“A sustentabilidade é um requisito para as pequenas empresas existirem”

Para Juliana Borges, do Sebrae Nacional, a adoção de práticas sustentáveis é demanda do mercado, mas traz benefícios ao pequeno negócio

Foto: ESG Insights
“A sustentabilidade é um requisito para as pequenas empresas existirem”

POR BÁRBARA VETOS

Por mais que possa parecer complexa em um primeiro momento, a sustentabilidade não é um tema restrito à lógica das grandes empresas. A incorporação de critérios ESG nas estratégias do pequeno negócio vem se tornando um ponto-chave para sua atuação no mercado.

O estudo Engajamento dos pequenos negócios brasileiros às práticas de economia circular, realizado pelo Centro Sebrae Sustentabilidade (CSS), mostra que mais de 32% dos pequenos empresários já incorporam práticas da economia circular em seus negócios. No entanto, apenas 16,51% afirmam ter conhecimento sobre o tema. Os dados revelam que ainda há um longo caminho a ser percorrido, inclusive, para a democratização do tema.

Em entrevista ao ESG Insights, Juliana Borges, analista de Competitividade, Economias Transversais e Emergentes do Sebrae Nacional, traz mais detalhes sobre a pesquisa e explica quais são os principais desafios e benefícios da implementação de práticas sustentáveis nos pequenos negócios.

A profissional também conta de que forma a padronização dos relatórios de sustentabilidade deve influenciar a vida desses empreendedores. “Estamos convergindo a legislação com interesses econômicos de investidores, com uma sociedade mais preparada, com pequenos negócios cada vez mais próximos dessas linguagens e requisitos”, afirma Borges. Confira.

ESG Insights – Qual a importância da sustentabilidade para pequenas empresas?

Juliana Borges – A sustentabilidade é um requisito para as pequenas empresas existirem. Não tem espaço mais para o pequeno negócio trabalhar sem pensar na sustentabilidade. E isso em diferentes mercados, tanto no nacional quanto no internacional, no B2B, B2C, ou mesmo quando a empresa fornece para o governo. Em todos esses, temos exigências de alto nível em sustentabilidade.

A sustentabilidade já foi diferencial. Hoje, ainda temos diferenciais em alguns aspectos, mas é um requisito. A empresa não consegue atuar se ela não tiver essa atenção ao tema.

ESG Insights – Como as mudanças climáticas e a urgência da adoção de critérios ESG podem influenciar a tomada de decisão dos pequenos empreendedores?

Juliana Borges – O mercado nos diz que o poder de compra está na mão do cliente final, de uma grande empresa ou mesmo do governo. Essas figuras têm exercido um papel muito definitivo na vida das pequenas empresas. Antes, tínhamos o que era chamado de uma produção empurrada: o que tinha para comprar era aquilo que estava disponível e todo mundo comprava. Hoje, esse mercado mudou completamente.

“A tomada de decisão do pequeno negócio não depende só daquilo que ele quer oferecer ao mercado, mas do que o mercado traz como demandas e requisitos”

O cliente é quem define o que ele vai comprar. Nesse meio tempo em que houve uma mudança de mercado, surgiu o que chamamos de ESG, ou ASG, em português, que é a atenção ao meio ambiente, às questões sociais e às questões de governança. Isso interferiu diretamente na maneira como o pequeno negócio se porta no mercado.

A tomada de decisão do pequeno negócio não depende só daquilo que ele quer oferecer ao mercado, mas do que o mercado traz como demandas e requisitos. A empresa não está mais isolada na sua realidade, ela precisa construir o que a gente chama de matriz de materialidade. Ela precisa entender quais são, dentro do seu universo, os elementos que fazem a diferença para os seus grupos de interesse. No caso, seus clientes, fornecedores, a comunidade em que a empresa está instalada…

Como outras empresas funcionam? Como elas interferem na sua existência e nas suas tomadas de decisão? No pequeno negócio, você está ao lado de grandes e médias empresas, e a regra, na verdade, é muito parecida para todos. Claro que temos políticas específicas para pequenos negócios, políticas que facilitam a adoção de algumas medidas, mas o mercado de verdade está aberto para todos.

ESG Insights – Quais os principais desafios enfrentados por pequenas empresas ao implementar sustentabilidade em seus processos?

Existem alguns elementos para serem trabalhados dentro das pequenas empresas: o uso da água, o uso da energia e a geração de resíduos. Esses pilares ajudam o pequeno negócio a dar seus primeiros passos, principalmente porque isso está no domínio da empresa.

Na questão dos resíduos, é preciso pensar em todo o processo produtivo, o quanto de resíduo aquela empresa gera e como ele chega ao final do ciclo. Quais os planos para depois que ele cumprir o papel no produto para o qual foi feito e como ele vai ser descartado?

“O planeta é um só. Temos que rever o processo produtivo e até mesmo os materiais que estão sendo utilizados”

Algo que temos trabalhado muito no pequeno negócio é a atenção sobre não existir um lugar para descarte. O planeta é um só. Temos que rever o processo produtivo e até mesmo os materiais que estão sendo utilizados. Que reuso aquele produto pode ter depois? Como isso pode ser melhor aproveitado?

Sobre o uso de energia, temos no mercado brasileiro uma facilidade muito grande de acessar outros tipos de tecnologia, como a energia solar fotovoltaica ou o biogás. Precisamos ter atenção com a questão da eficiência energética para não fazer mau uso.

São pontos que fazem com que o pequeno negócio olhe para si mesmo e tente realizar ajustes que são recomendáveis e que, às vezes, nem precisam de muito investimento.

No caso do uso da água, temos dois problemas. A maneira como essa água vai ser descartada, se vai haver contaminação, mas também o uso de energia. Quanto mais água desperdiçada, mais uso de energia também.

ESG Insights – E quais são os benefícios por trás da adoção de práticas sustentáveis?

Juliana Borges – Estamos falando de custo para a empresa. Na retomada da economia dos pequenos negócios após a pandemia, as quatro maiores dificuldades que eles teriam seria a energia, o combustível, o aluguel, e o acesso a insumos.

Dentro das questões ambientais, temos a matéria-prima como um elemento de maior relevância no quesito redução de custo e no que você ganha ao adotar práticas sustentáveis. Você passa a ser responsável pelo transporte, manutenção, conservação e, revendo seus processos, pode acabar encontrando matérias-primas menos poluentes e que exijam menos da logística e do setor financeiro da sua empresa.

“Precisamos entender que não existe mais resíduo, tudo é subproduto. É como se não existisse mais lixo”

A matéria-prima seria o quarto pilar. Ela é um dos grandes ganhos quando começamos a cuidar mais do meio ambiente. Se você analisa outras possibilidades, começa a mexer os pauzinhos dessa orquestra que é a administração do seu negócio.

Precisamos entender que não existe mais resíduo, tudo é subproduto. É como se não existisse mais lixo. Sua intenção pode não ser gerar uma sobra de tecido, por exemplo, na confecção de roupas, mas, ao invés de virar lixo, por que não pensar no que fazer com ele?

Aquilo não era seu produto principal, mas pode se tornar um produto para você. Temos que fazer com que esses recursos não agridam o nosso planeta e que seja um lugar possível de todo mundo viver onde quer que seja.

O uso consciente e eficiente da água também traz ganhos para a empresa. O Brasil tem uma matriz energética baseada nas hidrelétricas e uma relação muito íntima entre água e energia.

Para todos esses elementos, temos uma legislação que nos direciona para boas escolhas, nos direciona para tomar decisões que nos faça adotar o melhor uso para cada um desses recursos. Quando você deixa de cumprir alguma dessas diretrizes, você também é penalizado. Nesse caso, a empresa ganha em não perder e está apta para negociar de igual para igual com médias e grandes empresas, porque ela assume a responsabilidade igualmente.

Essa discussão é muito válida para o pequeno negócio. Todo mundo está falando sobre ESG e ele deve se perguntar: “Como isso faz sentido para mim? Eu preciso vender, mas como é que isso se reflete na minha realidade?”

ESG Insights – Onde a economia circular entra nessa discussão?

Juliana Borges – A economia circular vai fazer com que a gente perceba que os processos têm um início, mas nunca terão um fim. Precisamos pensar em todo o ciclo dele. Quando falamos da economia circular para pequenos negócios, vemos que existe uma série de práticas que essas empresas sequer conhecem. Temos nessa mentalidade o que chamamos de estratégias R – reparar, reutilizar, redistribuir, renovar, remanufaturar e reciclar. Mas existem muitos outros elementos.

“Não vale dizer que está respeitando o planeta se você está deixando quem está à sua volta com fome”

Quando pensamos no meio ambiente, temos que pensar em como a sociedade é impactada também. Não vale dizer que está respeitando o planeta se você está deixando quem está à sua volta com fome, sem condições de trabalho ou colocando crianças para produzir alguma etapa do seu produto.

Essa transição justa para a economia circular é uma transição que pensa em diversos elementos e não só na natureza isolada, mas na natureza inserida em uma sociedade que produz riquezas. Estamos falando de pessoas à sua volta pessoas com condições dignas de trabalho, inclusão de minorias, respeito à figura da mulher, respeito às diferenças. A economia circular nos traz muitas possibilidades.

ESG Insights – Um dos pontos levantados pela pesquisa é a falta de conhecimento sobre o assunto. Como você acha que é possível alterar essa realidade? O que está faltando?

Juliana Borges – O que pudemos observar na pesquisa é que os pequenos negócios têm uma consciência menor sobre as estratégias. Eles conhecem só a primeira das estratégias R. Vimos que só 61% as reconhecem de imediato como a sua solução para economia circular. Quando somamos os dados da pesquisa do engajamento, vemos que 83% – um número expressivo – não conhece economia circular ou que já ouviu dizer, mas não entende muito bem. E só 16% dizem conhecer o tema.

“Uma parte do que falta para o pequeno negócio é a linguagem de mercado. A empresa já está adotando as práticas e só não se deu conta”

No entanto, conforme fomos fazendo outras perguntas, percebemos que eles conhecem mais do que eles responderam. Muitas vezes, uma parte do que falta para o pequeno negócio é a linguagem de mercado. A empresa já está adotando as práticas e só não se deu conta. Ainda temos um desafio grande de aproximar esses empreendedores.

ESG Insights – Como a adoção de normas e padrões internacionais afeta pequenas empresas em termos de sustentabilidade?

Juliana Borges – A CVM estabeleceu que, até 2026, as empresas S.A. divulguem relatórios de sustentabilidade e isso está relacionado com o G do nosso ESG. A governança é o principal nesse processo.

O principal elemento que eu entendo que afeta o pequeno negócio é a importância hoje da transparência, comunicação e rastreabilidade de todas as suas decisões dentro do negócio.

“A determinação da CVM não afeta diretamente os pequenos negócios, mas essas empresas de sociedade anônima vão carregar consigo toda a sua cadeia de fornecimento”

Se uma grande empresa fizer o que a gente chama de greenwashing , que são afirmações vazias, que não tem nenhum tipo de lastro, ela, com sua capacidade de marketing de comunicação, leva isso como quiser e distorce valores. Imagine um pequeno negócio tentando viver ao lado disso. Mesmo tentando, ele não tem a condição de alcançar esse público.

A determinação da CVM em si não afeta diretamente os pequenos negócios, mas as empresas de sociedade anônima vão carregar consigo toda a sua cadeia de fornecimento, toda sua cadeia de valor. Os pequenos negócios que estiverem conectados com elas serão necessariamente atingidos no sentido positivo. Isso vai criando uma grande convergência. Estamos convergindo a legislação com interesses econômicos de investidores, com uma sociedade mais preparada, com pequenos negócios cada vez mais próximos dessas linguagens e requisitos.

Tem acontecido uma seleção muito natural. Estamos falando de uma estratégia de mundo, de países – não só o Brasil – que estão comprometidos com essa agenda. Essa definição da CVM chegou há pouco tempo no Brasil, mas em outros lugares isso já era realidade. A adoção desses reports une a informação e faz com que a gente consiga verificar os dados.

Eu vejo como uma grande oportunidade que temos de profissionalizar, de colocar todo mundo na mesma página. É difícil, isso para todas as empresas, mudar a cultura das pessoas que trabalham com você, dos fornecedores, para todo mundo se direcionar para essa agenda. E o tempo está passando, em seis anos estaremos em 2030. O ano em que o mundo todo se comprometeu a fazer grandes entregas sobre o meio ambiente. Perdemos bastante tempo, mas ainda dá para agirmos.

Agora, vamos colocar todo mundo na mesma página. Os critérios passam a ser transparentes, rastreáveis, passam a ser claros quanto às expectativas. Todos esses movimentos são benéficos para que a gente possa enxergar efetivamente nossos avanços.

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Juliana Borges, analista de Competitividade, Economias Transversais e Emergentes do Sebrae Nacional

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