e metroviário de passageiros, a construção civil e obras de infraestrutura e a comunicação. O economista da FGV destaca que as medidas ainda podem ser suavizadas no Congresso e, por isso, poderiam ter ido além.
"Me preocupa um pouco a questão do médio prazo. Muitas receitas que o governo inclui no cenário fiscal são pontuais, entram neste ano e não nos próximos. O contingenciamento não é sustentável por muito tempo, não se consegue adiar essas despesas indefinidamente. Me parece que, para essa confiança [do mercado] ser atingida, é preciso se engajar em medidas mais estruturais”, ponderou.
Leia também: Henrique Meirelles: economia depende do equilíbrio das contas públicas
Economistas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) também avaliam que a suspensão das desonerações para cerca de 50 setores da economia era a opção para melhorar a situação fiscal com menor impacto negativo para a sociedade.
O professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) e economista da Órama Investimentos, Alexandre Espírito, tem opinião parecida, mas vê possíveis efeitos negativos com o fim da desoneração no curto prazo. "Eventualmente, no curtíssimo prazo, as medidas vão no sentido contrário de crescimento", prevê. "Mas, em economia, a gente se move por expectativa, e o que o governo está tentando fazer, e eu acho adequado, é sinalizar para empresários e investidores internacionais que está corrigindo as distorções do País”, analisou.
* Com informações da Agência Brasil.