Trabalhar de segunda a quinta, sem aumentar a carga horária e recebendo o mesmo salário. Quem não gostaria? Aqui no Brasil, país que tem a população mais ansiosa do mundo (e com evidentes fatores relacionados ao mundo do trabalho, já que ele engole a maior parte do tempo), imaginar uma jornada menor parece um sonho impossível.
Pudera: ao redor e mesmo dentro de casa, assistimos à precarização de muitas profissões, que se equilibram para resistir a jornadas cada vez mais longas e estressantes, com salários e direitos achatados. Além disso, o uso frenético do celular, de mensagens instantâneas e a prática do home office diluíram as fronteiras entre o trabalho e a vida pessoal, fazendo com que muita gente se sinta pressionada a responder demandas a qualquer momento.
Rotina de trabalho exaustiva e o impacto na saúde mental
Sabemos que isso não é saudável. Muitas pesquisas revelam que a saúde dos trabalhadores anda de fato abalada com tanto desgaste. Dados publicados em 2022 pela Organização Mundial da Saúde estimam que os dias de trabalho perdidos por causa de transtornos ligados à saúde mental custam anualmente à economia global quase US$ 1 trilhão.
Só no Brasil, mais de 209 mil pessoas foram afastadas do trabalho ano passado por transtornos dessa natureza – sem contar a massa de trabalhadores informais que sofrem sem assistência do Estado. Está mais que na hora de refletirmos: afinal, é possível trabalhar menos? Como podemos melhorar nossa relação com essa seara, para que ela não sufoque o descanso, a criatividade, o lazer, a vida pessoal?
“Vários estudos mostram que não estamos bem nem em saúde mental, nem em produtividade. Segundo o relatório deste ano da [consultoria] Gallup, somente 23% das pessoas estão engajadas no trabalho, o que gera um custo de US$ 8,8 trilhões. Precisamos redesenhar a jornada laboral para que ela possa ser mais saudável, mas também para que a gente trabalhe melhor”, afirma a administradora de empresas Renata Rivetti, especialista em felicidade corporativa e fundadora da consultoria Reconnect Hapiness at Work.
Bom para o trabalhador
Foi pensando nisso que, em 2018, o neozelandês Andrew Barnes propôs aos colaboradores de sua empresa, a Perpetual Guardian, um teste em que eles deveriam tentar ser mais produtivos em troca de um dia a menos de trabalho .
A experiência deu tão certo que ele criou, em parceria com Charlotte Lockhart, a 4 Day Week, entidade que vem promovendo projetos-piloto de jornadas semanais de quatro dias em diversos países, como Islândia, Bélgica, Portugal, Reino Unido, Emirados Árabes, Suécia e Espanha, com resultados incríveis para os trabalhadores, as empresas e até o planeta.
Para começar, os números revelam que 55% dos funcionários com semanas de quatro dias sentem-se mais produtivos, 78% são menos estressados e mais felizes, além de serem 57% menos propensos a deixar seus empregos.
“Empresas pequenas de tecnologia, por exemplo, estão descobrindo que a medida é um diferencial importante quando se pensa em atração e retenção de talentos. Ninguém quer sair de uma organização que oferece esse benefício”, diz Renata.
E o que as pessoas têm feito nesse dia extra de folga? Em geral, usam para cuidar da saúde (ir ao médico, ao dentista, fazer terapia ou exercícios físicos), mas também para ficar com os filhos ou investir em atividades de lazer.
Bom para as empresas
Já para as corporações, os benefícios não são menos interessantes: o desempenho delas melhorou, representando um aumento de 35%, em média, na receita. Não por acaso, 100% das participantes optaram por dar continuidade à jornada reduzida após o período de teste.
Há ainda um efeito curioso também em relação à equidade de gênero. “Temos visto homens heterossexuais com um dia a mais para cuidar dos afazeres domésticos, da paternidade, que é um ganho para a sociedade em geral, pois traz mais justiça de gênero também”, comemora.
E veja só: até o planeta sai ganhando. As pesquisas feitas em parceria com a Boston College mostram que o tempo de deslocamento dos trabalhadores cai em média meia hora por pessoa por semana, o que significa uma redução na pegada de carbono dos negócios. Imagine os efeitos disso acontecendo de maneira amplificada, em tempos de colapso climático…
Foco em produtividade
A grande sacada do projeto é trazer à tona temas que ficam escondidos no dia a dia das corporações que ainda romantizam o trabalho em excesso como se fosse sinônimo de sucesso profissional. “Somos hoje uma sociedade cansada e que nem está produzindo tanto assim, porque essa cultura non stop é ruim para os indivíduos e também para as próprias empresas. É preciso discutir uma mudança de cultura capaz de construir uma nova forma de trabalhar”, defende Renata Rivetti, que representa a 4Day Week no Brasil.
Você sabia que somos realmente produtivos de duas a três horas por dia? É que, ao longo do expediente, somos afetados por inúmeras distrações – em média, uma a cada 11 minutos. Entram na lista checagens de redes sociais , leitura de notícias, cafezinhos, pausas para fumar ou preparar comida, mensagens instantâneas, ligações para amigos e familiares e até tempo investido na busca de um novo emprego.
“O foco, então, é trabalhar a redução das distrações e melhorar a qualidade das reuniões, optando por encontros mais curtos, com documentos enviados e analisados previamente e com menos participantes, sem a necessidade de convidar todos os colaboradores do setor”, pondera a especialista.
São pequenas mudanças individuais, no time e nas empresas como um todo, que fazem grande diferença. “Perceba que existe uma metodologia, não é só cortar a sexta-feira, que costuma ser um dia mais improdutivo mesmo”, ressalta.
A vez do Brasil
Por aqui, muitas empresas têm mostrado interesse em experimentar a jornada semanal mais curta. Prova disso é que quando a Reconnect Happiness at Work abriu o cadastramento online no país para interessadas, mais de 400 organizações se cadastraram nas primeiras 48 horas. Em agosto, aconteceu a fase de inscrição daquelas que realmente vão participar do experimento brasileiro inédito.
Em setembro começa o treinamento, com aulas sobre saúde mental, produtividade e redesenho da jornada de trabalho, além do levantamento de dados que servirão de base comparativa. Por fim, em novembro, as participantes começarão a implementar a semana reduzida. “Serão seis meses de testes, com acompanhamento e métricas importantes para uma avaliação final, entendendo o dia a dia de cada empresa, desde pequenas até multinacionais”, explica Renata.
Apesar de a proposta ser mais facilmente aplicada no trabalho intelectual, ela conta que até fábricas estão percebendo que reduzir a jornada diminui também as faltas e os acidentes de trabalho. E mesmo contratando mais pessoas para o serviço em turnos, isso é compensado no final. O mesmo vale para escolas, creches e até hospitais.
Desafios a serem enfrentados
Mas será que estamos preparados para essa mudança? O psicólogo Bruno Chapadeiro, professor da Universidade Federal Fluminense e pesquisador de saúde mental no trabalho, é entusiasta da ideia, mas pede cuidado e cautela.
“É claro que é bom ter mais tempo livre, estar mais descansado e, com isso, até melhorar a produtividade. A questão é saber se as pessoas, que já estão sobrecarregadas, terão de executar cinco dias de trabalho em quatro, pois isso intensificaria os encargos e também o desgaste, o que pode agravar transtornos de saúde mental já estabelecidos”, pondera.
Chapadeiro também questiona se o benefício poderá ser estendido a uma gama ampla de trabalhadores. “Temos caminhado para uma precarização do trabalho, com milhões de pessoas na informalidade ou atuando como PJ [pessoa jurídica], como MEI, com contratos temporários etc., o que me faz crer que não vai funcionar para elas, que atuam por projetos ou entregas e estão jogadas à própria sorte”, avalia.
Reflexão mais que necessária
Fato é que a expansão da jornada laborativa de quatro dias é uma tendência mundial. Em Portugal, por exemplo, o próprio Ministério do Trabalho é quem está coordenando os experimentos ao lado da 4 Day Week. Porém, até que se concretize por aqui, cabe a nós refletirmos sobre nossa relação com o trabalho.
“Podemos nos questionar se estamos querendo ser produtivos o tempo todo, ouvindo podcast enquanto lavamos a louça ou respondendo mensagens no Whatsapp no trânsito, sem deixar espaço para a criatividade e o descanso”, diz. A mudança começa dentro de nós e é no equilíbrio – veja só – que mora a revolução.
Por Giuliana Capello – revista Vida Simples
É jornalista freelancer e, após anos gerindo o próprio tempo, trocou a culpa pelo prazer de ir ao cinema numa sexta-feira à tarde.