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Queda na Selic é suficiente para a volta sustentável do crescimento?

Formas de o Estado atuar podem influenciar positiva ou negativamente as expectativas futuras e efetivamente o rumo da economia no país.

Foto: Lorena Amaro
Banco Central do Brasil

Inicio minha coluna no iG  fazendo um convite à reflexão sobre quais expectativas deveríamos formar sobre o futuro do país com base na redução da taxa básica de juros (Selic) em 0,5 pontos percentuais . Meu foco aqui não é entender os efeitos de curto prazo deste processo , mas, sim, questionar se isso será condição suficiente para que voltemos a crescer de maneira consistente.

Devemos lembrar que a política monetária é somente um dos alicerces que sustentam a ação do Estado sobre o domínio econômico e tem por função precípua auxiliar no controle da inflação, algo que o Banco Central do Brasil tem feito muito bem (e melhor do que a grande maioria dos outros bancos centrais pelo mundo) nos últimos anos, em que pese as pressões de toda ordem que sofreu.

A questão, entretanto, é que existem outras formas de o Estado atuar que podem influenciar positiva ou negativamente as expectativas futuras e efetivamente o rumo da economia no país. E uma das principais delas diz respeito à questão fiscal e ao gasto público, um dos maiores problemas enfrentados pelo país e que até o momento não foi equacionado.

Em que pese termos no Congresso hoje uma proposta de controle das contas públicas para substituir a “Regra do Teto dos Gastos” até então vigente, o que está em debate é algo que já assume elevações de despesas futuras contratadas, com base em crescimento de receitas esperadas incertas e com um piso para gastos públicos com investimentos, mesmo quando a economia não andar bem.

Na verdade, essa proposta, que ainda pode passar por alterações no Congresso, é mais uma construção mais política do que técnica e certamente exigirá aumento de arrecadação tributária no futuro para fazer frente às necessidades de financiamento do setor público.

E, neste mesmo capítulo, temos ainda no Congresso a discussão sobre a sugerida “Reforma Tributária” que, até o momento, mostrou-se apenas como uma unificação de impostos sobre venda e bens e serviços e cuja pressão de lobbies de determinados grupos da sociedade exigirá uma elevação substancial de alíquotas e que terá forte impacto, principalmente, sobre aqueles que não terão crédito tributário a compensar.

Mais recentemente, iniciou-se uma discussão sobre uma possível Reforma Administrativa, algo de suma importância para a melhoria da eficiência do setor público e que, certamente, terá impacto sobre a produtividade do setor privado. Esta é, de longe, uma questão não trivial e deve ser tratada de forma técnica, distante de interesses corporativos e, mesmo, ideológicos.

Essas discussões têm impacto direto sobre as expectativas dos empresários, responsáveis por realizar investimentos de longo prazo, motor do crescimento econômico e da ampliação do nível de emprego na sociedade. Esses agentes (os empresários) estão acostumados a tomar riscos e estão dispostos a fazê-lo, desde que consigam quantificá-los e precificá-los adequadamente.

O problema maior, entretanto, é que quando caímos em um ambiente de incerteza (sem qualquer ideia do que virá pela frente), torna-se impossível qualquer previsão minimamente confiável. Nessas situações, os empresários preferem “brincar de estátua” e não investem, postergando decisões estratégicas. E é bem possível que seja essa a maior preocupação da equipe econômica atual.

De fato, essa agenda de crescimento econômico virtuoso e contínuo é muito mais longa e certamente passa pela capacidade de o Estado criar expectativas favoráveis para os agentes econômicos. Por exemplo, garantir um ambiente de negócio justo e estável, respeitando contratos e regras pré-definidas (sejam elas regulatórias, legais, etc.), também faz parte dessa equação, minimizando riscos e reduzindo o custo para o empresário e para a sociedade.

E isso sem falar nas funções clássicas que o Estado tem, que envolvem investimento em educação, saúde e segurança pública, e cujo resultado se reflete não apenas no bem-estar dos cidadãos, mas, também, sobre a própria produtividade dos trabalhadores em geral (tornando-se mais um fator de atratividade de investimento privado).

A verdade é que a agenda econômica que devemos enfrentar é muito maior do que a simples discussão sobre a taxa de juros vigente, mesmo porque ela é muito mais consequência do que causa.

Mais que isso, os pontos aqui levantados devem ir muito além de disputas políticas partidárias e ideológicas e, se não forem adequadamente endereçados nos próximos anos, consolidar-nos-ão como o eterno país do “voo de galinha” sugerido pelo economista Edmar Bacha na década de 70 como Belíndia (país com impostos de primeiro mundo e com a realidade social de terceiro).