O presidente interino Michel Temer e o novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciaram nesta terça-feira (24) uma série de medidas econômicas que têm o objetivo de destravar a economia.
Mas até que ponto essas medidas de fato podem ajudar a resolver o problema das contas públicas e permitir que o país volte a crescer?
A BBC Brasil consultou analistas de diversas linhas teóricas sobre o tema para explicar as três medidas mais importantes do pacote. Confira:
1 - PEC que limita gastos do governo
Temer e Meirelles anunciaram que apresentarão ao Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) fixando um teto para os gastos do governo.
Segundo o presidente, a ideia é estabelecer que os gastos só possam crescer o equivalente à inflação do ano anterior.
Eles também deixaram claro que as áreas de saúde e educação não devem ser poupadas nesse processo.
Hoje, as despesas nessas áreas crescem sempre que a receita do governo aumenta porque há regras que estabelecem que uma porcentagem de tudo que é arrecadado deve ser gasto nesses setores.
Segundo Meirelles, é "fundamental" que essas áreas sejam parte da PEC e do "processo de mudança".
A proposta da PEC, porém, divide analistas. Thiago Biscuola, economista da RC consultores, é um dos que avaliam a medida como "positiva".
"Com isso você vai impedir o governo de aumentar muitos os gastos, mesmo se o país estiver crescendo - o que é positivo", opina. "Desde os anos 90, os gastos do governo vêm crescendo mais que a economia e podem continuar a subir se não houver um freio."
Outros analistas, porém, veem na emenda uma ameaça principalmente às áreas de educação e saúde.
"Precisamos saber como vai ser essa desvinculação, porque essas áreas são fundamentais para que possamos manter as conquistas sociais dos últimos anos", diz Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e professor da Unicamp. "Trata-se de um sistema de proteção importante para o sujeito que não tem renda."
"Se houver uma redução na provisão desses serviços e em sua qualidade, sofrerão justamente as camadas mais vulneráveis da sociedade", concorda Amir Khair, especialista em gastos públicos e ex-secretário da Fazenda da gestão Luiza Erundina em São Paulo.
As dificuldades que podem ser enfrentadas pelo governo para a tramitação da PEC no Congresso também são um tema que divide opiniões.
Para Biscuola, sua aprovação é uma incógnita. "Espero que o Congresso seja consciente sobre a necessidade de reequilibrar as contas públicas, mas hoje não dá para saber se o projeto passará. Também é possível que sejam sugeridas mudanças", diz ele.
Já Arthur Barrionuevo Filho, professor da FGV-SP , acha que os parlamentares devem passar as medidas, porque hoje têm uma relação mais próxima com o Executivo. Para ele, a aprovação iria firmar essa aliança, compremetendo os parlamentares com um novo projeto para a economia.
2. R$ 100 bilhões do BNDES
No anúncio desta terça-feira, o governo disse que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) deve devolver R$ 100 bilhões ao Tesouro Nacional nos próximos três anos.
Esse dinheiro faz parte da dívida que o banco - que apoia e financia diversos segmentos econômicos - tem com o Tesouro.
Segundo o presidente interino Michel Temer, assim que a medida passar por análise jurídica, para verificar se há alguma irregularidade, serão devolvidos R$ 40 bilhões. Outras duas de R$ 30 bilhões serão repassadas nos próximos dois anos.
Temer lembrou que o Tesouro injetou mais de R$ 500 bilhões no BNDES nos últimos anos, para que a instituição aumentasse empréstimos a empresas a fim de aquecer a economia.
De acordo com o presidente interino, a medida vai permitir economizar R$ 7 bilhões por ano.
A ação também divide especialistas.
Para Barrinuevo, ela é acertada porque aproveita recursos que estão ociosos no banco para ajudar a economia. Ele explica que, na crise, a demanda por empréstimos do BNDES cai, porque ninguém está investindo. Nesse cenário, o dinheiro ficaria parado.
Khair discorda. Para ele, os R$ 100 bilhões da instituição não vão fazer diferença, porque todos os meses o governo tem que pagar R$ 50 milhões só de juros da dívida pública.
"Ou seja, tudo que vai ser pago pelo BNDES representa o que pagamos em juros em dois meses. A dívida não vai ser controlada enquanto a taxa básica de juros da economia não cair para níveis 'normais' do resto do mundo", Khair.
"O problema é que as medidas anunciadas hoje não dão conta do principal problema atual: a alta taxa de juros e suas consequências sobre a dívida pública. E enquanto você tiver uma equipe econômica liderada por banqueiros, acho pouco provável que esse problema seja resolvido."
3. Fundo do pré-sal
Temer também propôs a extinção do Fundo Soberano, criado em 2008 para ser uma espécie de poupança dos recursos do pré-sal.
A ideia era que o fundo - criado em um momento em que o governo arrecadava mais do que gastava - seria usado em tempos de crise.
"Hoje o patrimônio do fundo está paralisado em R$ 2 bilhões", disse Temer. "Vamos extinguir e trazer esses R$ 2 bilhões para cobrir o endividamento público."
Biscuola, da RC Consultores, diz que a iniciativa é válida, mas os recursos do fundo são pouco significativos dado que só o déficit fiscal do orçamento neste ano deve ser de R$ 170 bilhões, conforme anunciado pela equipe econômica na sexta-feira.
"Na realidade esses recursos já estavam sendo utilizados. Aparentemente sobrou um pouco e o governo vai usar para abater a dívida, mas certamente não são esses R$ 2 bilhões que vão fazer a diferença", diz o analista.