Desde que chegou ao Brasil em meados de 2014, a Uber sempre teve destaque entre os consumidores pela qualidade no atendimento e na prestação de serviços. Com o boom do aplicativo em 2016 – ano em que o número de usuários no País saltou de 1 milhão para 8,7 milhões –, no entanto, cresceram também as reclamações e os questionamentos em relação à capacidade de suporte da empresa.
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Segundo dados do Reclame Aqui, a empresa recebeu mais de 30 mil queixas no ano passado, o que a levou ao 16ª lugar entre as companhias mais reclamadas dos últimos 12 meses. Em 2015, o número havia ficado pouco acima de 1,3 mil. A justificativa da Uber para o aumento foi justamente a chegada de um número significativo de novos usuários, rechaçando a possibilidade de queda na qualidade do serviço.
"O que acontece é que a demanda cresce continuamente por esse tipo de serviço, então novos motoristas entram na plataforma constantemente para garantir que os usuários tenham um carro rapidamente. Na prática, com mais motoristas entrando toda semana (mas com os mesmos critérios rígidos de sempre), existe a chance de você pegar um motorista que acabou de entrar na plataforma. Com os feedbacks e as notas, eles se adequam à demanda e ficam com uma média boa. E óbvio, motoristas que ficam abaixo da média de 4.6 são desligados da plataforma", se posicionou a empresa por meio de nota.
Para Cláudio Goldberg, consultor econômico da FGV, existem outros motivos que explicam o crescimento das reclamações. Entre eles, o aumento de preços. Apesar de a empresa negar o acréscimo nas cobranças em 2016, alegando que a única alteração foi a aplicação do Custo Fixo, taxa de R$ 0,75 por corrida que passou a vigorar em janeiro, Goldberg afirma que os consumidores têm percebido valores mais elevados desde o início do segundo semestre do ano passado.
"O consumidor começou a se sentir lesado. Mesmos usuários, mesmas corridas e mesmos horários apresentavam preços diferenciados", afirma o consultor. Ele atribui a alternância de valores à mudanças na tarifa dinâmica, ferramenta utilizada pela empresa para controlar oferta e demanda por meio do aumento momentâneo de preços em determinadas regiões. Goldberg acredita que houve uma elevação no "dinamismo da tarifa", ou seja, que o cálculo responsável por subir o custo da corrida nos momentos em que a oferta é baixa começou a ser aplicado com maior frequência, fazendo com que o preço passasse a ser multiplicado em horários nos quais os clientes não estavam habituados.
O volume de queixas vai ao encontro das afirmações de Goldberg. Do total de reclamações feitas no Reclame Aqui ao longo de 2016, mais de 23 mil foram registradas somente nos últimos seis meses, sendo que o item "cobrança abusiva" foi o terceiro mais reclamado do ano, ficando atrás de "estorno do valor pago" e "dificuldade de cadastro".
A tarifa dinâmica também foi considerada prejudicial por Vitor Lima, professor de marketing digital da ESPM. Ele acredita que o consumidor não consegue entender a precificação aplicada nestes casos. "A tarifa é dinâmica, mas quem faz a conta é a empresa. Não tem uma relação de confiança. Até os motoristas vão reclamar porque afeta o número de corridas que eles fazem. No ano novo teve gente que pagou R$ 400 em trecho de R$ 30. Eu paguei quase R$ 100 numa corrida de R$ 20 e com um motorista de baixíssima avalição", conta.
Lima também contraria a afirmação de que motoristas com avaliação abaixo de 4.6 são desligados da empresa. O professor afirma ter sido levado por um condutor com média de 4.3, além de carros com uma série de problemas. "Eu nunca tinha passado por essa situação. Um dos carros tinha sofrido um acidente três dias antes. Estava amassado, não conseguia levantar o vidro. Outro estava com o banco encharcado. O passageiro anterior devia estar molhado da praia e o motorista, não atencioso, foi embora", relata Lima.
A empresa se defende dizendo que "não houve nenhum tipo de mudança no processo de cadastro de motoristas". Goldberg, no entanto, ratifica o posicionamento de Lima: "No recrutamento de direção começou a entrar muita gente desqualificada. Aumentou muito a oferta mas perdeu muito critério de seleção. Muita gente começou a reclamar não só da qualidade do carro e do conforto, mas também da postura do motorista".
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Outro motivo apontado pelo consultor da FGV para o aumento das reclamações foi a atuação pós-venda da empresa. De acordo com Goldberg, o setor de atendimento ao cliente não foi capaz de suprir a demanda do último ano. "O usuário começou a perceber que motoristas faziam corridas por caminhos mais longos, que as cobranças estavam acima do valor previsto. Ele reclamava e muitas vezes a empresa respondia dizendo que ia estornar e não estornava. A mesma reclamação que antes era devolvida agora esta ficando aberta", exemplifica.
Além da falta de solução para os problemas dos consumidores dentro do próprio aplicativo, os dados do Reclame Aqui também deixam clara a dificuldade da empresa em suportar a grande demanda de queixas. Entre as reclamações publicadas no ano passado, não houve resposta para 21,4% – o que representa mais de seis mil solicitações sem qualquer tipo de retorno. O tempo médio que a companhia leva para responder aos usuários também subiu consideravelmente, passando de 10 dias em 2015 para 17 dias em 2016, enquanto o índice de solução foi de 78,3% para 67,4%.
De acordo com Goldberg, a falta resolução às queixas dos usuários pode ser prejudicial para a imagem da empresa. "No momento em que você começa a ter o aumento da reclamação, você começa a ter o fenômemo do boca a boca. Isso tem muita força pelas redes sociais. Essas questões começam a gerar uma certa insegurança, propagada pelo boca a boca. Inicialmente, quando você abria um chamado, tinha pronta resposta e pronta resolução. Rapidez em resposta e resolução são essenciais", explica o consultor.
Lima acredita que a cultura de solução de problemas faça parte da filosofia da Uber, mas talvez a operação ainda não esteja totalmente consolidada, o que abre precedentes para que os consumidores deixem de procurar os serviços da empresa. "Dificilmente uma organização sobrevive sem que uma gestão de imagem seja feita de maneira plena nos canais digitais. Você vai pesquisar no Google, vai no Reclame Aqui, vai no Twitter. Você faz um mapeamento. Muito da sua decisão tem influência da sua rede", conclui.
A nova interface do aplicativo também foi vista por Goldberg como motivo de insatisfação dos clientes. O especialista diz que as mudanças prejudicaram a usabilidade, dificultando o uso do programa. "O sistema mudou na tentativa de melhorar e muitos usuários reclamaram. Para que o serviço seja consumível e as reclamações não sejam grandes, é preciso que seja de fácil acesso. A nova interface acabou gerando reclamações", finaliza.
A soma de todas essas situações rebaixou a nota da Uber na avaliação dos consumidores no Reclame Aqui: a pontuação geral passou de 6.15 em 2015 para 5.26 ao final do ano passado. A porcentagem de pessoas que voltariam a fazer negócios com a empresa caiu de 74,7% para 66,6%.
Na contramão
Concorrente da Uber, a brasileira 99 trilha um caminho contrário ao da empresa norte-americana. Apesar de um aumento no número de reclamações (de 869 para 2452), todos os índices da companhia nacional no Reclame Aqui tiveram melhora de 2015 para 2016.
A 99, que fechou o último ano com 1,3 milhão de usuários a mais que a Uber, tem pessoas dedicadas exclusivamente às queixas do Reclame Aqui, de acordo com Lídia Gordijo, gerente de atendimento ao usuário da empresa. "Nós procuramos entender porque as reclamações estão acontecendo, se elas tem reincidência, se é algo relacionado à qualidade. Tentamos resolver o problema do nosso usuário para depois reportar para as outras áreas e pensar no tipo de trabalho que vamos fazer para sermos mais proativos e não reativos", diz Gordijo.
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Essas medidas, segundo a gerente, são aplicadas para garantir que a empresa tenha sempre as notas mais elevadas e que os usuários queiram voltar a fazer negócios com a 99. A estratégia tem dado certo: a avaliação dos consumidores subiu de 6.92 em 2015 para 7.25 no ano passado, enquanto a porcentagem de pessoas que voltariam a negociar com a companhia passou de76,6% para 77,4%. Em relação à taxa de resposta, a 99 atendeu a todas as reclamações feitas em 2016, com um tempo médio de retorno que passou de dois dias para apenas nove horas.