O que a suspensão da fábrica da Chery diz sobre o setor automotivo no País?
A montadora chinesa negocia o lay-off de 140 funcionários com o sindicato; especialistas analisam a situação do setor automotivo e traçam possível futuro de médio e longo prazo
No Brasil há praticamente dois anos, montadora chinesa Chery enfrentou duas greves , já deu férias coletivas e, no momento, negocia um acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos de São José e Região para o lay-off de, pelo menos, 140 funcionários. A fábrica, que fica na cidade de Jacareí (SP), poderá suspender a produção dos veículos no País por até cinco meses, a partir de julho. Segundo a empresa informou ao Brasil Econômico nesta quarta-feira (22), o acordo está sendo realizado, porém ainda não foi assinado pelas partes e que, por isso, “não poderia divulgar detalhes”.
As motivações o lay-off seriam, de acordo com informações do sindicato, os estoques altos e a adequação da linha de produção de modelos SUV. Com este movimento confirmado, a fábrica terá cerca de 90% dos funcionários afastados temporariamente. A baixa produtividade é uma constante no setor automotivo e para a montadora chinesa, que nunca operou em sua capacidade plena no País.
O lay-off, suas consequências e a crise no setor
O lay-off é a suspensão temporária dos contratos, com redução salarial. Mas, além do desemprego dos funcionários, a estratégia da montadora atinge, mais indiretamente, a cidade onde é sediada, seja pela queda de receita prevista, seja pela diminuição do poder de compra dos habitantes – efeito que vem em cadeia.
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Segundo o diretor de Economia da Anefac, Andrew Storfer, ainda não há uma previsão do número total de desempregos no setor automotivo no Brasil em 2016, já que “as fábricas estão reticentes nessa estimativa”.
Porém, se considerarmos os números de 2015, podemos ter uma ideia do cenário, que não é nada positivo: o setor automotivo perdeu 108.643 vagas no ano passado, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Além disso, de acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a indústria de autoveículos fechou 2015 com 114.336 empregados, o menor número desde 2009, um montante 15,5% inferior ao de 2013, cuja marca de 135.343 empregados foi recorde.
Quedas sucessivas
A porcentagem de participação da montadora chinesa no mercado automotivo no País é pequena, quase mínima, porém a decisão de lay-off da Chery pode, sim, retratar os rumos do setor automotivo brasileiro.
Para começar a análise sobre as condições de mercado e as políticas que norteiam as indústrias automobilísticas no Brasil, podemos citar a queda das vendas: cerca de 3 anos atrás, havia circulação de 3,5 milhões de carros no País e, hoje, esse número é menor que 2 milhões. De acordo com dados da Fenabrave, até maio de 2016, foram emplacados 784.813 veículos, queda de 26,32% em relação ao mesmo período do ano passado. Na comparação apenas do mês de maio, a queda é de 20,88%, passando de 204.956, em 2015, para 162.170 emplacamentos em 2016.
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Com esses números, percebemos a “frustração” das empresas que, de uma forma ou outra, tentam estancar os prejuízos . “É uma tendência que, em termos de renda, as empresas mais atingidas pela crise passem a tomar providências: seja por demissão de pessoal, por lay-off, pela busca de recursos para pagar um período até que a atividade comece a voltar etc. Talvez outras empresas do mesmo setor não tenham o mesmo destino da Chery, mas elas podem passar pelas mesmas dificuldades”, analisa o professor de Finanças do Ibmec/DF e diretor da Valorum Consultoria Empresarial, Marcos Sarmento Melo.
Uma das estratégias mais adotadas é o lay-off, quando há descontentamento com a produção e com lucros abaixo do programado. E isto não é algo exclusivo das pequenas empresas: no segundo trimestre do ano passado, as grandes fabricantes de carros e caminhões do País já adotaram a estratégia com mais intensidade que, agora, acontece nas fábricas menores, ou chamadas new incomers.
“O lay-off é uma estratégia das montadoras para deixar passar o tempo e, mais para frente, poder voltar a usufruir do mercado. Na prática, nenhuma das empresas instaladas no Brasil disse que ‘vai sair’. Todas se manifestaram, mas deram continuidade as suas atividades conforme possível. Mesmo diante de um cenário de queda de vendas, de pouco mais de 26% de carros, e 60% de caminhões”, explica o professor coordenador do MBA de gestão da Cadeia Automotiva da FGV, Antonio Jorge Martins.
O setor automotivo vai melhorar?
Sobre a economia brasileira de maneira geral, o professor do Ibmec enxerga “alguns sinais de recuperação”. Para ele, existem fatores que demonstram que “parece não haver possibilidade de pioras”. Dessa forma, especula que o País volte a crescer em 2017, atingindo um crescimento mais satisfatório em 2018. “Isso se houver as mudanças econômicas esperadas como privatizações, redução da Selic, ajuste fiscal, manutenção do câmbio em nível razoável para exportação – o que pode refletir no setor automotivo”, pontua.
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O diretor da Anefac também cita a exportação como forma de melhorar este cenário. “Com um câmbio com a tendência de subir, conforme vemos, melhoramos a competitividade", diz. "Isso pode influenciar nos acordos de comércio para outros países. Afinal, temos condições de produzir carros bons. Penso que é uma forma de manter empregos e receita. Dessa maneira, sim, o governo pode ajudar a promover, nessas aproximações para ajudar o setor automobilístico a melhorar”, conclui.
No entanto, ele acredita que, até o fim do ano, é esperado que o estoque permaneça. “Não tem como o governo interferir ou resolver isso. E nem é desejável, na verdade. O setor automobilístico já teve medidas de auxílio há alguns anos e, na prática, não houve uma mudança. E com o Tesouro quebrado, como está atualmente, sou mais cético ainda. Por isso, a curto e médio prazo, não vejo uma melhoria”, afirma o diretor de economia da Anefac.
Já para o coordenador do MBA da FGV, apesar do cenário ruim, o futuro do setor é positivo, uma vez que possui potencial de crescimento e continua como referência no mercado sul-americano. “O processo de associação de empresas deve diminuir o número de montadoras. No continente sul-americano, o Brasil é o melhor lugar, a principal base de atuação seja para vizinhos ou para países de outros continentes. O simples fato de essas indústrias não se afastarem do País diz muito sobre nosso potencial de crescimento”, defende.