Há certo consenso de que a recessão econômica ajudou a derrubar a popularidade da presidente Dilma Rousseff (PT), criando condições para o processo de impeachment que deve ser levado para apreciação do Senado em algumas semanas.
Mas o que esperar, então, de um eventual governo do vice Michel Temer na área econômica, caso o afastamento de Dilma seja aprovado? Como ele pretende lidar com a recessão que ceifa empregos e comprime a renda dos brasileiros?
Ao menos no curto prazo, a avaliação de analistas consultados pela BBC Brasil é a de que o vice deve apostar em medidas que deem um "aceno" aos mercados financeiros, mostrando que ele está comprometido com o ajuste fiscal – embora haja divergências entre economistas de diferentes correntes teóricas sobre se essa seria uma boa estratégia.
Isso significa, inclusive, a adoção de medidas impopulares como um eventual aumento de impostos, além de outras menos polêmicas como o corte de ministérios.
No médio prazo, a avaliação de analistas é que a grande aposta do vice seria uma reforma da Previdência, com inclusão da idade mínima de aposentadoria – apesar de isso também poder gerar uma resposta das ruas e de seu eventual apoio no Congresso para o projeto ser incerto.
"O mercado está com boa vontade com Temer, parece ver no vice uma luz no fim do túnel", diz Alessandra Ribeiro, economista da Consultoria Tendências.
"E até para evitar perder esse apoio, a sua estratégia, caso chegue à presidência, deve começar por indicar uma equipe econômica ortodoxa."
Entre os nomes que estariam sendo cotados, segundo rumores que circulam no mercado, estão o do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú, estaria sendo considerado para o Banco Central.
"Como esse aceno aos mercados, o vice poderia ganhar algum alívio para pensar em reformas ou projetos mais amplos. O real a se manteria valorizado por um tempo - o que ajudaria no controle da inflação. Os juros também tendem a cair com essa melhora das expectativas, o que no médio prazo melhora as condições para os investimentos", completa Ribeiro.
Para Marcos Molica, sócio-responsável pela gestão de recursos da Rosenberg Partners, entre as medidas de curto prazo que devem ser analisadas pelo vice, caso chegue à Presidência, também está o corte de ministérios e do número de cargos comissionados. "Essas são medidas de baixo impacto fiscal, mas com um peso simbólico muito importante", diz.
Tanto Molica quanto Ribeiro acham difícil, porém, que uma eventual gestão Temer consiga evitar um aumento de impostos – apesar da polêmica que isso cria.
O problema é que o governo já está prevendo um rombo nas contas públicas de mais de R$ 100 bilhões este ano. E, com a queda da arrecadação provocada pela recessão, analistas dizem que será difícil para o governo cumprir as metas de superávit sem uma nova fonte de arrecadação.
No ano passado, o governo Dilma tentou recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) para arrecadar mais de R$ 30 bilhões – sem sucesso.
A pressão sobre um eventual governo Temer para cumprir as metas seria ainda maior tendo em vista que a própria Dilma acabou processada por irresponsabilidade fiscal em função de uma manobra contábil (a chamada pedalada).
"No curto prazo, o governo vai ter de achar uma forma de ampliar a receita para fechar a conta - isso será inevitável", diz Molica.
"Uma opção menos polêmica seria um aumento da Cide (o imposto sobre combustíveis)", acredita Ribeiro.
Mas e os empresários da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que têm sido uma grande fonte de apoio para o vice, mas dizem não tolerar um aumento de impostos, como reagiriam?
Para Ribeiro, isso ainda é uma incógnita – a criação de impostos de fato poderia criar alguma tensão na relação.
Já Molica acha que "empresários podem aceitar um aumento dos imposto temporariamente para ajudar a resolver a questão do orçamento." "Eles sabem que sem equilíbrio fiscal não voltaremos a crescer", diz.
Ponte para o Futuro
Temer parece ciente de que a economia deve ser um de seus maiores desafios caso chegue à Presidência.
Ainda em outubro, o vice apresentou à imprensa um documento da Fundação Ulysses Guimarães com indicações do que poderia ser o seu governo nessa área - o Ponte para o Futuro.
"Ele (esse documento) é um norte (para um eventual governo Temer) porque já foi muito debatido com a sociedade e com o PMDB e expressa as posições que o partido vem adotando ao longo de sua própria história", disse a BBC Brasil Wellington Moreira Franco, presidente da Fundação Ulysses Guimarães, ex-ministro da Aviação Civil e um dos mais próximos colaboradores de Temer.
"Sempre fomos favoráveis ao equilíbrio fiscal, a uma administração favorável da dívida com taxas de juros civilizadas – e com o governo gastando o que pode. As famílias gastam o que podem. Poucas pagam dívidas com novas dívidas. E o que o governo fez foi isso, por isso chegamos a essa situação de desequilíbrio fiscal."
O Ponte para o Futuro segue a mesma linha de raciocínio, identificando o desequilíbrio fiscal como uma das principais causas da crise.
O documento defende as reformas tributária e trabalhista. Também o destrave do programa de concessões nas áreas de logística e infraestrutura. E uma maior abertura comercial, com a busca de acordos comerciais com Estados Unidos, União Europeia e Ásia ("com ou sem a companhia do Mercosul, embora preferencialmente com eles").
Sobre impostos diz o seguinte: "Qualquer ajuste de longo prazo deveria, em princípio, evitar aumento de impostos, salvo em situação de extrema emergência e com amplo consentimento social."
São a reforma da Previdência e do orçamento, porém, os projetos que mais recebem atenção, havendo um capítulo dedicado a cada um deles – e são também os mais polêmicos.
No que diz respeito à Previdência, o texto defende a idade mínima para aposentadoria para aliviar as contas públicas e se diz a favor de uma revisão da regra para o reajuste dos benefícios, eliminando a indexação de benefícios ao salário mínimo.
"Esse tema da Previdência vem sendo discutido desde o final do século passado, com Fernando Henrique Cardoso, depois no governo Lula. Mesmo no governo Dilma projetos foram mandatos para o Congresso nesse sentido", diz Moreira Franco.
"Precisamos discutir esse problema, mas isso não significa que qualquer medida será tomada sem respeito a direitos adquiridos."
Questionado sobre se o partido não teria os mesmos problemas para aprovar esse projeto no Congresso, ele diz que a tradição do PMDB sempre foi de "negociar, discutir e debater". "O PMDB cresceu respeitando o contraditório. Problemas fazem parte da vida", diz.
Orçamento
Sobre o orçamento, o texto defende uma revisão das despesas públicas obrigatórias - e em especial da vinculação de gastos com educação e saúde.
Também se diz a favor do que define como "orçamento base zero", um sistema no qual a cada ano os programas estatais seriam reavaliados por um comitê independente que definiria se seriam interrompidos ou teriam continuidade.
Em função dessas menções, analistas acreditam que uma reforma na Previdência e o fim da vinculação de gastos poderiam ser as apostas de médio prazo de um eventual governo Temer para começar a desatar o nó górdio da crise econômica brasileira.
"Com um governo tão curto, não dá para tentar fazer uma série de reformas complexas simultaneamente, então o projeto Temer deve ser o de apostar nessas mudanças que trariam melhorias para a questão das contas públicas", diz Ribeiro, da Tendências.
"E acho que se ele precisar escolher um grande projeto vai ser a reforma da Previdência."
Molica considera a aposta correta. "Há anos a dinâmica dos gastos da Previdência é vista como um dos principais problemas para o controle dos gastos públicos. Se Temer conseguisse resolver essa questão deixaria um legado importante, embora para isso precisará de apoio do Congresso, o que não é trivial", diz.
Já o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, heterodoxo, acha que, mesmo sem entrar no mérito específico da reforma, um governo Temer erraria com uma pauta que repete o "mantra do mercado" de "corte de gastos" e "ajuste fiscal duro".
"O ajuste foi o que ajudou a derrubar a economia no segundo governo Dilma", diz ele.
"Colocar as contas públicas em ordem é importante, mas não basta. Se um eventual governo Temer não focar em crescimento, em políticas de estímulo, pode até experimentar um período curto de euforia dos mercados, mas quando ficar claro que a economia não está respondendo isso vai acabar", opina.
Fogo amigo
Mesmo entre líderes do PMDB há quem discorde que o ajuste nos moldes proposto seria o ideal.
O senador Roberto Requião, que está no partido há três décadas, por exemplo, disse recentemente à BBC Brasil que o Ponte para o Futuro, causaria a "maior crise social da história do Brasil".
"É uma espécie de protocolo dos sábios do mercado. É mais radical do que toda a operação fiscal do (ex-ministro da Fazenda) Joaquim Levy, que beneficia o capital especulativo e prejudica duramente o trabalho. É pior do que o que se propôs para Grécia, Itália, Portugal e Espanha", disse.
Para Moreira Franco, as críticas são improcedentes, e ele enfatiza que falar em equilíbrio fiscal não equivale a falar em cortes de programas sociais.
"O governo tem de gastar menos. A máquina pública é inchada e seus gastos são descontrolados. Os benefícios fiscais chegam a R$ 60 bilhões a diversos setores da economia", diz ele.
"(Um dos resultados é que) o Bolsa Família não reajusta desde 2014, o Fies (programa de financiamento estudantil) teve um corte brutal, o Pronatec (programa do governo federal voltado para o ensino técnico) está praticamente parado – e tudo isso por falta de dinheiro. O que precisamos é criar segurança jurídica, perspectivas de regras claras. As concessões terão de ser retomadas nesse ambiente – aí você gera emprego e renda."
Para Carlos Melo, cientista político do Insper, o que cria incertezas sobre as políticas econômicas de um eventual novo governo Temer é que "a pauta econômica atual é bastante impopular".
"É preciso cortar gastos. Então é difícil saber qual seria o empenho e a capacidade de Temer em implementar essa pauta, principalmente se houver pressão das ruas", opina.
Shannon O'Neil, especialista em América Latina do think tank americano Council on Foreign Relations, concorda. Na avaliação dela, "o Ponte para o Futuro foi visto como uma sinalização positiva dentro e fora do Brasil, mas causa preocupação o fato de que Temer não chegaria ao poder por eleições e sim por um impeachment".
"Ele teria de trabalhar duro para formar uma coalizão para fazer essas mudanças estruturais", diz ela, acrescentando, que, internacionalmente seu apoio também dependeria dos rumos da Lava Jato.
Molica tem perspectivas mais otimistas sobre a capacidade de Temer implementar a agenda proposta – e seus resultados. "Temos um cenário um pouco mais positivo. A inflação está cedendo, por exemplo - o que pode criar algum espaço para se cortar juros", diz ele.
"Também há um reconhecimento de boa parte da sociedade de que é preciso tomar medidas mais duras para evitar que a situação piore. Empresários podem aceitar um aumento dos imposto temporariamente para ajudar a resolver a questão do orçamento. E o próprio Temer tem um entendimento de que se não fizer o ajuste fiscal a situação da economia vai piorar - e ele também seria responsabilizado por isso."
"Também há um reconhecimento de boa parte da sociedade de que é preciso tomar medidas mais duras para evitar que a situação piore. E o próprio Temer tem um entendimento de que se não fizer o ajuste fiscal a situação da economia vai piorar - e ele também seria responsabilizado por isso."