
O conjunto de medidas apresentado pelo Governo Federal para apoiar empresas brasileiras impactadas pelo tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não é unanimidade entre especialistas ouvidos pelo Portal iG, nesta quarta-feira (13)
Desde 6 de agosto vigora uma tarifa de 50% sobre boa parte dos produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos .
Com o objetivo de reduzir os impactos para os exportadores atingidos pela sobretaxa aos produtos brasileiros , o governo anunciou a Medida Provisória (MP) chamada de Plano Brasil Soberano, que reúne ações de apoio às empresas, aos exportadores e trabalhadores afetados.
O plano tem como principal instrumento uma linha de crédito de até R$ 30 bilhões, destinada especialmente a pequenas e médias empresas que comprovarem prejuízos com a taxação.
O iG ouviu especialistas que divergem a respeito da eficiência do socorro do governo aos exportadores brasileiros.
Medida bem direcionadas
Na opinião da economista Luiza Sampaio, trata-se de uma MP certeira, já começando pelo nome - Brasil Soberano.
Ela acredita que as medidas anunciadas poderão, se bem implementadas, surtir um efeito considerável.
"O nome da MP é justamente para colocar o Brasil numa posição de defesa à sua soberania. A ameaça que os Estados Unidos fizeram e a concretude das medidas de Donald Trump poderiam fazer com que o Brasil perdesse, ao longo desses dois anos, até 150 mil empregos. Isso é muito preocupante para o país, quando nós pensamos que 150 mil empregos afetariam mais do que 600 mil pessoas, considerando uma família de quatro membros" , avalia a economista ao iG .
Para Luiza Sampaio, a aposta de R$ 30 bilhões - recursos que terão origem no Fundo de Garantias de Exportações - será capaz de incentivar investimentos em setores estratégicos para a exportação.
"Será um fundo garantidor de exportação, que vai oferecer recursos com taxas mais acessíveis, ampliando a linha de financiamento da exportação. E, entre algumas medidas, ele vai, por exemplo, prorrogar a suspensão de tributos, vai aumentar a porcentagem de restituição dos impostos federais, vai, também, comprar gêneros alimentícios, ou para hospitais, ou para educação, na maioria escolas. E a contrapartida dessas empresas será a garantia dos empregos", detalha.
A economista destaca ainda que é importante o governo incentivar a busca de novos parceiros para reduzir a dependência dos exportadores brasileiros do mercado norte-americano.
"O Brasil tem que pensar numa solução para ter menos vulnerabilidade e dependência dos Estados Unidos. E essas medidas, elas são direcionadas para isso. Acreditamos que, se forem realmente bem aplicadas, o impacto que esse tarifaço poderia gerar vai diminuir consideravelmente" , conclui.
''Voo de galinha''
Já para Marcelo Godke, especialista em Direito Internacional Empresarial e sócio do Godke Advogados, o plano é ineficaz e não resolverá o problema.
Em entrevista ao iG, Godke afirmou que o plano confirmará a declaração do Presidente Trump de que os países exportadores arcarão com o imposto de importação cobrado sobre os produtos que entram no território americano.
"Normalmente, o aumento do imposto de importação é repassado ao consumidor no país de destino. No entanto, como o plano concede crédito para manter o preço competitivo, o imposto de importação não será pago pelo consumidor, pois o preço do produto será mantido no mesmo patamar nos Estados Unidos. Em vez disso, o contribuinte brasileiro pagará esse imposto, uma vez que o crédito será subsidiado e retirará recursos da economia brasileira. Portanto, o ônus do imposto de importação recairá sobre nós" , aponta.
Outro problema apontado é a natureza temporária do programa, já que, segundo ele, o Brasil não poderá financiar indefinidamente R$ 30 bilhões, porque as contas públicas estão sobrecarregadas.
"Essa é uma tentativa paliativa e de curto prazo, um voo de galinha. A medida foi tomada às pressas, sem planejamento, e até o momento não houve diálogo com o governo americano para solucionar a questão de forma adequada. A raiz do problema não está sendo abordada, apenas enxugando gelo. Portanto, é evidente que não trará uma solução", acrescenta.
Ainda a respeito da eficiência do Plano Brasil Soberano, Marcelo Godke reforça que se trata de um alívio momentâneo, sem efeitos práticos duradouros, e cobra outras ações do poder público.
"Talvez um efeito temporário por alguns meses. É uma resposta superficial ao setor produtivo para demonstrar que o governo está agindo. O que o governo deve fazer é desburocratizar e parar de obstruir aqueles que desejam trabalhar, lucrar, exportar e produzir. É essa a atitude necessária" , finalizou.
Zona cinza do tarifaço
Na opinião do economista Cicero Pimenteira, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), ouvido pelo iG, existe "uma grande zona cinza" no processo que envolve o tarifaço de Trump.
Para ele, é impossível ter certeza se Trump está falando sério ou se, no final, vai retroagir.
"Porque os consumidores finais dos produtos exportados pelo Brasil aos Estados Unidos têm determinadas demandas que não serão totalmente abandonadas. E uma demanda definida lá e, muitas vezes, impossível de não ser comprada, vai definir o produto mais caro. E o produto mais caro, devido à tributação americana, não vai implicar numa imediata produção de bens em solo americano para que essa tributação não ocorra. Então, eu vejo isso como um grande calcanhar de Aquiles para qualquer medida tomada pelo Trump, sem planejamento e de rompante" , explica o economista.
Ao avaliar as medidas adotadas pelo Governo Federal, Pimenteira aponta como positivo o fato do governo procurar apoiar empresas que podem buscar outros mercados.
"É importante a abertura de novos mercados em países que, dado ao conforto e a segurança de pagamento dos americanos, não eram procurados por aqueles que têm sua capacidade de produção limitada. Então, hoje, nós vamos ter um estoque imobilizado em solo brasileiro que deverá ser escoado para outros países. Efetivamente, poderemos construir novas relações comerciais com esses países, expandindo até a nossa capacidade produtiva num futuro próximo", analisa.
O economista ressalta, dentro desse contexto, que o governo Trump não é permanente.
Dessa forma, a tendência é de que, em três anos, haja o retorno do equilíbrio comercial que sempre existiu entre o Brasil e os Estados Unidos, com o acréscimo das novas relações comerciais que poderão ser construídas até lá.
"Por isso, o que eu vejo no plano de auxílio que o governo federal está apresentando hoje é uma forma de que essas indústrias não entrem em crise no nosso país, não haja desemprego e a gente possa ter tempo de reação para construir esses novos mercados", finaliza o economista.