João Ricardo Costa Filho

Mudança da política monetária da China

O regime vigente monetário chinês parece estar com os dias contados

O presidente da China, Xi Jinping, durante o Congresso do Partido Comunista em outubro de 2022
Foto: Noel Celis
O presidente da China, Xi Jinping, durante o Congresso do Partido Comunista em outubro de 2022

A condução da política monetária na China é feita de uma maneira mais inclinada ao controle quantitativo. Isto é, em vez de o principal alicerce ser a taxa de juros, o Banco Central do país utiliza objetivos associados ao crescimento do crédito para gerenciar a quantidade de moeda da economia.

Não é exatamente o que se fazia no ocidente há algumas décadas quando os bancos centrais controlavam a quantidade de moeda.  Ao que parece, esse regime está com os dias contados. 

Em entrevista para o Financial Times, o banco central chinês indicou que reduzirá a taxa de juros de 1,5% ao ano para o que qualificou como um nível adequado, em tradução livre. Essa é a taxa das operações compromissadas (recompra reversa) com prazo de sete dias.

Para termos uma ideia do que isso representa, o gráfico a seguir mostra o histórico da taxa de juros com base nos dados do Trading Economics:

O histórico da taxa de juros com base nos dados do Trading Economics
Foto: Trading Economics
O histórico da taxa de juros com base nos dados do Trading Economics



O movimento em direção a uma condução monetária mais “ortodoxa”, como definiu o Financial Times na entrevista supracitada, não é necessariamente novo, mas pode ganhar um novo capítulo este ano.

Em artigo publicado na Economic Modelling em julho de 2020, "The transition of China's monetary policy regime: Before and after the four trillion RMB stimulus", Buben Fu e Bin Wang identificaram que a taxa de juros ganhou um protagonismo maior dentre as ferramentas monetárias disponíveis ao banco central após 2009.

Mas por que uma nova alteração agora? Se eu tivesse que responder com apenas um gráfico, seria o que segue abaixo, cujos dados foram obtidos no FRED, o repositório do Federal Reserve de St. Louis:

Foto: Reprodução
Gráfico do repositório do Federal Reserve de St. Louis


Note que os preços dos imóveis residenciais na China têm registrado uma tendência de queda desde 2021, de forma que o nível agregado médio, no segundo trimestre de 2024 (a última leitura disponível), estava no mesmo patamar do início de 2016. 

A China está passando por uma mudança no seu modelo de crescimento. As feridas da transição podem se tornar tão profundas quanto forem as dificuldades em equacionar essas alterações estruturais; além disso, o governo chinês quer tentar suavizar as oscilações de curto prazo enquanto a economia encontra uma outra forma de crescer sustentável e confortavelmente, ainda que em ritmo consideravelmente mais lento se comparado às taxas de dois dígitos do passado.

Como o controle quantitativo não está mais dando resultado, vai tentar a via ortodoxa. Vai ser suficiente? Acredito que não. O nível da taxa de juros já se encontra em um patamar relativamente baixo para poder impulsionar a atividade econômica na medida dos desafios que a China enfrenta.

É possível, inclusive, que a China esteja no que a literatura econômica chama de ineficiência dinâmica. Se for o caso, a política monetária pode “patinar” sem alcançar o seu objetivo.

Mas, independentemente da dar certo, quem é afetado por isso (e como)?


Em "International Transmission of China’s Monetary Policy", Mi Zhang, Dongzhou Mei e Wenni Lei identificam os canais pelos quais as mudanças na política monetária transbordam para outras economias.

Os autores encontraram que as mudanças monetárias no gigante asiático operam, fundamentalmente, pelo comércio internacional (via produção industrial), tanto em economias desenvolvidas, como em economias emergentes.

Isso pode trazer algum alento em um cenário de redução de trocas comerciais e ameaça de protecionismo crescente via aumentos de tarifas (e suas respectivas retaliações).

Ou seja, ainda que para a China em si eu não acredite que essa mudança sozinha será suficiente, ao menos, os novos cortes de juros podem configurar algum alento para a economia internacional.