"Sem a reforma não teremos como manter os gastos públicos", alerta economista
Elena Landau rebate especialistas em direito previdenciário e diz que cidadão vai pagar a conta se a reforma da Previdência não for aprovada
A PEC 6, que trata da Reforma da Previdência, em tramitação na Comissão Especial da Câmara, propõe alterar o sistema previdenciário brasileiro. Entre as mudanças estão a criação de idade mínima para homens e mulheres pedirem aposentadoria no INSS, aumento do tempo de contribuição, mudança na pensão por morte, por exemplo.
Especialistas em Direito Previdenciário avaliam que as mudanças nas regras são rigorosas, ao que a economista e advogada Elena Landau rebate: “Rigor é a conta que pagamos pelo atraso da reforma ”.
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Em entrevista ao jornal O Dia e ao Portal iG , Elena critica o projeto enviado pelos militares junto com a reforma e pontua porque a PEC é necessária.
O Dia e iG: É consenso de que a Reforma da Previdência é necessária para o Brasil. Mas essa proposta em tramitação na Comissão Especial não é muito rigorosa?
Elena: Não, rigor é a conta que pagamos pelo atraso da reforma. Todo mundo sabe que a reforma é necessária há décadas, os números mostram o tamanho do desequilíbrio. Já perdemos muito tempo nos anos do PT adiando ajustes estruturais. Agora a conta chegou. Se optarmos por uma reforma mais suave estaremos mais uma vez empurrando o problema para frente, e novas votações terão que ser realizadas em breve. Sem a reforma não teremos como manter gastos públicos, nem nos baixíssimos níveis atuais. Será o colapso das contas públicas. E objetivamente, não acho rigorosa, ela mantém aposentadorias especiais injustificáveis, como a dos professores, e mulheres se aposentando antes, quando a sobrevida da mulher é maior que a do homem.
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O Dia e iG: Na sua avaliação, por que a reforma é necessária?
Elena: Primeiro é preciso destacar que a reforma é uma condição necessária, mas não é suficiente para que o país retome o crescimento sustentável. Mas sem ela, não há perspectivas para gerações futuras. Ela é necessária por vários motivos. Primeiro é uma questão aritmética: as contas não fecham e a Previdência é uma espécie de buraco negro, que vai sugando os recursos de todas as áreas fundamentais de política pública. A Previdência já consome 50% do orçamento, com o déficit crescendo a um ritmo de R$ 50 bilhões por ano. Sem a reforma, esse valor só vai crescer. Isso acontece por conta do segundo motivo: a mudança demográfica. Nossa população está envelhecendo muito rapidamente, porque a expectativa de vida aumentou e a taxa de natalidade caiu drasticamente em poucas décadas.
Como o nosso sistema de Previdência é uma pirâmide em que quem está embaixo paga a conta da aposentadoria de quem está em cima, o que está acontecendo é que o topo está ficando mais largo, com mais gente se aposentando e recebendo aposentadoria por mais tempo, enquanto a base está ficando mais estreita, com menos gente nascendo e trabalhando para pagar a conta. Por fim, o terceiro motivo é essencial: a Previdência atual é extremamente injusta, uma verdadeira fábrica de desigualdades. Os mais pobres se aposentam mais tarde, os mais ricos se aposentam muito antes da idade mínima. Uma transferência de renda perversa. Também há uma diferença injustificável entre o regime geral e o regime dos servidores públicos. Ainda se mantém coisas absurdas como a aposentadoria especial para professores. A maior resistência à mudança não vem dos mais pobres, mas sim da classe privilegiada: as corporações do setor público.
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E sem a reforma o governo não tem como cumprir com gastos sociais, é um sistema no todo muito injusto. Poderemos chegar a 80% do orçamento comprometido com previdência. Sobraria 20% para todas as outras obrigações do estado, de folha a investimentos. No passado, a inflação acomodava esses conflitos no orçamento. Mas a sociedade brasileira não quer saber da volta inflação. A posição intransigente contra a reforma - que está cada vez mais reservada aos autodenominados partidos progressistas, veja aposição do PSOL, PT e PCdoB. Eles estão apostando na falência dos serviços públicos, todos eles, sem exceção. Ou na volta da inflação por representarem os beneficiados pelo injusto sistema atual.
O Dia e iG: Muitos especialistas e parlamentares avaliam que essa PEC vai encontrar entraves para ser aprovada. Não seria o caso de aprovar a PEC 267 que já está apta para ir à votação?
Elena: Se pudéssemos voltar no tempo, sim. Mas a PEC 6 é melhor, mais completa. Essa escolha teria que ter sido feita no período entre a eleição e a posse. Não dá pra ficar voltando pra esse debate. O assunto é muito sério e precisamos avançar.
O Dia: Combate às fraudes, cobrança de sonegadores e devedores, fim de isenções previdenciárias a igrejas, clubes de futebol e filantrópicas não impactariam positivamente a receita da Previdência?
Elena: Cuidado com as mentiras que espalham pela rede. A maior parte dos devedores são empresas falidas. A Previdência é um problema estrutural e a solução não passa por puxadinhos mágicos. Cobrar a Varig resolve a Previdência? Imagina! Claro que é preciso combater fraudes, cobrar quem deve e combater a lavagem de dinheiro que acontece nesses espaços de isenção fiscal. Mas isso tudo é absolutamente irrelevante para a Previdência, porque representa quase nada. É importante não perder a dimensão do que estamos falando. A Previdência Social é metade do orçamento.
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O Dia e iG: O governo tem dito que a reforma vai acabar com privilégios. Mas os cortes mais expressivos virão do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). E a faixa salarial mais afetada está em torno de R$ 3 mil. Esse valor pode ser considerado privilégio?
Elena: Não se pode misturar a questão dos privilégios com o RGPS. É óbvio que os cortes mais expressivos em termos absolutos vêm do RGPS, porque é o regime onde está a imensa maioria das pessoas. Mas compare o gasto per capita em cada regime. É impossível fazer uma reforma estrutural, que pega números tão expressivos, sem tocar onde está a imensa maioria. O perfil demográfico do Brasil mudou e é impossível ignorar isso, porque a conta não fecha e dinheiro não dá em árvore.
A alternativa é usar todo orçamento para a Previdência e não ter mais nenhum investimento em saúde, educação e saneamento, colapsar o Estado, acabar com todas as políticas públicas e transformar o governo num grande sistema de pensão que vai durar alguns poucos anos e quebrar, porque o sistema é insustentável.
Não dá pra fugir da realidade: a reforma é essencial e inadiável. A questão dos privilégios é outra, mas que também é fundamental. A reforma vai atacar privilégios levando o teto que já existe no setor privado para o setor público, combatendo o acúmulo de pensões e instituindo para todos a idade mínima, que já é o critério de aposentadoria para os mais pobres.
O Dia e iG: Em um momento que todos precisam dar sua cota extra para a Previdência os militares apresentaram um projeto que cria o cargo de sargento-mor e aumenta indiretamente o benefício. Não é contraditório? Qual a sua avaliação sobre esse tema?
Elena: É contraditório. Essa não é uma medida responsável de quem é presidente da República para todos os brasileiros. Deixou sua simpatia pela carreira militar falar mais alto. A reestruturação da carreira até pode ser necessária, mas não pode acontecer nesse momento e não pode ser vinculada à Reforma da Previdência. Espero que o Congresso encare a Previdência e deixe esse debate da carreira militar para outro momento.
O Dia e iG: Alterações no pagamento de pensões por morte e cumulatividade de pensão e aposentadoria têm sido apontadas por especialistas como “confisco”. Qual a sua avaliação?
Elena: Eu acho que confisco é sequestrar o orçamento que devia gerar políticas públicas estruturais para toda população em nome do benefício de uma minoria de privilegiados que se acostumou a ter as contas pagas pelos mais pobres através de impostos. A União gasta mais dinheiro com pensões por morte do que com o SUS. Esse debate é muito sério.
O Dia e iG: O presidente Bolsonaro vinha defendendo a redução da idade de mulheres de 60 para 57 anos e homens de 65 para 62 anos. E a reforma impõe 62/65. Por que criar idade mínima se a própria regra de cálculo 86/96 já impõe essa idade?
Elena: Por um princípio republicano de igualdade perante a lei. Os mais pobres são os que se aposentam por idade mínima enquanto na população mais rica e no RPPS (Regime Público de Previdência Social) há aposentadorias de pessoas em idade de trabalhar, aos 55 anos por exemplo, e valores mais elevados. Manter a regra diferente seria manter um privilégio para os mais ricos.
Nós somos um país em que praticamente metade da força de trabalho está na informalidade, sem carteira assinada e sem contar como tempo de contribuição. A idade mínima já era para ter sido imposta desde FHC, quando a proposta de PEC perdeu por um voto. O fator previdenciário foi um substituto. Com o aumento da sobrevida, o que é um efeito positivo, a idade mínima é muito importante. Diferentemente do Bolsonaro, eu também defendo que a idade mínima seja igual para homens e mulheres.
O Dia e iG: Quais as suas considerações finais sobre a reforma?
Elena: Estamos debatendo Previdência a tempo demais para ainda ser razoável reproduzir mitos sobre a reforma. Dizer que não há déficit na Previdência, ou que a cobrança de dívidas resolve, é o mesmo que acreditar que a terra é plana Precisamos levar o país a sério e avançar com essa agenda porque ela é só a condição necessária inicial, mas de forma alguma suficiente, para a retomada do crescimento.
Quanto mais tempo perdermos com a propagação de mitos contra a reforma , mais tempo vamos levar para entrar nos outros debates fundamentais para o Brasil voltar a crescer e resolver os problemas de desemprego, pobreza e desigualdade que nos afligem.