Fim do sistema de Bretton Woods completa 40 anos com dólar à deriva, euro sob ameaça, yuan marginal - e nenhuma alternativa viável
Um ano antes de Little Boy e Fat Man, os apelidos cândidos das bombas atômicas que dilaceraram Hiroshima e Nagasaki, no Japão, no ato final da Segunda Guerra Mundial, já se discutia que caminhos o mundo teria que trilhar no pós-guerra para fugir da recessão, do desemprego, da fome – e, portanto, do risco de um novo conflito internacional. Foi em Bretton Woods, cidade de New Hampshire, nos Estados Unidos, que se decidiu que o dólar seria a moeda-chave para as transações internacionais. Até 15 de agosto de 1971, o valor do dólar teve como baliza os estoques de ouro. Em 15 de agosto de 1971, essa regra foi abandonada. E, assim, hoje, 15 de agosto de 2011, faz 40 anos que o sistema financeiro internacional procura um novo norte.
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G20 discute as mesmas coisas há mais de 35 anos
O sistema Bretton Woods foi o resultado de três semanas de debates entre 730 delegados de 44 países, entre eles o Brasil, que discutiram formas de evitar um retorno aos anos de trevas da Grande Depressão. Como estimular o comércio internacional? Como evitar recessões nos países? Como as transações de bens e serviços serão pagas? Em Bretton Woods, decidiu-se que o dólar faria o papel de moeda forte do mundo. Segundo ficou definido, as moedas dos países signatários estariam atreladas ao dólar em uma base bastante estreita, com espaço para variação de apenas 1% para cima ou para baixo. Os EUA, por sua vez, se comprometeram a manter uma quantidade de ouro que equivalesse ao volume de dólares em circulação, a uma cotação de US$ 35 por onça-troy (medida que equivale a 31,1 gramas).
“Quem ganha com as crises? Os especuladores internacionais. Como eles prosperam nas crises, eles ajudam a criá-las”, disse Nixon em seu pronunciamento de TV no dia 15 de agosto de 1971, desferindo a bala de prata no padrão dólar-ouro. Dois anos depois, no primeiro encontro do que viria a ser o atual G20 (o grupo das 20 maiores economias do mundo), EUA, Japão, França, Alemanha e Reino Unido reuniram-se para reclamar – ora vejam – do câmbio. O fim do sistema criado em Bretton Woods foi o remédio amargo contra os ataques especulativos que o dólar sofria, mas, como se vê, não significa que tenha melhorado o cenário. Não por acaso, faz mais de 35 anos que, no formato de G6, G7, G8 ou G20, as maiores economias do planeta reúnem-se de quando em quando para tratar, invariavelmente, de câmbio e recuperação econômica .
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Fernando Cardim de Carvalho, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), atesta a falta de um balizador na economia mundial pós-1971. “Desde então, tem-se um sistema monetário internacional baseado em câmbio flutuante, adotado na esperança de que os mercados de câmbio fossem capazes de alcançar, por si mesmos, taxas de câmbio de ‘equilíbrio’ sem a intervenção do governo”, diz. “O que ocorreu, como reconheceu o próprio FMI, guardião da ortodoxia de mercado por tanto tempo”, continua o professor, “é que o sistema de câmbio flutuante adotado nos anos 70 acabou levando a uma volatilidade excessiva de taxas de câmbio, de taxas de juros e de movimentos de capitais”.
"E eu com isso?"
E em que isso nos diz respeito? Embora o tema soe como uma insossa discussão teórica, que fica apenas nas esferas dos governos, esse emaranhado de regras, acordos, discussões e medidas mexe com a vida de grandes especuladores e também de um brasileiro comum, aquele trabalhador assalariado que segura os gastos para poder pagar a prestação da casa própria . A oscilações bruscas (ou “volatilidade”, como disse Carvalho) das taxas de câmbio tiveram e têm “impactos sobre o comércio internacional e o nível de emprego nos diversos países”, afirma o professor. Ou seja, o trololó dessas conferências e medidas pode significar um aumento de salário no fim do mês – ou o aviso prévio.
O outro sistema, com cara de improviso, vigorou no mundo ao longo da década da Grande Depressão, quando quase todos os países já tinham desistido do padrão-ouro – e foi uma espécie de “farinha pouca, meu pirão primeiro”. “Beggar thy neighbor”, ou empobreça seu vizinho, foi seu apelido. Era tão simples quanto insustentável: um país em recessão desvalorizava sua moeda para tornar seus produtos mais baratos no exterior, o que estimulava as exportações, em uma tentativa de fazer a economia crescer. Como a medida também “exportava” os problemas, todos os países entravam em um círculo vicioso de desvalorizações cambiais simultâneas. Mais uma vez, o quebra galho foi inócuo – e a tentativa de cada país fazer o que desse na telha, com isso, ruiu olimpicamente.
Acordo, sim; sacrifício, não
Se o reordenamento do sistema financeiro internacional é tão importante, por que não se faz algo a respeito? Porque, como é de se supor, nada é simples no arranjo da geopolítica global. "Essa não é uma decisão meramente técnica, mas política. A lógica de interesses imediatos é contrária ao bom senso, mas não há um espírito de cooperação geral", diz João Machado Borges Neto, professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). "A visão de longo prazo implica algum sacrifício imediato".
Há também uma grande diferença entre o cenário que permitiu os arranjos de 1944 e o atual. Nos acordos de Bretton Woods, os EUA eram a potência hegemônica e incontestável. Fazia sentido, portanto, que seu domínio fosse ratificado pelo acordo que transformou o dólar em moeda-chave do mundo. "E também havia o fator da saída da guerra. Existia um momento psicológico favorável para reorganizar o mundo", afirma o professor.
Nos imprevisíveis dias de 2011, os EUA seguem como a maior economia mundial, mas seu peso relativo já não é tão grande quanto no imediato pós-guerra. A China, por sua vez, engrenou décadas de crescimento tão vigoroso que o país é hoje a segunda maior economia do mundo ( com espaço para superar os EUA em 20 anos, segundo o Banco Mundial ), mas o yuan, sua moeda, segue marginal no comércio global - e, assim, sem espaço para se tornar um "novo dólar". E o euro, à deriva, ainda nem completou sua primeira década de vida e já se vê sob o risco de perder membros-chave. "Itália e Espanha teriam muito a ganhar se abandonassem o euro. Em algum momento, o custo de permanência desses países (na eurozona) vai ficar alto demais", diz José Luis Oreiro, professor da UnB.
Um deserto de alternativas
Discutiu-se de tudo nesses 40 anos de busca por um novo norte para as finanças globais. James Tobin, vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 1981, lançou a ideia da Taxa Tobin, um imposto de 0,1% sobre as transações financeiras internacionais que ajudaria a limitar a especulação nos mercados financeiros ( já defendida pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy ). O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, saiu-se em 2010 com a ideia de um "Bretton Woods II" , um arranjo de moedas também pensado para evitar a gangorra desenfreada das taxas de câmbio no mundo. E, ainda nos anos 1970, houve quem sugerisse inclusive uma volta ao padrão-ouro puro.
Mas talvez haja mais discussões a esmo do que propostas efetivas. "Estamos longe de ter configuração de poder mundial que torne viável uma alternativa", diz o professor João Machado. "Hoje o quadro é muito difícil. Não há um cenário de saída de guerra, de reconstrução do mundo – pelo menos por enquanto". A pasmaceira é também um sinal de alerta: "Meu medo é que o susto tenha que ser muito grande - e que a situação só mude quando as coisas estiverem muito pior".
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