Críticos ao novo BPC atacam proposta do governo: "É uma falta de sensibilidade"
Para parlamentares e especialistas, reduzir o benefício para R$ 400 coloca o peso do rombo da Previdência "nos ombros das classes sociais mais frágeis"
O BPC (Benefício de Prestação Continuada) é, junto com a aposentadoria rural, um dos pontos da proposta de reforma da Previdência do governo que enfrentam maior resistência. As mudanças no BPC, vistas com reservas mesmo por parte dos apoiadores da reforma, têm sido alvo de críticas desde a chegada da proposta ao Congresso Nacional e têm grandes chances de serem alteradas pelos parlamentares.
Atualmente, o BPC equivale a um salário mínimo (R$ 998) e é pago mensalmente às pessoas com deficiência e aos idosos a partir de 65 anos que comprovem não possuir meios de se sustentar. A proposta da equipe econômica é criar duas faixas de benefícios: a partir dos 60 anos, no valor de R$ 400, e a partir dos 70 anos, no mesmo valor atual.
O governo estima que as mudanças no BPC garantirão uma economia de R$ 34,8 bilhões em 10 anos. Pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI) , vinculada ao Senado, o ganho líquido seria menor: R$ 28,7 bilhões. Para o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, o governo precisa explicar como chegou a esse resultado.
"Isso nos surpreendeu bastante. Quando divulgamos os R$ 28,7 bilhões, mostramos o detalhe do cálculo em uma nota técnica com gráficos e tabelas ano a ano. Agora o governo divulgou R$ 34,8 bilhões. É preciso que o governo explique um pouco melhor esses números", ponderou Salto.
"Falta de sensibilidade"
Independentemente da economia estimada, parlamentares consideram que a “frieza” dos números não pode se sobrepor ao retorno social do BPC. "Não podemos colocar o peso nos ombros das classes sociais mais frágeis. Se hoje eles [os idosos] estão na casa de suas famílias, é porque o BPC ajuda a comprar medicamentos, alimentos. Fora que esse valor não significa nem 1% do rombo da Previdência", argumentou a senadora Kátia Abreu (PDT).
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB), também considera “sensível” mexer no BPC e avalia que esse ponto deverá ser revisto por parlamentares. "O BPC é uma questão muito sensível, assim como [a aposentadoria do] trabalhador rural. Pela leitura que faço, essas duas matérias têm boas chances de serem modificadas ou até mesmo retiradas, porque o BPC não é Previdência, é assistência social", avaliou.
Diante da resistência dos parlamentares , o ministro da Economia, Paulo Guedes , já admitiu publicamente a possibilidade de tornar a regra apresentada pelo governo opcional. Assim, o beneficiário decidiria pelo recebimento de R$ 400 a partir dos 60 anos, ou esperaria os 65 anos para começar já ganhando um salário mínimo. Mas a tendência é que a proposta seja derrubada antes mesmo da análise pelos senadores.
O presidente da comissão especial do Senado criada para acompanhar o andamento da reforma, senador Otto Alencar (PSD), crê que as mudanças no BPC têm poucas chances de prosperar. "É uma falta de sensibilidade dos homens do governo que prepararam essa proposta. O que acontece nos gabinetes e na Avenida Paulista é muito distante da realidade das cidades do interior e das favelas", atacou.
Riscos
O professor de economia Eduardo Fagnani, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), avalia que, ao criar um benefício menor, o governo vai formar uma massa de desalentados, que será empurrada da Previdência para a assistência social . Fagnani também adverte que o texto da proposta não detalha quais as formas de reajuste do BPC.
"Do jeito que está posto, a regra permite congelar o valor do BPC em R$ 400, não há previsão de aumento. Junto com as outras regras que dificultam o acesso à aposentadoria, em 20 ou 30 anos isso vai criar uma massa de desalentados. Sem correção, os R$ 400 serão, em 10 ou 15 anos, o equivalente a R$ 200. O governo quer apenas cortar gastos", criticou.
Fagnani alega que o objetivo da reforma é acabar com a seguridade social conquistada no Brasil com a Constituição de 1988, no período de redemocratização do País. O professor afirma que a proposta desconstitucionaliza diversos direitos previdenciários e permite que futuras propostas de alteração na Previdência sejam feitas com menos esforço por meio de leis complementares e ordinárias e decretos do Executivo.
"O governo tenta provocar terror econômico dizendo que, sem a reforma, o Brasil vai quebrar. A reforma de Bolsonaro não é a PEC [Proposta de Emenda à Constituição] 6. A proposta coloca regras de transição para abrir caminho para a verdadeira reforma que vai ser feita por leis complementares e ordinárias", alertou.
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A visão do economista é compartilhada pelo senador Rogério Carvalho (PT). Para ele, o BPC deve ser visto como parte integrante de um sistema de proteção social, e não meramente como um custo. "Nós temos um sistema solidário, que é uma conquista do povo brasileiro. Acredito que o Estado tem um papel regulador de distribuição de riqueza, e a Previdência e a seguridade social cumprem esse papel", defendeu o senador.