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Quando o Rio de Janeiro ganhou, em 2009, o direito de sediar os Jogos Olímpicos de 2016, batendo Chicago, Tóquio e Madri, o Brasil ainda celebrava o crescimento de mais de 5% do PIB no ano anterior e vivia um clima de relativo otimismo. Agora, a 200 dias da Olimpíada e mergulhado em uma profunda crise, o país é o primeiro, nas últimas três décadas, a receber os Jogos em situação de recessão econômica.

País é o primeiro, nas últimas três décadas, a receber os Jogos em situação de recessão econômica
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País é o primeiro, nas últimas três décadas, a receber os Jogos em situação de recessão econômica

E em meio aos prognósticos de que a situação neste ano não melhorará, a BBC ouviu economistas e analistas para saber se os Jogos poderão agravar ainda mais o cenário ou até trazer benefícios econômicos.

"Quando falamos sobre retorno econômico financeiro, a conta parece não fechar em lugar nenhum do mundo", diz o economista Juan Jensen, ‎da 4E Consultoria e professor do Insper. Para ele, o balanço financeiro dos Jogos é "deficitário".

"Com muita habilidade, você consegue tornar os benefícios futuros maiores do que os custos – mas no Brasil normalmente a tendência é sempre subestimar os custos e superestimar os benefícios."

O especialista em Gestão, Marketing e Direito no Esporte da FGV Pedro Trengrouse, que foi consultor da ONU para a Copa, afirma que os Jogos Olímpicos "são um bom negócio para o COI (Comitê Olímpico Internacional), mas nem tanto para o país-sede.

"É preciso desmistificar essa ideia de que Jogos Olímpicos têm o poder de transformar a realidade de uma cidade. Sem o sacrifício do povo, é impossível fazer isso. Por isso, quando se faz plebiscito sobre sediar a Olimpíada, o povo diz que não, como aconteceu em Hamburgo, Munique, Oslo. Ninguém quer pagar essa conta."

Sem o "lucro" imediato com o evento, a melhor estratégia, segundo Jensen, é fazer das duas semanas de Jogos uma "bela festa" para que isso contribua para a imagem do Rio de Janeiro como destino turístico - algo que pode gerar ganhos econômicos à cidade e ao país no futuro.

"Para um país como o Brasil, que tem carência social em muitas áreas, não parece ser racional usar o nosso dinheiro pra sediar uma Olimpíada. Mas já que a gente já se comprometeu e já gastou, tem que fazer a melhor festa possível."

"O turismo pode ter um efeito positivo líquido. Isso foi comprovado depois da Copa. E o turista que veio e gostou pode voltar outras vezes. Se for um evento bem feito, poderemos colher esses frutos depois."

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, manifesta otimismo, apesar da crise econômica e política do país - e do caos do sistema de saúde enfrentado pelo Estado do Estado do Rio de Janeiro. Os custos, pelo menos, não terão impacto discernível.

"Somado tudo que a prefeitura gastou em saúde e educação, de 2009 até agora, incluindo 2016, são R$ 65 bilhões. Em estádios, a prefeitura do Rio gastou R$ 650 milhões nestes oito anos. Um por cento do que a gente gastou em saúde e educação. Não há esse dilema", afirmou Paes.

Custos x benefícios

Um dos grandes críticos do argumento de que sediar grandes eventos esportivos traz benefícios para um país, o jornalista britânico Simon Kuper - coautor do livro Soccernomics - diz que são contestáveis até mesmo os ganhos no setor de turismo que os Jogos Olímpicos ou a Copa do Mundo podem trazer.

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O Parque Olímpico, que está previsto para receber a grande maioria das modalidades, tem 95% de suas obras concluídas
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O Parque Olímpico, que está previsto para receber a grande maioria das modalidades, tem 95% de suas obras concluídas

"Isso sempre é dito. Na Inglaterra, antes de sediarmos a Eurocopa de 1996, diziam que lugares como Sheffield iriam se apresentar ao mundo e se tornar um destino turístico. Mas isso não aconteceu", afirmou.

"O fato de que houve algumas partidas de futebol em Manaus durante a Copa, por exemplo... Isso não parece ter tido um impacto duradouro na visão das pessoas sobre aquela cidade."

Kuper reconheceu que o fato de sediar próxima Olimpíada colocou o Rio de Janeiro sob holofotes internacionais, mas que isso também pode ter um impacto negativo.

"É verdade, o país consegue mais publicidade, mas pode ser publicidade negativa também. Boa parte do que se fala sobre o Rio hoje são coisas ruins, sobre a falta de segurança, transporte ruim, trânsito caótico. Então assim como pode ser positivo para o turismo, pode ser negativo também."

Concluindo, o britânico afirmou que, do ponto de vista econômico, os Jogos Olímpicos trazem sempre mais perdas do que ganhos.

"Acho que a Olimpíada nunca é um bom negócio para praticamente nenhum país. Custa muito dinheiro e você acaba ficando com todas essas instalações esportivas de que você não precisa. O Brasil já teve essa experiência com a Copa, quando construiu um monte de estádios que não são usados, como Manaus e Natal."

"Vocês viram isso na Copa. Muitos dos turistas eram argentinos, chilenos ou outros sul-americanos que foram ao Brasil de carro, só por alguns dias, e depois foram embora. Então o aspecto econômico dos Jogos é muito fraco. O COI não dá dinheiro nenhum para o país, mas leva tudo embora depois."

Perspectiva

Apesar dos gastos enormes para criar uma infraestrutura para os Jogos, alguns analistas acreditam que seu grande benefício pode estar no que fica para a cidade-sede.

O exemplo positivo sempre utilizado como "modelo" para o Rio foram os Jogos de Barcelona em 1992. À época, o evento teve um orçamento bastante alto para os padrões, mas o legado deixado para a cidade – que hoje é um dos principais destinos turísticos do mundo – é citado até hoje.

Parque Radical, em Deodoro, que sediará as provas de canoagem, foi inaugurado em dezembro e será usada como piscina pública
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Parque Radical, em Deodoro, que sediará as provas de canoagem, foi inaugurado em dezembro e será usada como piscina pública

O diretor do Centro de Estudos Olímpicos e do Esporte da Universidade Autônoma de Barcelona, Emilio Fernández Peña, argumenta que a Olimpíada pode ser um excelente negócio para um país se for vista como uma "oportunidade de investimento".

Peña calculou que o custo de organizar o evento em si – estádios, cerimônia de abertura e encerramento, segurança, etc – fica, em média, em 15% ou 20% do orçamento. "Os outros 80%, pela perspectiva europeia, são investidos em criar infraestrutura para a cidade, metrô, mobilidade urbana. E isso vai ficar depois dos Jogos", reforçou.

O orçamento olímpico atual está em R$ 38,6 bilhões – mais de R$ 10 bilhões acima do que foi planejado na candidatura que levou o Rio de Janeiro a sediar os Jogos (à época, falava-se em um orçamento de R$ 25,9 bilhões).

Cerca de 64% desse valor, segundo a organização, é destinado às obras de legado – são mais de R$ 24 bilhões gastos em obras como a de metrô que ligará a zona Sul à zona Oeste (onde fica o Parque Olímpico), a do BRT, entre outras. 

O estudioso de Barcelona, porém, ressalta que é preciso não criar expectativas superestimadas para o legado olímpico no Rio. "Os Jogos Olímpicos não produzem milagres. Isso é uma coisa que precisa ficar clara. Eles contribuem para melhorar o país, melhorar a imagem do país, podem ser usados para melhorar infraestrutura esportiva. Mas não podem mudar tudo."

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