POR ADALBERTO LUIS VAL E TIAGO DA MOTA E SILVA
O Brasil está vivendo o desenrolar de um processo grave desencadeado pelas mudanças climáticas globais, amplamente previstas por painéis internacionais e especialistas. Eventos extremos, como a histórica seca de 2023-2024 na Amazônia e as chuvas torrenciais no Rio Grande do Sul em abril, são sinais de uma emergência climática que já deixou de ser uma previsão futura: é a realidade concreta e urgente do país.
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Apesar do Acordo de Paris, vigente desde 2016, o mundo não conseguiu frear o aumento das emissões de gases de efeito estufa, que hoje somam 62 bilhões de toneladas por ano. Com isso, tornou-se impossível limitar o aquecimento global a 1,5ºC, conforme pretendido pelo tratado. Estamos agora diante de um cenário de aumento médio de até 3ºC.
De acordo com os modelos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), um aquecimento dessa magnitude pode resultar, no Brasil, em dias até 4ºC mais quentes, além de mudanças no regime de chuvas, que levariam a estiagens no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, enquanto o Sudeste e o Sul sofreriam com tempestades mais intensas. Como já vimos nos últimos meses, o prolongamento de estações secas, somado a ondas de calor, cria situação propícia para incêndios de grandes proporções.
Contudo, a crise climática está profundamente interligada com outras questões. Enfrentá-la significa também conter a perda de habitats e a redução da biodiversidade, que são essenciais para a manutenção dos serviços ecossistêmicos, como a absorção de carbono. Além disso, a redução da pobreza e das desigualdades sociais é crucial para evitar que os efeitos das mudanças climáticas afetem de forma desproporcional as populações mais vulneráveis.
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Essas três crises — climática, da biodiversidade e social —, embora interconectadas, são tratadas de maneira isolada. Entretanto, ecossistemas conservados, eficientes na captura de carbono, não só mitigam o aquecimento global, como também garantem a saúde humana e a manutenção de suas atividades econômicas. Portanto, as estratégias para enfrentar essa nova realidade precisam integrar ações nessas três frentes.
A tarefa adiante é árdua e longa. No entanto, o conhecimento necessário para agir já está disponível. Especialmente no caso brasileiro, há oportunidades que podem ser aproveitadas imediatamente, tanto para evitar cenários climáticos mais catastróficos quanto para preparar o país para eventos extremos que, a essa altura, são inevitáveis.
Brasil pode reduzir suas emissões rapidamente no combate à crise climática
Segundo o relatório de 2023 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Brasil é o sétimo maior emissor de gases de efeito estufa (o quarto em emissões per capita). Quase metade dessas emissões (48%) está relacionada ao desmatamento. Quando uma área é desmatada ou queimada, grandes quantidades de carbono armazenado no solo e nas plantas são liberadas na forma de dióxido de carbono, agravando o aquecimento global. Portanto, eliminar o desmatamento, legal e ilegal, reduziria drasticamente as emissões brasileiras.
Além disso, o Brasil pode destinar cerca de 50 milhões de hectares de florestas públicas para conservação. Priorizar a conservação e a tolerância zero ao desmatamento traria benefícios tangíveis a curto prazo, preservando a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, como a provisão de água, alimentos e a captura de carbono.
Estratégias de conservação: uma visão integrada de paisagens
Nossa legislação ambiental deverá ser revista. O Código Florestal , de 2012, é a principal política pública nacional de conservação da vegetação nativa, mas foi promulgada sem compreender a devida urgência da crise climática, da biodiversidade, seus impactos sociais e efeitos secundários. Um esforço é necessário no sentido de fortalecer as áreas de Reserva Legal, estabelecidas pela legislação, e de proteção de áreas úmidas. Com isso, é possível advogar por avanços nesse sentido nos âmbitos municipal e estadual.
No entanto, os paradigmas atuais de conservação não são apenas restritivos. Eles também consideram como as comunidades humanas usam e dependem dos ecossistemas. Especialistas debatem o conceito de “paisagens multidimensionais interconectadas” como um caminho para a conservação no século XXI.
Por “multidimensional”, entende-se a capacidade de integrar diferentes paisagens e viabilizar seus diversos usos de maneira sustentável. Esse conceito possibilita a criação de estratégias que vão desde a proteção de áreas altamente preservadas, como as florestas amazônicas, até a otimização de zonas urbanas e agrícolas, promovendo a biodiversidade em todos os contextos. A abordagem multidimensional busca, assim, equilibrar conservação e desenvolvimento, permitindo que ecossistemas naturais e áreas produtivas coexistam de forma benéfica e resiliente.
No caso brasileiro, a agropecuária é parte de nossas paisagens. Práticas como a diversificação de cultivos em vez de monoculturas e o fortalecimento da práticas agroflorestais já teriam impactos positivos consideráveis em termos de benefícios à biodiversidade. O Brasil também conta com o Programa de Agricultura e Pecuária de Baixo Carbono, desenvolvido pela Embrapa, que precisa ser acelerado.
Expansão de orçamentos
O Brasil dispõe de uma rede de institutos e órgãos qualificados, fundamentais para enfrentar essas crises. ICMBio e Ibama são essenciais na conservação e no combate a crimes ambientais. O INPA, no estudo multifacetado da biodiversidade amazônica. O INPE, no monitoramento de desmatamento e incêndios. E a Embrapa, na transição para um agronegócio de baixo carbono, para citar alguns.
Além disso, há mais de 140 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia atuando em temas estratégicos para mitigar as crises, todos ligados ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Esses agentes precisam assumir um papel de liderança, propondo políticas e soluções adaptadas às necessidades específicas dos biomas brasileiros, cujas dinâmicas únicas evoluíram ao longo de milhões de anos.
Contudo, o apoio a essas instituições deve ser refletido em seus orçamentos e na expansão da rede de pesquisa, em particular na região Norte do país. Esse é um investimento estratégico, não um gasto, para garantir a capacidade do Brasil de enfrentar e superar essas crises, assegurando o bem-estar de sua população.
Adalberto Luis Val – Coordenador do INCT Adapta e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).
Tiago Mota e Silva – Jornalista e doutor em Comunicação e Semiótica.
Este texto foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.
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