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A advogada Gabriela Araujofoi a entrevistada do Brasil Econômico ao Vivo desta quinta
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A advogada Gabriela Araujofoi a entrevistada do Brasil Econômico ao Vivo desta quinta

"Não existe democracia sem participação popular". A frase é de Gabriela Araujo , mestre e doutoranda em Direito Constitucional pela PUC-SP e apresentadora do programa Diversas: O direito por Elas, no canal da OAB-SP. Ela foi a entrevistada desta quinta-feira (5) da live Brasil Econômico ao Vivo, do Portal iG.

De acordo com Gabriela, a população brasileira - e esse fenômeno é visto também em outros países, como nos Estados Unidos -, clama por uma participação maior no processo democrático, e isso é ilustrado pelas movimentações nas redes sociais.

"Esse grande fórum anárquico das redes sociais não existia antes, não existia há 10 anos. É claro que as pessoas tem sido muito rotuladas: esquerda, direita, comunista, coxinha, mas o aumento da participação tem um lado bom", diz. "A gente tem uma democracia muito pautada na representatividade, sem controle social", continua.

Para a especialista, esse impulso de interessa pode aumentar a instumentação de referendos, plebiscitos e audiências públicas. "Há muito tempo a política é feita a portas fechadas. É preciso trazer o eleitorado para perto. No Brasil, nós temos plebiscito e referendo, mas só votamos duas vezes. É impressionante, é muito pouco. É muito diferente do que ocorre em países como a Itália e a França, onde a democracia é mais assumida por conta da participação popular."

Representatividade das minorias na política

Outro assunto bastante tratado na live do portal iG foi a necessidade de aumentar a participação e o respeito por grupos minorizados na política nacional. Um exemplo do problema é a violência de gênero nos espaços de poder: de acordo com uma pesquisa do Instituto Marielle Franco 78% das candidatas mulheres negras da política sofreram violência virtual.

Para Gabriela Araújo, a violência política de gênero é um espelho do machismo institucional. Ela explica: "Mulheres passaram a ter direito a voto só em 1932. Só em 2018, com as cotas afirmativas para campanhas femininas, as mulheres chegaram a 15% do parlamento, é muito pouco. E, quando chegam, são esteriotipadas e rechaçadas quando tentam ser mais assertivas. Um exemplo é o caso da Marielle. O que ela sofreu foi violência política de gênero, por ser mulher, preta e de periferia", denuncia.

O banheiro no plenário do Senado Federal foi uma conquista conseguida só em 2016. Antes, elas tinham que usar o do restaurante, porque o senado não estava preparado para receber mulheres senadoras", continua Gabriela, afirmando que não basta apenas lutar para ocupar espaços; é preciso conseguir respeito nesse meio. "Se não houver apoio da sociaedade civil, vai ser mais dificil ainda."

Gabriela ainda traz alguns números que ilustram a pequena participação feminina na política que brasileira. Segundo ela, o Brasil está na posição 143 do ranking, com 15% de participação feminina. A média das Américas é 30%, enquanto a mundial é de 25%

A questão da democracia paritária não é um problema só do brasil. Os países que estão em primeiros lugares no ranking têm cotas e reservas de assentos. Existem duas defesas de incremento das cotas: a primeira, sugere reservar 50% das candidaturas às mulheres, em vez de 30%. A outra vertente sugere 50% de reserva de assentos de parlamento, sendo metade para mulheres negras, e metade mulheres para brancas", segue.

Atuação do Ministério Público 

Desde o pleito de 2018, 30% dos recursos do Fundo Eleitoral devem ser destinados a candidaturas femininas. E, a partir deste ano, a distribuição do dinheiro terá que respeitar a proporção de candidatos negros e brancos.

Para Gabriela, o Ministério Público e a Justiça eleitoral têm sido grandes aliados da inclusão das mulheres e dos demais setores minorizados na política. "Não vemos a mesma postura, por exemplo, dos seus pares, majoritariamente constituido por homens brancos. Essa perseguição que existe contra esses segmentos minorizados é visto na sociedade. O MP e a Justiça eleitoral vêm tendo ações contundentes, tanto no incentivo às cotas afirmativas, quanto no combate ás fake news e candidaturas laranjas", pontua.

No entanto, apesar de as mulheres representarem 52% do eleitorado, sendo 28% mulheres negras, ainda é baixo o número de candidaturas femininas. Segundo a especialista, existe, desde 1997, uma lei que prevê que 30% das vagas deveriam ser reservadas para candidaturas femininas, mas os partidos sempre encontraram um jeito de 'burlar' a legislação.

"Agora, em 2020, é a primeira vez que temos mulheres gozando dos recursos. Aumentamos o número de candidatas a vice-prefeitas. Infelizmente, para prefeitas foi muito pequeno o aumento, cerca de 1%, Para vereadora também. Mas, para vice-prefeita, subiu quase 4%. São números pequenos, mas o pessoal está começando a usar o recurso do fundo eleitoral. O problema maior é que os partidos têm dificuldade em cumprir com esse instrumento das cotas, é o famoso jeitinho."

Para Gabriela, as mulheres são subfinanciadas em campanhas eleitorais de forma que, se dependerem apenas dos recursos privados de financiamento, a disputa acaba fortemente desequilibrada. "Se deixarmos o financiamento exclusivamente para o setor privado, continuaremos só elegendo homens brancos e ricos", dispara. "Existe muita desigualdade economica e social que não permitiria uma disputa justa sem o financiamento público."

Sobre a cota que define que a proporcionalidade envolva também a presença no horário eleitoral gratuito tanto na TV, quanto no rádio, a advogada afirma que é uma ótima saída, mas não perfeita, "já que nem todos os municípios têm campanhas eleitorais na mídia".

"Sem a cota do horário eleitoral, muitas candidatas (os) não teriam espaço, já que muitas vezes os partidos preferem continuar investindo nos mesmos candidatos de 10, 20 anos, 30 anos", argumenta. " Talvez não seja o mundo perfeito, mas traz visibilidade. Nós vemos, por exemplo, produtoras sendo cadastradas só para fazer campanha de inclusão feminina, isso é bem bacana", reforça Gabriela Araújo. 

Idoneidade das urnas eletrônicas e influência de milícias

O mundo todo está voltado para o que está acontecendo nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Com um sistema baseado em voto manual, os votos demoram a ser contados e ainda não há definição de um vencedor. Questionada sobre o sistema brasileiro, que utiliza urnas eletrônicas, a advogada é totalmente defensora do modelo.

As urnas passam por muitas auditorias. Além disso, todos os partidos colocam dois fiscais na abertura, no decorrer e final das votações, em cada sala. É tudo muito transparente. Nos EUA, há mais motivo pra contestar o sistema, já que o voto em papel é muito mais passível de falhas. Eu acredito muito na lisura da justiça eleitoral.

Sobre a influência de grupos e milícias que aproveitam o espaço democrático para eleger determinados candidatos, a advogada aponta que a maior dificuldade é obter provas das ilicitudes. 

"O abuso de poder econômico e político é punivel e enseja cassação do mandato e inegibilidade. O  problema é a dificuldade de provar. Como essas pessoas pressionam outras na hora de votar? Provavelmente pelo uso da força ou pela compra de votos, mas os dois casos são difíceis de provar. Mas, havendo provas, há mecanismos para que o MP haja, sim, de maneira enérgica", finaliza.


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