João Ricardo Costa Filho

O Banco Central não consegue ver estrelas

Entidade monetária trabalha a questão dos juros focada em cumprir a meta de inflação

Foto: Lorena Amaro
Banco Central define as taxas de juros no país

Um conceito importante na condução da política monetária é o que a literatura econômica denomina de taxa de juros real natural (há quem a chame também de taxa de juros neutra). Vamos por partes. Taxa de juros real significa que consideramos o aumento de fato do poder de compra proveniente da aplicação em um produto financeiro (por exemplo, um título). Isso se faz descontando a taxa de inflação. Intuitivamente, se a taxa de juros for 100% ao ano, mas os preços subirem na mesma proporção no período, embora o seu patrimônio tenha dobrado, o poder de compra dele é o mesmo que um ano antes. Portanto, o juro real é o que o obtemos de remuneração acima da inflação.

Há duas maneiras de calcular a taxa de juros real: olhando para a remuneração que já ocorreu e a inflação registrada no período (o que chamamos de taxa de juros real ex-post, porque considera o passado) ou utilizar a remuneração de um título hoje e a expectativa/projeção para a inflação à frente (denominada taxa de juros real ex-ante, já que se baseia no que se espera que aconteça). Neste texto, vou trabalhar com o segundo conceito.

Mas e aquela história de “natural” (ou “neutra”)?

Isso remonta ao início do século passado, quando Knut Wicksell escreveu um artigo publicado no The Economic Journal em 1907 intitulado The Influence of the Rate of Interest on Prices. Resumidamente, a taxa de juros natural (sempre em termos reais, mas para não cansar quem nos lê, vou me privar de repetir o termo “real” algumas vezes) é uma referência que ajuda a entender o impacto da taxa de juros na atividade econômica e nos preços. Se o Banco Central do Brasil elevar a taxa de juros a um patamar acima da taxa natural, a política monetária seria contracionista, isto é, desestimularia consumo e investimento (sem falar nos seus possíveis efeitos nas exportações líquidas), o que faria com que a demanda agregada diminuísse e, com ela, eventualmente, também a taxa de inflação. Analogamente, quando o Banco Central quer estimular a economia, ele corta a taxa de juros nominal até que a taxa de juros real esteja abaixo da taxa natural. Portanto, quando elas são iguais, os juros nem estimulam, nem desestimulam a economia (por isso a expressão “neutra”).

Diversos trabalhos mais recentes denominam a taxa natural de r* ou r-star (em uma tradução livre, r-estrela). Em que pese a falta de criatividade nos nomes atribuídos pelos economistas, a dificuldade na condução da política monetária emerge porque essa taxa não é observada. Deve, portanto, ser estimada.

Em junho deste ano, no Relatório Trimestral de Inflação publicado pelo Banco Central do Brasil, em um box intitulado " Taxas de juros neutras: evidência internacional ", a entidade monetária dissertou sobre a experiência internacional (não apenas acerca das práticas de estimação, mas também sobre os valores estimados para diversas economias) e apresentou uma estimativa para o Brasil: 4,5% ao ano.

A (meta da) taxa de juros nominal está em 12,25% ao ano. O último Relatório Focus do Banco Central revelou uma projeção mediana de 3,94% para a inflação nos próximos 12 meses por parte de alguns agentes econômicos. Isso gera uma taxa de juros real em torno de 8% ao ano.

Portanto, podemos esperar que o Banco Central conduza a Taxa Selic (nominal, ou seja, sem descontar a taxa de inflação) para algo em torno de 8,6% ao ano (taxa neutra com a expectativa para 12 meses)? Talvez não.

Como a entidade monetária opera com o objetivo de cumprir uma meta para a taxa de inflação, enquanto a perspectiva para é de que a inflação se mantenha acima da meta, é provável que a taxa real fique acima da neutra. Quanto acima? Se for entre um ponto percentual e 1,5 ponto percentual, e considerando que as expectativas de inflação venham a cair também ao longo do processo (por exemplo, para 3,5% em 12 meses, a projeção para 2025 no Focus), estamos falando de uma Selic no fim do ciclo de queda entre 9,25% - 9,75%.

É importante relembrar que o Banco Central do Brasil, por mais que a noite esteja livre de nuvens e obstruções, não consegue observar essa estrela em particular. Portanto, a estimativa de 4,5% ao ano é apenas “um norte”. Além disso, existem diversos fatores que influenciam a taxa natural que não estão sob o controle do Banco Central. Demografia, produtividade, a dinâmica fiscal, e o ambiente monetário internacional são apenas quatro exemplos de vetores que podem ajudar a determinar o nível de juros de equilíbrio em uma economia. Nem sempre a culpa é das estrelas.