A manhã da última segunda-feira (8) começou mais cinza para a família de Thiago de Jesus Dias. O entregador da Rappi, que tinha 33 anos, teve um AVC durante o trabalho no sábado (6) e, depois de horas esperando socorro, teve morte cerebral e faleceu no hospital.
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O mal súbito aconteceu no bairro de Perdizes, na capital paulista, quando Thiago fazia uma entrega de moto pela Rappi , empresa que oferece esse tipo de serviço sob demanda, na qual trabalhava há pelo menos 1 ano e meio.
A cliente que esperava a entrega conta que tentou socorrer o motoboy , mas, além de não conseguir apoio dos órgãos públicos competentes - como polícia, bombeiros e Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) -, contatou a empresa que Thiago trabalhava e ouviu que era preciso dar “baixa no pedido, para que eles conseguissem avisar os próximos clientes que não receberiam seus produtos no horário previsto”.
Indignada com a insensibilidade da Rappi e a omissão de socorro do Estado, a advogada Ana Luísa Pinto, de 29 anos, resolveu contar o caso em sua página no Facebook depois que soube que o entregador havia falecido.
O Brasil Econômico tentou contato com a equipe da Rappi, mas até o momento não obteve resposta.
O irmão de Thiago, Isaque de Jesus Dias, de 24 anos, afirmou que apesar de a morte ter acontecido na segunda-feira e o enterro na terça-feira (9), somente na noite da quarta-feira (10) um representante da Rappi entrou em contato com a família por meio do telefone do entregador.
“Uma mulher que se identificou como Michele me disse que só ficou sabendo agora do caso e que estão apurando internamente o ocorrido. Ela me garantiu que nunca uma situação como essa havia acontecido na empresa e eles estavam estudando como agir.”
Isaque também disse que ouviu da porta-voz da empresa em que Thiago era contratado como Pessoa Jurídica, que voltaria a entrar em contato novamente nesta quinta-feira (11). “Ela só perguntou se a gente tinha conseguido enterrar meu irmão com dignidade”, conta.
Ao questionar Michele sobre a resposta que Ana havia recebido quando pediu ajuda da empresa, a representante da Rappi assegurou que ninguém havia falado nada sobre avisar outros clientes que os pedidos atrasariam.
“Eles não vão assumir a culpa e é isso que a gente fica revoltado. Minha família não tinha intenção de processar, mas agora é uma questão de honra. Sei que meu irmão não foi o primeiro e nem vai ser o último a passar por esse descaso e precisamos fazer alguma coisa para tentar mudar isso”, fala.
A ideia da família, que deverá se reunir com advogados nesta tarde, é entrar com uma ação judicial contra a Rappi. “A gente não quer dinheiro, até porque isso não vai trazer o Thiago de volta. A gente só quer justiça para que a empresa não fique impune”, desabafa.
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Omissão de socorro
Segundo o relato de Ana, Thiago finalizava seu serviço e, antes de ir para a casa, começou a sentir-se mal. “Narrou dor de cabeça forte, náusea e pressão baixa. Junto a isso, ele tremia muito e vomitou algumas vezes”, conta em seu texto na rede social.
“Começamos a tomar as providências e enquanto ligavamos para o Samu, pegamos cobertores para que ele se aquecesse [Era uma noite fria, e a temperatura batia 5ºC]”, relata.
Após a tentativa de falar com a Rappi, Ana e três amigos que estavam com ela conseguiram o contato da irmã do entregador , que prontamente se propôs a ir até a calçada em que ele estava enquanto aguardavam a ambulância.
Foi então que o entregador desmaiou. “Parecia que ele estava tendo uma convulsão, seu corpo e membros todos rígidos e sua respiração bastante dificultosa fazia bastante barulho”, descreveu a advogada.
Muito assustados, ela e seus amigos viraram ele de lado para que não se engasgasse e dispararam mais ligações para o Samu e Corpo de Bombeiros. “Fizemos todos os testes que nos orientaram pelo telefone e enfatizamos diversas vezes a urgência do caso”, fala.
Sem conseguir socorro e com Thiago inconsciente e sem reflexo, eles decidiram pedir um Uber para levar Thiago ao Hospital. “Carregamos ele para dentro do carro sob o argumento de que omissão de socorro é crime, mas nada adiantou. O Uber se recusou a fazer a viagem”, relata Ana.
Isaque conta que pelo fato de Thiago ter se urinado quando estava consulsionando, o motorista não quis transportá-lo. A Uber também não comentou o caso.
Neste momento, um carro com amigos de Thiago chegou. Rapidamente, transferiram o rapaz de um carro para o outro e saíram em disparada para o Hospital das Clínicas, próximo de onde estavam.
Ele deu entrada na UTI na madrugada de domingo e seu diagnóstico foi AVC. De acordo com Isaque, que ficou em casa com a mãe, que é hipertensa, enquanto a irmã estava no hospital, por volta das 2h da manhã os médicos afirmaram que Thiago teve um aneurisma e, devido a demora do socorro, não resistiu e apresentou morte cerebral. Na segunda-feira (8), foi confirmado seu falecimento.
A família reforça que no sábado, quando passou mal, momentos antes de sair para trabalhar estava brincando com a filha Brenda, de 6 anos, e com a cachorra Kiara. "Elas eram o amor da vida dele e ele parecia muito saudável durante toda a tarde, antes de pegar a moto para fazer as entregas à noite, que é quando tem mais corridas e paga melhor", diz Isaque.
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“Thiago deixa uma filha pequena e a sensação de indignação em todos nós. Foram duas horas aguardando socorro e a omissão de seus empregadores e do Estado nos causa profundo sofrimento”, finaliza Ana em seu post.