Empresa 100% feminina oferece manutenção e consertos domésticos só para mulheres
Criadora da empresa que ostenta slogan "Mulher conserta para Mulher" conta que superou desafios e preconceitos no ramo
É incrível como grandes negócios podem surgir a partir de sacadas tidas no dia-a-dia, por causa de episódios aparetenemente banais. A troca de um botijão de gás de cozinha foi determinante para que a paulista Ana Luisa Correard criasse a empresa de Manutenção Residencial e Comercial M’Ana – Mulher conserta para Mulher.
“Estava sozinha em casa quando o entregador chegou para trocar o gás. Ele perguntou se o amigo com quem eu dividia o apartamento havia saído e se eu estava só. Me senti ameaçada pela forma como ele falou, pelo fato de estar sozinha e principalmente por ele conhecer a nossa rotina. Nada de mau aconteceu naquele dia, mas depois desse episódio não parei de pensar em como seria melhor se existisse um serviço de entrega feito por mulheres.”
E foi assim, aliando o desejo de lançar um empreendimento à desilusão com o emprego, que a jovem de 27 anos criou um negócio com uma visão super inovadora: lançar uma empresa de manutenção que atendesse apenas mulheres. O primeiro post que Ana Luiza publicou no Facebook, anunciando seus serviços, recebeu nada mais nada menos que 1 mil compartilhamentos em menos de 24 horas. O resultado superou todas as expectativas.
Vendo que o negócio tinha tudo para dar certo, a jovem empresária abandonou a carreira de editora de vídeo e passou a por em prática tudo o que havia aprendido com o avô. De agosto a outubro de 2015, ela trabalhou de forma incessante. Fazia pintura, instalações e pequenos reparos de segunda a sábado, das 6h da manhã até a meia-noite.
E foi entre a instalação de uma prateleira e a troca da resistência de um chuveiro que Ana recebeu uma proposta inesperada e muito bem-vinda de Katherine Pavloski. A arquiteta curitibana estava desiludida em casa, se recuperando de uma cirurgia, quando cruzou com a figura de Ana na internet. Ela não pensou duas vezes. Estava ali a chance de abrir o negócio com que tanto sonhava.
Estava formada uma dupla infalível em um campo de trabalho dominado por homens, e que, sem dúvidas, faria a diferença na vida de muitas mulheres.
“Atender mulheres é muito compensador, elas se identificam comigo e me contam histórias. Criamos laços que vão além de qualquer serviço que eu possa fazer. Sinto que estou fazendo a diferença na vida de muitas mulheres que eu atendo. Meu trabalho diz muito respeito ao empoderamento feminino. A mulher pode trabalhar nessa área, somos capazes de fazer isso, tanto que a empresa só cresce. Trabalho muito mais do que na época em que era editora, me sinto energizada porque é recompensador.”
Mas como já é de se imaginar, nem tudo são flores na vida de uma mulher que, na visão de uma sociedade machista, exerce uma atividade masculina.
“Sempre há comentários pequenos de gente que não enxerga o potencial de uma mulher. Muitas vezes eles colocam em dúvida minha orientação sexual, lançam desafios e fazem piadas do tipo ‘Quero ver bater uma laje, preparar um concreto’. São pessoas que nos desmerecem não apenas como profissionais e como mulheres, mas também como pessoas.”
Mas se engana quem acha que atitudes como essas abalam a determinação dessas empreendedoras. Foi-se a época em que comportamentos desaprovadores alimentavam o fracasso de mulheres como Ana Luisa e Katherine. “No começo eu tinha um sentimento de descrença na humanidade, mas hoje eu encaro tudo isso como uma batalha.”
E a batalha é diária. Acredite, essas meninas matam um leão por dia.
“Fomos um dia a uma loja de ferramentas para comprar uma furadeira e o vendedor nos desafiou. ‘Quero ver se você consegue segurar, se conseguir eu te vendo’. Enfrentamos situações como essas sempre, mas mostramos do que somos capazes, porque não podemos permitir que eles propaguem essas ideias para sempre.”
Às vezes, os insultos surgem durante os próprios atendimentos. “Houve uma vez em que fomos atender uma senhora que estava acompanhada do marido. Ele insistia em dizer, durante o serviço, que eu estava fazendo tudo errado, que minhas ferramentas não resolviam o problema, que meus preços eram abusivos e que eu estava roubando a mulher dele. Me recusei a continuar o atendimento e me desculpei com a cliente: ‘Desculpe, mas não vou conseguir terminar por causa do seu marido, minha empresa luta contra o assédio, por isso eu não vou passar por isso’.”
Por outro lado, sofrer tamanho assédio e tamanho preconceito provocou uma mudança positiva em quem convivia com essas jovens e preservava uma mentalidade machista e antiquada em relação às possibilidades da mulher no mercado de trabalho.
“Minha família era extremamente conservadora, mas a perspectiva deles mudou depois que passaram a tomar conhecimento do assédio que nós sofríamos e a ler os comentários dos quais éramos vítimas.”
A M’Ana foi criada não apenas para resolver problemas elétricos, hidráulicos e fazer reparos, pinturas e decoração. Ela nasceu para desafiar homens e mulheres a refletirem sobre suas opiniões, atitudes e capacidades. E ao que tudo indica, vai continuar questionando e rompendo padrões por muito tempo.
A empresa só cresce. Deve ganhar um escritório em abril e um site até o final de maio. As jovens Gláucia e Laís aumentaram o time. As solicitações de atendimento pela internet e por serviços de mensagem instantâneas (onde o grupo também dá dicas e oferece tutoriais de manutenção) não param. As meninas realizam cerca de oito atendimentos por dia e a cada um deles, põem antigos paradigmas em xeque.
“Eu enfrento meu medo todos os dias. Todos os dias precisamos lembrar que, ao contrário do que a sociedade tenta colocar na nossa cabeça, nós somos sim capazes de fazer o que quisermos”.
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