O presidente interino Michel Temer teve um motivo importante para se reunir com parlamentares aliados nesta quarta-feira: explicar o projeto que é considerado o carro-chefe do plano de sua gestão para conter o avanço no rombo das contas públicas.
O peemedebista não foi sozinho ao encontro: levou com ele o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, encarregado de detalhar aos congressistas a proposta de emenda constitucional (PEC) que estabelece um teto para o crescimento dos gastos federais - o texto propõe limitar sua alta à variação da inflação por um prazo de até 20 anos.
Mas afinal, qual seria o impacto da aprovação da proposta? Entenda nas respostas às quatro questões a seguir:
1) Como esse teto funcionaria?
Nos últimos anos, as despesas federais (pagamentos de servidores, programas sociais, benefícios da previdência etc.) cresceram bastante - no ano passado, representaram 19,6% do PIB.
Por outro lado, o dinheiro que entra tem diminuído, por causa da crise econômica. É como se o Brasil fosse uma pessoa que gasta cada vez mais e recebe cada vez menos - para este ano, a previsão é que o rombo atinja R$ 170 bilhões, ante os R$ 111 bilhões de 2015.
O teto previsto na proposta do governo serviria para resolver a primeira parte do problema - frear o avanço dos gastos.
Se o texto for aprovado, a partir de 2017 a alta nas despesas do governo ficará limitada à inflação do ano anterior. Ou seja: se o índice for de 5% em um ano, no seguinte os gastos só poderão aumentar em no máximo os mesmos 5%.
Assim, o crescimento real - aquele que só considera o aumento que ultrapassa a inflação - é zero. É como se as despesas não crescessem, apenas fossem atualizadas de acordo com o índice.
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2) De que forma a medida pode ajudar a economia?
Uma das grandes preocupações do governo é diminuir o tamanho das despesas públicas em relação ao PIB (Produto Interno Bruto).
Com gastos em alta e receitas em queda, fica difícil para governo alcançar o chamado superavit primário - dinheiro que "sobra" depois de saldar as despesas, usado para pagar os juros da dívida pública.
Quando o governo registra deficit, o endividamento do país automaticamente cresce, o que desacelera a atividade econômica e afeta a imagem brasileira no exterior - receosos, consumidores e investidores - nacionais e estrangeiros - compram e investem menos.
Com o teto, o governo espera conseguir reequilibrar as contas e retomar a confiança no Brasil.
Fábio Klein, especialista em finanças da Tendências Consultoria, avalia que o objetivo da gestão Temer é "afastar" cada vez mais despesas e receitas. Ele explica que 90% dos gastos federais têm regras que atrelam seu crescimento a algum indicador - como o aumento da própria arrecadação.
"A despesa, como tem regras que fazem ela crescer, dificilmente é reduzida. É sensível ao PIB e às receitas, e aumenta quando a economia vai bem. Por isso, é muito mais persistente e rígida do que a receita, que sofre com a situação econômica ruim e não tem essas regras (que controlam seu crescimento)."
3) Quais são as críticas ao plano do governo?
Especialistas ouvidos pela BBC Brasil disseram que a medida é um sinal positivo, mas ainda vago, do reequilíbrio das contas públicas.
Além do controle dos gastos, eles sentem falta de propostas que visem o aumento das receitas.
Para o professor do Insper João Luiz Mascolo, a pergunta a ser feita é: como o governo Temer vai assegurar mais dinheiro no caixa?
Na entrevista desta quarta, o ministro da Fazenda não falou em aumento de impostos ou privatizações, por exemplo. Apenas disse que, caso o teto fiscal não seja cumprido, o governo será obrigado a limitar subsídios e subvenções, além de não conceder incentivos fiscais.
"O superavit é receita menos despesas, mas o governo só está cuidando das despesas. Sua premissa é de que, com essas ações, a confiança vai aumentar, os investimentos também e teremos mais receita. É muito esotérico, não dá para garantir."
Para Klein, da Tendências Consultoria, faltam medidas adicionais para que a PEC surta o efeito esperado de amenizar o rombo fiscal. Ele cita ações paliativas, como reajustes de tributos, e estruturais, como a reforma da previdência.
"Se apenas essa regra for aplicada, em dez anos não conseguimos reduzir a relação dívida/PIB. Ela é necessária, mas, sozinha não resolve a coisa."
Meirelles afirmou aos jornalistas que o governo deverá tomar outras iniciativas, mas não especificou quais seriam.
"Decidimos neste momento tomar as medidas mais importantes. Estamos propondo aquilo que são as medidas mais duras, o teto e a mudança nos índices de correção de saúde e educação. Se aprovadas, abrem espaço para medidas complementares", afirmou o ministro.
"O importante é ter o teto. O resto é consequência do teto."
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4) O que os gastos com saúde e educação têm a ver com isso?
Nesta quarta-feira, o ministro da Fazenda afirmou que, caso a PEC seja aprovada, as despesas com esses setores também deverão ser limitados à inflação do ano anterior - esse limite pode ser expandido, mas desde que o Congresso aprove cortes em outras áreas.
Hoje, os valores investidos em saúde e educação estão vinculados ao avanço da receita do governo.
Assim que o governo Temer anunciou que as duas áreas entrariam no texto, houve um debate sobre os prejuízos para os serviços, o que o presidente interino negou reiteradamente.
Os especialistas ouvidos pela BBC dizem que é difícil saber como o ensino e o atendimento de saúde serão afetados, mas questionam a necessidade de limitar os gastos desses setores à inflação.
Para eles, seria possível fazer cortes maiores em outros departamentos para dar uma margem maior a essas duas áreas essenciais. Outra ideia seria esperar o resultado alcançado pelo teto fiscal antes de mexer na regra que rege os valores gastos com saúde e educação.
"Poderiam manter a regra atual valendo até o limite do gasto estar funcionando. Se não desse para cumprir o teto, se mexeria em saúde e educação, mas não antes", opina Klein.