Entre 2009 e 2011, Alexandre de Juniac foi chefe de gabinete do Ministério da Economia francês, então comandado por Christine Lagarde, atual chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI). Depois, como CEO da Air France, conduziu uma integração com a holandesa KLM e serviu como presidente do conselho das operações combinadas. Desde 2016, ele ocupa a posição de principal executivo da IATA, a Associação de Transporte Aéreo Internacional, que reúne empresas aéreas de todo o mundo.
Ele esteve no Brasil e falou com a DINHEIRO um dia antes da reunião com o presidente Jair Bolsonaro (PSL) para apresentar a visão das companhias aéreas globais para o mercado brasileiro. No início de junho, a IATA reviu as projeções para 2019, reduzindo em 21% a projeção de lucro do setor, queda de 6,7% em comparação com 2018. A receita, no entanto, deve crescer 6,5% neste ano, para US$ 865 bilhões.
DINHEIRO – Este ano começou com boas previsões de crescimento para o mercado mundial de aviação. Em especial, as de médio e longo prazo. As condições mudaram?
ALEXANDRE DE JUNIAC – Temos quatro bilhões de passageiros no mundo. Para 2019, publicamos uma previsão esperando um ano decente em termos de rentabilidade, mantendo o mesmo nível de 2018. E, para 2020, a expectativa era de que a rentabilidade ficasse acima do custo de capital pelo quinto ano seguido, o que para o nosso setor é excepcional. Mas não estamos indo tão bem. Há muitas incertezas, como o preço do petróleo, as consequências da guerra comercial e das medidas protecionistas adotadas.
DINHEIRO – Qual será o impacto do aumento do preço do petróleo e da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China ?
DE JUNIAC – O preço do petróleo afeta imediatamente os negócios. Causa uma perda de lucratividade. O combustível responde por cerca de 23% do custo total das operações das empresas aéreas. No Brasil é ainda pior: chega a 30%, devido aos pesados impostos. Vemos claramente uma diminuição no ritmo de crescimento do PIB [Produto Interno Bruto] em diversas partes, como na China e na Europa. Por isso, divulgamos uma revisão das expectativas.
DINHEIRO – A alta do combustível é o que explica as empresas aéreas brasileiras sofrerem tanto?
DE JUNIAC – Não deveria haver razão para isso. O Brasil produz até 80% de sua gasolina de aviação. Além disso, é um país de rápido desenvolvimento no setor. Em especial, era antes da recessão. É um país grande, que tem fabricantes de aviões e empresas aéreas fortes, além de contar com europeias que atuam aqui. Há uma boa infraestrutura e o controle de tráfego está funcionando bem. Mas o setor sofre com os altos custos de operação e com uma regulação complexa.
DINHEIRO – A Avianca no Brasil entrou em recuperação judicial . Isso pode causar maior concentração e o aumento dos preços das passagens?
DE JUNIAC – A realidade é que, se o Brasil quiser aumentar a competição, terá de atrair empresas estrangeiras ou incentivar a criação de novas. Mas, para fazer isso, vai precisar baixar os custos e simplificar o ambiente regulatório. De outra forma, não vai conseguir atrair ninguém. Se não vierem novas empresas, as incumbentes vão continuar como as únicas competidoras. E desejamos que haja maior competição — ou seria um desastre…
DINHEIRO – O governo entende a importância de promover essa competição?
DE JUNIAC – O governo tem o objetivo claro de aumentar o tráfego e atrair passageiros internacionais, turistas e homens de negócios. Se as suas políticas forem consistentes, terá de implementar medidas para reduzir os custos e diminuir a complexidade regulatória. Isso também é do interesse do passageiro, no fim das contas. E do próprio País.
DINHEIRO – Uma das grandes polêmicas do setor foi a regulação da cobrança da bagagem . O presidente Jair Bolsonaro terminou por afirmar que vai deixar a decisão por conta das empresas. Como vê essa situação?
DE JUNIAC – No Brasil, não vejo um equilíbrio correto entre a necessidade de proteger o interesse dos passageiros e das empresas aéreas. O exemplo de regular a taxa de bagagem é algo que, para nós, é impossível de entender. Essa é uma questão pura de mercado, que deve ser administrada pelas forças do mercado e operadoras de aviação. Em nenhum lugar do mundo isso levanta questionamentos. Exceto no Brasil.
DINHEIRO – Muitos passageiros reclamam que as empresas aéreas embolsam o lucro da cobrança de bagagens e não baixam o preço das passagens...
DE JUNIAC – É uma visão errada. Não cobrar as bagagens traria um ganho de muito curto prazo para o passageiro. Existem dificuldades regulatórias em muitos países, mas não neste nível. Adotamos padrões internacionais. São metas aplicadas em todos os lugares, que são criticadas, equilibradas e reequilibradas. O que aconselhamos ao Brasil é: simplifique o ambiente e adote os padrões internacionais. Eles não existem por acaso, mas sim porque 90 países do mundo concordaram em seguir tais regras. Eles foram calibrados muito cuidadosamente para dar a proteção correta a cada agente do setor. Seria tão simples seguir os padrões... Atrairia empresas, investimentos e desenvolveria o mercado e o Brasil.
DINHEIRO – O fato de as leis não seguirem padrões internacionais explicam porque o Brasil não consegue desenvolver a competição com aéreas low cost ? Isso pode mudar com a chegada da Norwegian e da Air Europe ao País?
DE JUNIAC – Se reduzir o custo de operar, de litigação, de infraestrutura, de combustível e se simplificar a regulação, esse mercado vai se desenvolver. Propomos duas coisas: primeiro, permanecer com padrões internacionais, que é a coisa mais fácil de fazer. E, quando uma questão não se incluir no padrão, defendemos umas “ smart regulation ” (regulação inteligente). A forma de fazer isso é colocar todos os agentes de mercado em volta de uma mesa para discutir o problema. Não estamos pedindo falta de regulação. Sabemos que o setor de aviação é um mercado altamente regulado e que isso é para o bem do setor. Mas é também para o mal em certos casos.
DINHEIRO – O governo brasileiro indicou que vai privatizar rapidamente o máximo de aeroportos que conseguir . Isso será benéfico?
DE JUNIAC – A posição da IATA é muito clara. Estamos acompanhando privatizações por todo o mundo pelos últimos 30 anos e sempre alertamos os governos a prestarem muita atenção nessa forma de ativos. Não digo para não fazer as vendas, mas para avaliar todas as alternativas. Há outras formas de atrair capital estrangeiro ou gestão privada para esse tipo de infraestrutura. Se a decisão final for pela privatização, temos um guia de concessões para mostrar o que deve ser feito, como deve ser feito e o que não deve ser feito e precisa ser evitado de todas as formas. Não inventamos a roda. Só juntamos as boas e más experiências coletadas por todo o mundo.
DINHEIRO – Dê um exemplo do que não deve ser feito de maneira alguma?
DE JUNIAC – Quando se escolhe a concessionária a partir do maior valor que ela vai pagar ao estado. Posso dizer, sem o risco de errar, que isso aumenta o preço de uso do aeroporto. Se houver uma melhoria equivalente na qualidade do aeroporto, nós não ficaremos exatamente felizes, mas pelo menos perceberemos que pagamos por algo positivo. Mas geralmente vemos aumentos enormes nas tarifas de uso sem melhorias na qualidade do serviço. Como resultado, haverá no curto prazo um aumento dos ganhos para o governo, mas sem levar em consideração o que é do interesse da indústria.
DINHEIRO – Falando de infraestrutura aérea, há novas tendências na construção de aeroportos?
DE JUNIAC – Em todos os lugares do mundo, a construção de aeroportos é uma grande questão política. Tratam-se de projetos gigantes. É preciso considerar o meio ambiente, a poluição sonora e a vizinhança. O que vemos é uma grande dificuldade de implementar esses projetos. O novo aeroporto da Cidade do México talvez seja o melhor exemplo disso [o presidente, Andrés Manuel López Obrador, primeiro cancelou e depois confirmou a sua construção].
DINHEIRO – Até mesmo Berlim tem problemas, não? Mesmo com a famosa eficiência alemã, o novo aeroporto, que deveria estar pronto desde 2011, ficou para o fim de 2020. E foram apontados milhares de erros no projeto...
DE JUNIAC – Sim. Vemos o custo de construção de aeroportos disparando em todos os lugares do mundo. Os projetos de grandes aeroportos, de novos terminais e pistas, custam dezenas de bilhões de dólares. É muito dinheiro.
DINHEIRO – Mas esses projetos são necessários?
DE JUNIAC – Em oito anos, vai duplicar o número de passageiros no mundo. Vamos precisar de quase o dobro da capacidade atual. Então estamos pressionando os governos a fazerem as melhores decisões em infraestrutura. Mas a um custo razoável, possível de ser pago.
DE JUNIAC – De fato, a Turquia levou quatro anos para fazer um aeroporto gigante, o que foi excepcionalmente rápido. Acabaram de passar as operações do aeroporto internacional Ataturk para o novo de Istambul, que terá capacidade de receber 200 milhões de passageiros por ano e ter seis pistas. Eles decidiram, implementaram e mobilizaram todos os recursos para avançar nesse projeto. E fizeram isso bem.
DINHEIRO – O crescimento do tráfego global tem vindo principalmente do Oriente?
DE JUNIAC – A região possui empresas aéreas muito dinâmicas. O tráfego e a expansão do setor estão se movendo para o Leste. A China, a Índia e o Sudeste da Ásia são os motores. O país de crescimento mais rápido do mundo é a Índia. E a China será a líder mundial em 2023 ou 2024, acima dos EUA. A Indonésia, em 20 anos, será o quinto maior mercado do mundo. Há uma grande demanda nesses países.
DINHEIRO – As operadoras europeias e americanas reclamam dos subsídios governamentais dados às aéreas asiáticas. Há uma preocupação quanto a isso?
DE JUNIAC – Todas essas empresas são membros da IATA e os governos é que devem decidir. Há muitos acordos sendo negociados, entre a Europa e os países do Golfo, entre os EUA e o Golfo. Há novos acordos entre o Catar e os EUA. Entre EUA e a Europa. As coisas estão voltando ao normal.
DINHEIRO – O Brasil assinou um acordo de ares abertos com os EUA. Como vê esse movimento?
DE JUNIAC – Isso é bom. Sempre desenvolve tráfego. Para a indústria, deve ser positivo.