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O presidente interino Michel Temer teve um motivo importante para se reunir com parlamentares aliados nesta quarta-feira: explicar o projeto que é considerado o carro-chefe do plano de sua gestão para conter o avanço no rombo das contas públicas.

O peemedebista não foi sozinho ao encontro: levou com ele o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, encarregado de detalhar aos congressistas a proposta de emenda constitucional (PEC) que estabelece um teto para o crescimento dos gastos federais - o texto propõe limitar sua alta à variação da inflação por um prazo de até 20 anos.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO
Henrique Meirelles, acompanhado do ex-diretor do Banco Central, Carlos Hamilton e do economista Mansueto Almeida, durante anúncio dos nomes da nova equipe econômica

Mas afinal, qual seria o impacto da aprovação da proposta? Entenda nas respostas às quatro questões a seguir:

1) Como esse teto funcionaria?
Nos últimos anos, as despesas federais (pagamentos de servidores, programas sociais, benefícios da previdência etc.) cresceram bastante - no ano passado, representaram 19,6% do PIB.

Por outro lado, o dinheiro que entra tem diminuído, por causa da crise econômica. É como se o Brasil fosse uma pessoa que gasta cada vez mais e recebe cada vez menos - para este ano, a previsão é que o rombo atinja R$ 170 bilhões, ante os R$ 111 bilhões de 2015.

O teto previsto na proposta do governo serviria para resolver a primeira parte do problema - frear o avanço dos gastos.

Se o texto for aprovado, a partir de 2017 a alta nas despesas do governo ficará limitada à inflação do ano anterior. Ou seja: se o índice for de 5% em um ano, no seguinte os gastos só poderão aumentar em no máximo os mesmos 5%.

Assim, o crescimento real - aquele que só considera o aumento que ultrapassa a inflação - é zero. É como se as despesas não crescessem, apenas fossem atualizadas de acordo com o índice.

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2) De que forma a medida pode ajudar a economia?
Uma das grandes preocupações do governo é diminuir o tamanho das despesas públicas em relação ao PIB (Produto Interno Bruto).

Com gastos em alta e receitas em queda, fica difícil para governo alcançar o chamado superavit primário - dinheiro que "sobra" depois de saldar as despesas, usado para pagar os juros da dívida pública.

Quando o governo registra deficit, o endividamento do país automaticamente cresce, o que desacelera a atividade econômica e afeta a imagem brasileira no exterior - receosos, consumidores e investidores - nacionais e estrangeiros - compram e investem menos.

Com o teto, o governo espera conseguir reequilibrar as contas e retomar a confiança no Brasil.

Fábio Klein, especialista em finanças da Tendências Consultoria, avalia que o objetivo da gestão Temer é "afastar" cada vez mais despesas e receitas. Ele explica que 90% dos gastos federais têm regras que atrelam seu crescimento a algum indicador - como o aumento da própria arrecadação.

"A despesa, como tem regras que fazem ela crescer, dificilmente é reduzida. É sensível ao PIB e às receitas, e aumenta quando a economia vai bem. Por isso, é muito mais persistente e rígida do que a receita, que sofre com a situação econômica ruim e não tem essas regras (que controlam seu crescimento)."

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 24.05.2016
Michel Temer, acompanhado por Henrique Meirelles, faz anúncio das primeiras medidas econômicas para reverter déficit fiscal, no Palácio do Planalto

3) Quais são as críticas ao plano do governo?
Especialistas ouvidos pela BBC Brasil disseram que a medida é um sinal positivo, mas ainda vago, do reequilíbrio das contas públicas.

Além do controle dos gastos, eles sentem falta de propostas que visem o aumento das receitas.

Para o professor do Insper João Luiz Mascolo, a pergunta a ser feita é: como o governo Temer vai assegurar mais dinheiro no caixa?

Na entrevista desta quarta, o ministro da Fazenda não falou em aumento de impostos ou privatizações, por exemplo. Apenas disse que, caso o teto fiscal não seja cumprido, o governo será obrigado a limitar subsídios e subvenções, além de não conceder incentivos fiscais.

"O superavit é receita menos despesas, mas o governo só está cuidando das despesas. Sua premissa é de que, com essas ações, a confiança vai aumentar, os investimentos também e teremos mais receita. É muito esotérico, não dá para garantir."

Para Klein, da Tendências Consultoria, faltam medidas adicionais para que a PEC surta o efeito esperado de amenizar o rombo fiscal. Ele cita ações paliativas, como reajustes de tributos, e estruturais, como a reforma da previdência.

"Se apenas essa regra for aplicada, em dez anos não conseguimos reduzir a relação dívida/PIB. Ela é necessária, mas, sozinha não resolve a coisa."

Meirelles afirmou aos jornalistas que o governo deverá tomar outras iniciativas, mas não especificou quais seriam.

"Decidimos neste momento tomar as medidas mais importantes. Estamos propondo aquilo que são as medidas mais duras, o teto e a mudança nos índices de correção de saúde e educação. Se aprovadas, abrem espaço para medidas complementares", afirmou o ministro.

"O importante é ter o teto. O resto é consequência do teto."

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4) O que os gastos com saúde e educação têm a ver com isso?
Nesta quarta-feira, o ministro da Fazenda afirmou que, caso a PEC seja aprovada, as despesas com esses setores também deverão ser limitados à inflação do ano anterior - esse limite pode ser expandido, mas desde que o Congresso aprove cortes em outras áreas.

Hoje, os valores investidos em saúde e educação estão vinculados ao avanço da receita do governo.

Assim que o governo Temer anunciou que as duas áreas entrariam no texto, houve um debate sobre os prejuízos para os serviços, o que o presidente interino negou reiteradamente.

Os especialistas ouvidos pela BBC dizem que é difícil saber como o ensino e o atendimento de saúde serão afetados, mas questionam a necessidade de limitar os gastos desses setores à inflação.

Para eles, seria possível fazer cortes maiores em outros departamentos para dar uma margem maior a essas duas áreas essenciais. Outra ideia seria esperar o resultado alcançado pelo teto fiscal antes de mexer na regra que rege os valores gastos com saúde e educação.

"Poderiam manter a regra atual valendo até o limite do gasto estar funcionando. Se não desse para cumprir o teto, se mexeria em saúde e educação, mas não antes", opina Klein.

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