O ano atual é 2022, mas o mundo parece ter regredido pelo menos 30 anos. Afinal, guerras de larga escala, estados com medidas autoritárias e, sobretudo, ameaças de confisco voltaram a ser pauta dos jornais.
Vladimir Putin, presidente da Rússia, estipulou a possibilidade de confisco de bens. Antes dele, o primeiro-ministro do Canadá Justin Trudeau abriu a possibilidade de congelamento de contas no país.
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E aos poucos o que parecia ser uma excentricidade latino-americana chegou ao chamado “Primeiro Mundo”. Mas se engana quem pensa que confiscos ou bloqueios são algo raro, pois a história global está recheada desse tipo de medida, pois até países ricos já impuseram confiscos em algum momento.
No texto de hoje você vai conhecer cinco histórias de países que congelaram ou fizeram confiscos diretos do dinheiro da população.
Chipre (2013)
Em março de 2013, a economia do Chipre, país-ilha situado no mar Mediterrâneo, vivia uma grave situação. O alvo era o Bank of Cyprus, maior banco do país e que passava por um grande risco de insolvência.
Para evitar a falência, o governo elaborou um plano que foi implementado em duas etapas. A primeira foi o fechamento de todos os bancos cipriotas, o que impediu as pessoas de retirarem dinheiro de suas contas. Esta medida foi implementada para evitar que uma corrida bancária causasse a falência do sistema bancário local.
O segundo passo foi o confisco de fato, que atingiu todas as contas com mais de 100 mil euros. As contas que tivessem acima desse valor teriam 30% de seus recursos confiscados. O dinheiro em seguida seria incorporado ao patrimônio do banco, salvando-o da falência.
Em suma, os cipriotas tiveram um terço do seu patrimônio “doado” para salvar bancos da falência. Mas algumas pessoas conseguiram evitar o confisco utilizando uma certa criptomoeda laranja. E sim, esta foi a primeira vez que o Bitcoin (BTC) foi utilizado como ferramenta de proteção em uma crise.
Corralito (Argentina, 2002)
Um dos maiores confiscos da América do Sul completou 20 anos em dezembro de 2021. Durante quase nove anos, o peso argentino foi atrelado ao dólar, o que deu ao país um período de estabilidade. Além disso, os argentinos podiam usar tanto o peso quanto o dólar como moedas correntes.
Contudo, essa paridade acabou sendo comprometida pela incompetência política até ser abolida por completo em junho de 2001. Mas foi em 3 de dezembro que o famoso corralito entrou em vigor. Naquela data, os argentinos experimentaram um confisco completo dos dólares em suas contas bancárias.
Resumidamente, todas as contas bancárias do país foram congeladas por 12 meses, permitindo o saque de apenas 250 pesos por semana. A retirada de dólares, por outro lado, foi totalmente proibida. Da noite para o dia, milhares de pessoas estavam sem dinheiro para comprar itens básicos.
O ato mais grave, contudo, foi a “pesificação” de todos os depósitos em dólar, feita em fevereiro de 2002. Quem ainda possuía dólares nos bancos os viu serem integralmente confiscados pelo governo, que converteu todos os valores em peso à taxa oficial de 1,40 pesos por dólar. No entanto, a taxa de câmbio paralela era quase 100% maior, o que significa que os argentinos perderam dinheiro.
Esses confiscos causaram enormes protestos e saques nas ruas e estabelecimentos, bem como deixou uma forte marca cultural em nossos hermanos . Um exemplo disso é que até hoje os argentinos não guardam mais dólares nos bancos, e se tornaram o país mais aberto às criptomoedas na América Latina.
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Crise de liquidez no Líbano (2019)
O Líbano também foi afetado por uma onda de congelamentos de contas bancárias em meados de 2019. As razões foram similares ao caso argentino: desvalorização da moeda, alta inflação e endividamento do estado libanês.
Em setembro ocorreu o primeiro grande protesto, e de pronto o governo respondeu com medidas drásticas. Como resultado, os bancos libaneses fecharam por um período de duas semanas, algo inédito na história do país.
Posteriormente houve uma reabertura bancária, mas aí veio o corralito libanês. Os saques em dólares foram completamente proibidos pelo governo, apesar da ausência de um controle de capital oficial. Isso levou os cidadãos a perderem a confiança na libra libanesa, cujo valor afundou em poucos meses.
No quarto trimestre de 2019, a taxa de câmbio do mercado negro atingiu a marca de 1.600 libras por dólar. Mas em abril de 2020 ela já valia, 14 mil libras. Como o dólar era amplamente usado no país, a restrição afetou o comércio local. Cerca de 785 restaurantes e cafés fecharam entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020, resultando na perda de 25.000 postos de trabalho.
A inflação, por outro lado, cresceu para 580% desde outubro, resultando na pior crise econômica em décadas. Em março de 2020, o Líbano anunciou o primeiro calote da sua dívida em toda a história do país.
Estados Unidos (1933)
Por serem a maior economia do mundo, os EUA gozam do status de bom pagador – o selo AAA, como classificam as agências de risco. Portanto, seria um absurdo imaginar que este país daria um calote, certo? Só que não.
De fato, os EUA já deram um calote em sua história. Isso ocorreu em 5 de abril de 1933, quando o país ainda vivia sob um padrão-ouro. Os cidadãos americanos podiam guardar tanto dólares quanto ouro em suas casas ou nos bancos.
Naquele ano, o governo emitiu a famosa Ordem Executiva 6102, que obrigou todos os cidadãos do país a entregarem seu ouro ao governo. Em troca, o governo lhes pagaria US$ 20,67 por onça-troy, medida que corresponde a 31,1 gramas de ouro.
Após o confisco do ouro, o governo desvalorizou o dólar através da inflação, fazendo o preço da onça-troy subir para US$ 35. Na prática, houve um confisco tanto direto (a tomada do ouro em si) quanto indireto (desvalorização do dólar). A posse de ouro pelos cidadãos foi proibida e criminalizada, algo que só foi revogado em 1975.
Plano Collor (1990)
Por fim, o exemplo mais famoso e também o mais próximo do Brasil foi o Plano Brasil Novo, implementado no governo Fernando Collor de Mello. Por isso o plano também ficou conhecido pelo infame nome de Plano Collor.
Estes planos tinham como objetivo combater a alta inflação que assolava o Brasil nas décadas de 1980 e 1990. O mais destrutivo desses planos foi o Collor I, implementado em 15 de março de 1990, que estipulou o famoso confisco das poupanças.
O Plano Collor foi composto por nove medidas, mas as três mais famosas foram as seguintes:
- 80% de todos os depósitos das contas correntes ou das cadernetas de poupança que excedessem a NCz$ 50mil (cruzado novo) foram congelados por 18 meses. Durante esse período, os depósitos receberiam uma rentabilidade equivalente a taxa de inflação mais 6% ao ano;
- Substituição da moeda corrente, o cruzado novo , pelo cruzeiro à razão de NCz$ 1,00 = Cr$ 1,00;
- Criação do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), que incidiria sobre todos os ativos financeiros, transações com ouro e ações e sobre todas as retiradas das contas de poupança.
Com o congelamento das contas, milhares de brasileiros ficaram sem acesso ao seu dinheiro, do qual muitos dependiam para sobreviver. A medida foi catastrófica e causou a morte de milhares de pessoas, muitas das quais cometeram suicídio.
Para completar, a inflação foi aplacada apenas parcialmente, mas depois retornou ainda mais forte que antes. O dinheiro congelado nunca foi integralmente devolvido, e vários pedidos de restituição ainda tramitam na Justiça mais de 30 anos depois.
No final de 2021 o canal HBO Max lançou um documentário intitulado Confisco , que conta a história do Plano Collor I e suas consequências.