Uma das formas de analisar a economia é assumir que as flutuações econômicas resultam de perturbações (guerras, terremotos, pandemias, mudanças de preferências, incerteza, dentre diversas outras) ou, no jargão mais técnico, de choques. Obviamente, é uma simplificação, mas ela pode ser útil. Há aqueles choques que geram mais dificuldades na oferta (por exemplo, aumento de custos) e outros que atrapalham mais o lado da demanda (queda na confiança dos consumidores, por exemplo).
A pandemia da Covid trouxe não somente as questões de saúde pública, mas também desorganizou a produção. Empresas tiveram que (re)aprender como operar de formas totalmente diferentes. Não bastasse isso, tivemos também a guerra na Ucrânia que impactou preços importantes da economia mundial, aumentando os custos de produção em diversos países.
Aprendemos com a literatura recente sobre a macroeconomia da pandemia que entraves na oferta podem gerar queda na demanda agregada. O trabalho de Veronica Guerrieri, Guido Lorenzoni, Ludwig Straub e Iván Werning intitulado Macroeconomic Implications of COVID-19: Can Negative Supply Shocks Cause Demand Shortages? ("Implicações macroeconômicas da COVID-19: Os choques negativos na oferta podem causar escassez de procura?", em tradução livre) aborda alguns mecanismos. Portanto, parece importante acompanhar como andam esses entraves à produção, até porque as respostas de política econômica, pelo que dizem as boas práticas na literatura, são condicionais ao tipo de choque que experimentamos.
No gráfico, apresento uma aproximação simples para estimar os choques de oferta na economia brasileira, com base nos dados para a taxa de inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo , o IPCA, atualizada com a recente divulgação para o mês de setembro. Utilizei o valor do índice acumulado em 12 meses e subtraí a média (também do acumulado em 12 meses) de três núcleos de inflação (aquelas métricas menos voláteis e mais associadas à dinâmica da atividade econômica doméstica). Valores positivos significam que os choques diminuem a oferta (pense como um aumento nos custos de produção), ao passo que os valores negativos ajudam a aumentá-la.
Verificamos alguns padrões. Primeiro, a intensidade dos choques (sejam positivos ou negativos) na pandemia é muito maior do que o observado em grande parte dos meses desde o início dos anos 2000. Além disso, a correção foi um pouco mais simétrica do que os eventos de 2001-2002, que tiveram magnitude semelhante (mas com origem totalmente diferente). Àquela altura, os aumentos por volta de 2002 não tiveram intensidade semelhante com o sinal trocado. Já para a pandemia, em que pese a duração de choques positivos e negativos ter sido ligeiramente diferente, as intensidades (para cima e para baixo) são um pouco mais próximas.
Além disso, podemos observar que a pandemia e a guerra na Ucrânia geraram choques de oferta que dificultaram a produção no Brasil, o que desde o início do ano se resolveu e o sinal se inverteu. Notemos, no entanto, que em setembro a estimativa é próxima de zero, ou seja, pode ser que o alívio na oferta, possivelmente proveniente da reorganização das cadeias produtivas, tenha se esgotado. E se o caos e horror que temos testemunhado recentemente tiver impactos na economia internacional (por exemplo, via preços de petróleo), pode ser que novos choques de oferta ocorram. Portanto, pode ser que produzir no Brasil se torne um pouco menos fácil daqui para frente (isso sem contar todos os entraves que já observamos usualmente no ambiente de negócios no país). Acompanhemos.